Esportes

Alemanha: as lições da campeã do mundo e o obscurantismo da CBF

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Com a taça em mãos, é fácil elaborar teorias sobre o sucesso da seleção alemã de futebol. Explicações que já vinham criando corpo com a histórica derrota de 7×1 sofrida pela seleção brasileira. Na ânsia de explicar a abissal diferença entre o atual futebol alemão e o declínio absoluto do futebol brasileiro, a reformulação, os investimentos e as técnicas usadas pela Federação Alemã de Futebol desde a derrota na final da Copa de 2002 para o próprio Brasil e a organização do mundial em casa, em 2006, se amontoaram.

A realidade é clara: em 12 anos, o futebol alemão se reinventou completamente, saneou a liga local, criando regras rígidas para as equipes da Bundesliga, fortalecendo a igualdade entre os times, investiu fortemente na base, espalhou escolinhas em todo o país e passou a apostar em estudos acadêmicos e até no uso do Big Data para o suporte da seleção.

Em um esporte em que a individualidade é capaz de decidir tudo e a noção de “justiça” nem sempre pode ser aplicada, é inquestionável que a Alemanha tornou-se um modelo de sucesso digno de referência, coroado pelo quarto título mundial da sua história. Se as bolas de Higuaín, Messi ou Palacio tivessem entrado, no entanto, nada disso seria diferente.

Tornar o futebol um patrimônio fortíssimo da economia do país – somente a federação investiu US$ 1 bilhão de dólares nas iniciativas citadas acima – é entender o esporte moderno como o que ele realmente é: parte fundamental da identidade nacional, do mercado local e do PIB.

Para chegar lá, a Alemanha sepultou o amadorismo. Em 12 anos, a DFB (Associação Alemã de Futebol), entidade pública, abriu 366 centros futebolísticos em todo o país, onde mil técnicos treinam cerca de 25 mil jovens entre 9 e 17 anos em locais perto de suas casas e sem vínculos com clubes. Mario Götze, autor do gol heroico na prorrogação contra a Argentina, de 22 anos e Thomas Muller, um dos artilheiros da Copa, além de Marco Reus, atacante de destaque na liga, titular da equipe e cortado por lesão da competição, além de outros jogadores, todos já são frutos dessa política.

Ao contrário dos clubes brasileiras, falidos e com dívidas que superam absurdos R$ 750 milhões de reais em alguns casos (como o Flamengo), as equipes alemãs precisam enviar 3 vezes ao ano um balanço financeiro positivo, seguindo um livro de 200 páginas de regras e a aprovação do balanço é fundamental para que o clube participe da Bundesliga. Caso contrário, podem perder pontos e até ficar de fora da competição. Os salários dos jogadores não podem ultrapassar 50% do orçamento. Em outros lugares, chega a 70%, como na Espanha. Apenas dois clubes da liga alemã tem dívidas, realidade bem diferente do Brasil, onde a dívida dos 20 maiores clubes é de R$ 4 bilhões. Na Inglaterra, recheada de clubes comprados por sheiks e bilionários do leste europeu, caso de Chelsea e Manchester City, inundada de dinheiro de origem no mínimo suspeita, a dívida acumulada é de R$ 11 bilhões.

As medidas se refletem no público e em campo: a liga alemã tem a melhor média de público do mundo, com 45 mil pessoas (40% de mulheres). A segunda divisão tem média de 17 mil, superior à primeira divisão do Brasil, de 15 mil pessoas. A média brasileira, aliás, é só a 13º do mundo, atrás de China e EUA.

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Big data e estudos acadêmicos

Para chegar lá, a DFB não se furtou a usar todas as ferramentas possíveis. Usando até o método big data, ou seja, a análise de grande quantidade de dados baseado nos “5 Vs”:velocidadevolumevariedade, veracidade e valor.

A federação firmou uma parceria com a empresa alemã SAP, que desenvolveu uma ferramenta para analisar dados de treinamentos e jogos, checando desde a organização tática e a precisão de chutes até a posse de bola e a distribuição de passes, indicando as melhores opções e identificando fraquezas e pontos fortes de cada jogador em situações de jogo.  O aplicativo roda na plataforma HANA da própria SAP e conta com interface simples para ser usado pelos próprios jogadores para conhecimento do adversário, não ficando refém apenas dos preparadores.

As ferramentas da SAP também analisam as redes sociais, avaliando a participação dos torcedores e mostrando a aprovação e rejeição da equipe. Fora do futebol, o big data também é usado em no tênis, na Fórmula 1, no futebol americano e no críquete, entre outros.

Nessa forma híbrida de conhecimento, a seleção também usou um estudo meticuloso feito por cerca de 50 estudantes da universidade de Colônia nos últimos 2 anos. Para enfrentar o Brasil, os mínimos detalhes de todos os jogadores foram levantados e organizados, como jogam, seu histórico, artigos publicados e estatísticas da seleção e de cada jogador. Se obviamente não explica todo o sucesso da seleção, naturalmente explica um modelo de gestão que não guarda resquício dos tempos primitivos do futebol, algo que a CBF ainda parece se agarrar.

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E no Brasil?

É difícil imaginar uma entidade tão obscurantista como a CBF, comandada desde 1989 por Ricardo Teixeira, que saiu pelas portas dos fundos imerso em dezenas de denúncias de corrupção e entregou o bastão para José Maria Marín, que roubou medalha de jogador na premiação da Copa SP de Futebol Júnior, um resumo da sua mentalidade. Ambos com fortes vínculos com a ditadura militar e incapazes de organizar um campeonato brasileiro decente – incapazes até de publicar corretamente a suspensão de um atleta, gerando a absurda virada de mesa do Fluminense no Brasileirão 2013, episódio já ocorrido diversas vezes antes – e incapaz de administrar as categorias de base. Em suma, falência total.  A única coisa que a CBF consegue fazer bem é arrecadar dinheiro, com as dezenas de patrocinadores e a Copa do Mundo.

O lucro da entidade em 2013 foi de R$ 452 milhões de reais, o maior da sua história, aumento de 277% desde que o Brasil foi anunciado como sede da Copa. Dinheiro sobrando e a total incapacidade de transformar isso em bons frutos para o futebol brasileiro. Não é por acaso: além do regime monárquico na presidência da entidade, diversas federações ao redor do país acumulam dirigentes com mais de 20 anos no poder. Nos clubes, a situação não é muito diferente.

Uma breve esperança é a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que será votada em agosto no Congresso. Com ela, os clubes serão obrigados a apresentar balanços transparentes de forma regular e pagar rigorosamente suas dívidas, sem anistia governamental, como tentam há tanto tempo. Caso isto não ocorra, o clube poderá ser rebaixado para divisões inferiores e os dirigentes responsabilizados.

É pouco e nada indica que a CBF será capaz de realmente provocar uma revolução no futebol brasileiro, desejo que a humilhante derrota para a Alemanha causou na mídia e no torcedor. Com as devidas diferenças, que não são poucas, a federação e o governo alemão apresentam um caminho comprovadamente exitoso a seguir.

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