Filmes

Cisne Negro – Darren Aronofsky

Disseram na comunidade do Cinemascopio que “Aronofsky parece aquele seu amigo que posta uma letra dos Engenheiros do Hawaii e ainda faz um parágrafo para “explicar” os versos”. De fato, eis aí o que incomoda profundamente no cinema do rapaz. Em 2009, escrevi que Aronofsky precisava parar como se tivesse mal de parkinson, algo como organizando uma rave cinematográfica. E apesar de ter uma cena em boate com música eletrônica regada a drogas em “Cisne Negro”, esse tique permanece “suavizado”, digamos.

Mas é sua insistência em reforçar o óbvio que compromete. É sua plena incapacidade de trabalhar com sutilezas, de sugerir com elegância, de perpassar a camada mais superficial possível. Aqui, é o jogo de espelhos onipresente, a imposição do furor sexual à Nina Sayers de Natalie Portman, a dicotomia entre o “cisne branco” e “negro” a todo momento, a transformação, o oposto da Lily de Mila Kunis.

Portman – numa magreza tão necessária para o papel quanto exagerada – está bem dentro das falhas diversas de Aronofsky. É um primor de redundância e tensão forçada a condução da trama. Portman e Cassel (que estava merecendo um papel de destaque) se movem dentro do maniqueísmo infindável do diretor. Não há nuances ou camadas aqui. Seu sentido de “progressão” é o mais básico possível. O papel da mãe de Nina, feito por Barbara Hersheys, e suas projeções, expectativas, ciúmes e disputas com a filha é novamente grosseiro e irritante.

Em suma, um ótimo argumento dirigido pelo realizador errado.

+

Recomendo bravamente esse texto de João Pereira Coutinho, na Folha, sobre o filme. Certeiro.

Padrão
Filmes

Bravura Indômita – Coen Brothers

Se alguns chegaram a “desconfiar” quando os irmãos Coen anunciaram que fariam o remake de “True Grit”, 2 anos atrás, o filme acabado mostra que qualquer receio estava bastante equivocado. Os próprios Coen disseram não ter visto o filme original, de 69, e sua adaptação se baseou totalmente no livro: 100% verdadeiro ou não, fato é que o Bravura Indômita dos irmãos carrega o bom DNA autoral dos dois, com o freio puxado em alguns delírios e exageros de ironia e situações non-sense costumeiras – que às vezes funcionam, outras fracassam.

O responsável por isso, provavelmente, é Steven Spielberg. Produtor executivo da película. Dá pra sentir os dedinhos de Spielberg em opções mais tradicionais, como no final explicadinho e seguindo integralmente o livro, afinal. Mas nada que comprometa: Jeff Bridges está espetacular, numa atuação muito mais merecedora do Oscar – que deve ficar mesmo com Colin Firth – que a de “Crazy Heart”. Matt Damon está firme, investindo exatamente no que lhe cabe.

O destaque mesmo é Hailee Steinfeld. Com apenas 14 anos de idade, sua Mattie Ross é magnífica, estupenda, esbanjando a personalidade adulta que o personagem pede e deixando-se entregar ao viés “menininha” apenas quando requerido e mesmo assim numa segurança arrebatadora. O filme é dela. Não só por ser o elemento central da diferenciação do western tradicional, como por todo o eixo que representa e a atuação em si.

Outro elemento fundamental de True Grit é Roger Deakins. Responsável pela fotografia da maioria dos filmes dos Coen, Deakins já é, há muito, um dos melhores diretores de fotografia do planeta. Sempre soberbo, criando imagens belíssimas seja em grandes planos seja na iluminação natural de uma fogueira noturna. Recomendo bastante esta entrevista com ele. Cenas de já raro impacto e significância ganham ainda mais com o toque artístico de Deakins. “True Grit” é um deleite para os olhos.

Filme coeso, redondo, repleto de boas atuações, ótimo roteiro adaptado e uma fotografia fantástica. Aula de como renovar um clássico.

Padrão
Filmes

The Fighter – David O. Russell

Um dos melhores filmes baseados no universo do boxe – fácil – desde “Raging Bull”. Christian Bale está assombroso. Uma das melhores interpretações da sua carreira – que talvez tenha seu ápice em “Rescue Dawn”. No fim, quando o verdadeiro Dick Ecklund aparece, dá pra notar como Bale absorveu incrivelmente a malandragem, o humor, a personalidade única do sujeito.

