Filosofia

“O fascismo eterno” de Umberto Eco e o Brasil hoje

– O fascismo eterno provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.

– O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “porcos intelectuais”, “cabeças ocas”, “esnobes radicais”, “as universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de fascismo eterno. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.

– Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista eterno transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma inveja do pênis permanente.

– Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como “a voz do povo”. Em virtude do populismo qualitativo, o fascista eterno deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no Parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembleia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o Parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais “a voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de fascismo eterno.

– O fascista eterno fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, mas certos elementos de fascismo eterno são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém, estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.

(Algumas características do que Umberto Eco chama de “Fascismo eterno”, aqui).

Qualquer semelhança com o que levou Bolsonaro ao status que ocupa hoje, com a sua maneira de atuar, na forma como a sua rede se organiza, etc, etc, etc, não é mera coincidência. De maneira bem didática, bem simples e explicativa, Eco mostra aí que são, sim, fascistas, fascistas de mão cheia, de pai, mãe, padrinho, tios e avós. Fascistas, em alto e bom som. É essa gente que precisamos combater.

Quer saber mais sobre o fascismo? Recomendo também o ótimo e igualmente didático “Introdução ao Fascismo“, de Leandro Konder, disponível em PDF aqui.

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