Baseado na história real de Ecklund – ex-lutador, celebridade local por derrubar Sugar Ray Leonard na década de 70, que se torna viciado em crack – e seu irmão Micky Ward, treinado por ele e com uma carreira conturbada em virtude não só do vício e dos crimes do irmão como da família “peculiar”: 7 irmãs – literalmente “os sete demônios” – a mãe louca (Melissa Leo, indicada ao Oscar pelo papel) e o pai segurando a barra no meio de tudo. Amy Adams vive a namorada de Ward e foi igualmente indicada, tendo papel firme na película. O’Keefe, o policial-treinador, foi interpretado pelo próprio no filme, dando ainda mais credibilidade ao negócio.

Engraçado, repleto de interpretações soberbas, envolvente e sem carregar demais numa história já dramática por conta própria, “The Fighter” é certeiro no que propõe. As cenas de luta são bem realistas, fugindo do exagero da série Rocky, por exemplo. Merece todos os prêmios que receber e, principalmente, que você vá ao cinema vê-lo. O melhor do ano até agora – com boas chances de se manter lá em cima.

Padrão
Filmes

Além da Vida – Clint Eastwood

O filme vale por duas cenas: a de abertura, recriando o tsunami do Oceano Índico em 2004 na qual a jornalista francesa Marie Lelay, vivida por Cécile De France, sobrevive. E pelo encontro de Matt Damon e Bryce Dallas Howard na aula de culinária, um dos momentos mais belos  – de uma química tão particular – que vi na tela grande recentemente.

Fora isso, no entanto, é dos piores filmes de Clint Eastwood. O tema é explorado de forma clichê, o roteiro é fraquinho – trabalho equivocado de Peter Morgan, responsável por O Último Rei da Escócia, A Rainha e Frost/Nixon – as histórias paralelas se desenvolvem de maneira extremamente previsível, as habilidades de “vidente” de Damon são tratadas como o apertar de um botão. Há questões interessantes aqui, porém retratadas de modo frouxo, vazio ou óbvio demais.

Mesmo as relações humanas e de cada um com seus traumas fica aquém do que um diretor como Clint poderia fazer. Se “Invictus” já era tremendamente convencional, “Hereafter” segue o declínio, depois de uma obra-prima como “Gran Torino”, sem dúvida um dos melhores filmes da última década.

Que Clint encontre seu caminho novamente.

Padrão
Filmes

The Social Network – David Fincher

A era da informação, travestida há muito tempo na era da tecnologia, é uma época dominada pelos super-nerds. E o filme capta muito bem o espírito do nosso tempo neste aspecto, a já conhecida trajetória de “mente brilhante universitária lança projeto X que explode lentamente transformando-se no projeto Y até estourar no mundo todo” e valer bilhões de dólares. Atualmente, o Facebook vale mais de 500 bilhões. E nem fez sua oferta pública de ações ainda: a bolha/00 deixou lições e o Vale do Silício descobriu que ter controle total por um tempo maior não é lá exatamente ruim. O site ultrapassou os 500 milhões de usuários. Utilizando um termo caduco dos gurus da internet, é a autêntica “aldeia global” criada por aquilo que a rede oferece.

Como filme, é muito superior ao pavoroso “O Curioso Caso de Benjamin Button”, provavelmente o momento mais constrangedor da filmografia de David Fincher. Eisenberg está muito bem na pele de Zuckerberg e empresta boas tiradas ao roteiro repleto de ironias, provocações e raciocínio rápido. A película tem o mérito de retratar com propriedade o “case” mais relevante da web nos últimos anos, numa história com bons ingredientes – traições, juventude, negócios, relacionamentos, travessuras e genialidades – para a tela grande.

Mesmo assim, é cacete em boa parte do tempo e, no geral, não é grande coisa. A estrutura reunião com advogados/disputas judiciais/depoimentos mescladas com a ação do filme em si é uma solução fácil, chata e primária. Deveria passar de forma muito mais tímida em condições normais. “A Rede Social” será um bom filme para a Sessão da Tarde daqui uns 10 anos.

Padrão
Filmes

Tropa de Elite 2: realidade expandida

Dos milhares de motivos para se fazer Tropa de Elite 2 – inclusive financeiros – é curioso, primeiro, definir claramente como ele se tornou “o nosso” blockbuster: é o filme capaz de gravar personagens e frases no imaginário popular, levar multidões ao cinema, vender o triplo na pirataria, catapultar um homem controverso ao posto de “herói” e suscitar discussões inflamadas de todos os lados desde o seu lançamento. É um mérito artístico, social e de entretenimento que acontece pouquíssimas vezes por aqui nessa escala. Além de poderoso como obra, sendo o primeiro longa de ficção de José Padilha na época, Tropa de Elite tornou-se um fenômeno incontrolável.

O que nitidamente mais incomodou o diretor de lá pra cá foi a pecha de “fascista” que o filme levou. Algo tão absurdamente ridículo e despropositado, que só pode ser dito por alguém que não faça a mínima ideia do que é o fascismo e não tenha qualquer noção política e histórica para soltar uma bravata dessa. Tanto que Padilha ataca esse rótulo imbecil diretamente logo nos primeiros momentos de Tropa 2. Algo como “vamos deixar claro isso aqui”. Bandeiras como essa também surgem pela capacidade impressionante que a discussão sobre violência tem de levar a superficialidades e clichês estúpidos.

Padilha sabe disso. E você transformar anos de pesquisa e milhares de páginas, relatórios e estudos sobre as milícias no Rio de Janeiro, pegar tantas referências e algo tão complexo e profundo para ser abordado, colocando-o isso de maneira razoavelmente eficaz, com penetração, inteligente, direto e que ainda consiga entreter, encantar, chocar, emocionar. Simplificar o mínimo possível para dentro do “aspecto cinema” inevitável, das peculiaridades que todo filme obriga o autor a fazer, é uma arte delicada. Nisto, e apesar de seus problemas, Tropa 2 é tremendamente feliz. Atinge esse objetivo com precisão. E merece todos os elogios por tanto.

Não apenas por ter se criado nos documentários, mas por todo o processo de elaboração de Tropa 1, repetido e ampliado no 2, é nítido que o filme é uma expansão da realidade. Estão ali não apenas uma situação real, problemas reais, cidade, polícia, etc, como personagens inspirados diretamente em seus “correlatos” reais: Fraga, o “contra” de Nascimento, é o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, que conseguiu cassar o deputado Álvaro Lins, chefe da polícia, e também instalou a CPI das Milícias, que prendeu muita gente, cassou políticos, etc. Freixo inclusive foi consultor de roteiro do filme. Padilha fala abertamente sobre isso e muitos outros assuntos nesta entrevista, a melhor que eu vi com ele até agora, altamente recomendada. Fortunato, apresentador do programa “Mira Geral” e também deputado, é escancaradamente uma paródia de gente como Wagner Montes, que apresenta o “Balanço Geral” na Record do RJ. Este vídeo, dentre vários, ilustra bem. O governador parece claramente alfinetando Anthony Garotinho, pela história, pelos fatos, a corrupção e até pelos problemas que o primeiro filme teve com Rosinha Garotinho, governadora na época.

Apenas através destes exemplos fica claro como Tropa 2 é um “documentário de ficção”. Musculoso, sim, com efeitos caros e realistas, com ação tipicamente hollywoodiana, como nas cenas de ocupação da favela com Nascimento guiando pelo helicóptero e no próprio tiroteio que põe em risco a vida dele. O filme é didático: precisa mostrar não apenas o processo de criação das milícias, mas as agruras de seu personagem principal, saindo de comandante do BOPE após uma operação desastrada em Bangu I, para sub-secretário de inteligência da segurança pública do estado do RJ. O Nascimento “humano” do primeiro filme está mais exposto aqui. Sua relação com o filho, com os amigos, com a ex-esposa e principalmente consigo mesmo é levada a um novo ponto de crise e reflexão.

Se Nascimento quer “destruir o sistema dentro do sistema”, o saldo final é complexo, caro e incerto. Em última medida, é este o eixo de Tropa 2. Mostra não só as entranhas do “sistema” e seus desdobramentos umbilicais, como de que maneira, no fim, ele sempre acaba se recriando, reinventando, substituindo as lideranças. Eclodindo um monstro dentro de outro. É o problema e a dúvida final que está dada. A película é corajosa, direta, tem méritos e uma capacidade de abordar as chagas da política brasileira como poucos filmes nacionais conseguiram fazer. Aponta a câmera, literalmente, para o centro do poder. Não deixa margem nem fica em cima do muro. Mesmo que ressaltado por Nascimento, “porque entra governo, sai governo, etc”, a coisa não muda.  Quem ganha com isso, quem financia – nós, afinal – e o custo, imenso. Qualquer interpretação rasteira pode levar a uma crucificação do governo atual – como aconteceria com qualquer outro que lá estivesse – pelo calor do momento, pela obviedade rasgada. Claro que tudo vai muito além disso.

Tropa 2 também aborda a relação às vezes “pouco ortodoxa” da mídia com a política, no pior sentido possível. Se Fortunato é o meio mais visível disso, talvez o terceiro filme possa aprofundar o tema, ainda que a pesquisa da jornalista Clara seja fundamental para descortinar a espinha dorsal do esquema. É através da imprensa que questões fundamentais são expostas e tem papel decisivo em acontecimentos do filme. Nascimento também afirma: “e a política, parceiro, só respeita a mídia”. Esta relação é sempre dúbia e paradoxal. O diretor do jornal chega a exclamar “precisamos tomar cuidado, afinal o governo do estado é nosso maior anunciante”. Será que vale o risco de crescer fazendo bom jornalismo, investigativo e revelador, perdendo sua principal fonte de receita? Como isto vai se sustentar depois que o boom de vendas passar, os anunciantes minguarem? Em maior ou menor grau, é o tipo de “dilema” vivido por muitos veículos hoje, agora. Desde muito.

É tão clichê falar em “sistema” quanto necessário. Ainda que o termo esteja caduco, ainda é ele que define melhor em que estamos inseridos. Nascimento é colocado como herói, sim. Mais que no primeiro filme. Mas sempre um “herói” humano, atormentado, dúbio, incerto, que pensa contribuir para algo positivo e acaba ajudando a criar outra excrescência, as milícias. Não há redenção nem caminhos fechados em Tropa 2. Não há certezas ou final feliz. As perdas são duras, cruéis. Como obra, incomoda somente o uso exagerado da narração em off. O recurso mais fácil para se contar uma história. Pelo caminho trilhado nos dois títulos até aqui e revendo um ou outro deslize, tudo indica que o terceiro filme possa – talvez – fechar a maior trilogia do cinema brasileiro.

O “sistema”, ainda que forte e dono do grosso de recursos, também respira por aparelhos. Como nós, é mais frágil do que gosta de admitir. Por mergulhar no centro da questão e deixar muito mais perguntas que soluções fáceis, Tropa 2 tem aquele impacto de um soco potente e preciso. Capaz de deixar os espectadores tontos, pensando no que fazer a seguir. Como sair daquela situação. E por fazê-lo de maneira tão contundente, virou o que virou. É ótimo ver algo que tire o público do eixo. Que ofereça mais que uma refeição pronta. Tropa 2 não pretende dar um nocaute, mas sair da letargia. No máximo que o cinema pode realmente, e por longo tempo, influenciar em algo concreto na vida real. Está de bom tamanho.

Padrão
Filmes

Oliver Stone: um bobo adorável

Dentro do espírito desse filme, dá pra dizer que Oliver Stone tem “crédito no mercado”. Sua filmografia, por diversas vezes, esteve entre o limiar hollywoodiano e aquela abordagem meio fora da curva, meio outsider. É a pretensão de Wall Street – Money Never Sleeps, embora empacotado totalmente no esquema de Hollywood, como ele mesmo admitiu em entrevista. Se sempre esteve presente, seus últimos 10 anos foram quase que totalmente políticos. Com exceção do blockbuster “Alexandre”, que também é político de muitas maneiras, Oliver lançou documentários e filmes com óbvia veia crítica.

Estando recentemente no Brasil para divulgar “Ao Sul da Fronteira”, em que aborda o momento político da América Latina, Stone denota no mínimo saber razoavelmente sobre o que fala. A crise econômica de 2008, marco histórico eterno, é ótimo material base. Falei sobre ela recentemente aqui. Daí que a expectativa para Wall Street II era razoável. Mas a coisa começa já no subtítulo horroroso e clichê: “O Dinheiro Nunca Dorme” soa como uma das piores opções possíveis.

E não é só o subtítulo que parece infeliz. Desde o início da película o festival de obviedades acontece em profusão. De sutileza zero e sem a mínima capacidade de gerar tensão, crítica e análise que fuja do primeiro nível, WSII ainda carrega alguns artíficios que parecem feitos por um diretor qualquer e estreante. Os prédios como modelo para o sobe e desce da bolsa, a exaustiva e infantil “metáfora” das bolhas de sabão flutuando no ar em diversos momentos, os diálogos rasteiros, os efeitos visuais duvidosos, o triângulo financeiro soporífero e a relação amorosa de dar dó entre Shia LaBeouf e Carey Mulligan.

Sobre LaBeouf, juro que tentei dar chances, mas o garoto pode ser qualquer coisa, menos um ator com o mínimo de estofo para um personagem como esse. Talvez vire um bom ator qualquer dia, por enquanto é apenas um garoto esforçado que caiu nas graças de Hollywood. A crise em si, quando chega, é abordada de modo tremendamente fraco.

Tentando achar o “humano” por trás do sistema financeiro, Stone escorrega fortemente na pieguice, num texto frágil, casal de protagonistas ruins e escolhas erradas. E o filme acaba com um beijo, bolhas voando no céu e referências ao dólar. O que por si só é sintomático. Melhor voltar para o original.

Padrão