Jornalismo

Com quanto dinheiro se combate a estupidez no trânsito?

Exemplar esta matéria do Correio Braziliense sobre a redução de verba para a educação no trânsito em 2011. Exemplar porque mostra como é fácil um jornalista manipular números para vender a ideia que ele e o veículo que representa quer. Das “sutis” diferenças entre o texto apresentando na versão impressa e online, estão omitidos alguns dados. No papel o título alardeia “um trânsito ainda mais mal-educado”. E completa: “orçamento para programas de prevenção, campanhas pedagógicas e capacitação de agentes é cortado em 60% de 2010 para 2011, apesar de a frota brasileira e o número de mortes terem aumentado nos últimos anos”.

Um absurdo, não? Não. Ao mesmo tempo que mostra que a frota passou de 29,5 milhões de veículos em 2000 para 54,5 milhões em 2008, há também um quadro que revela que a verba para educação no trânsito passou de 65 milhões em 2007 para 106 milhões em 2008 e – repare – 534 milhões em 2009. Dobrou de um ano para o outro e quintuplicou entre 08 e 09, ficando em 499 mi em 2010. Com o corte no orçamento, a verba foi fixada em 197 milhões para 2011. O que representa 91 milhões a mais que em 2008, mesmo com o aumento extremo que tivemos no intervalo: algo totalmente ignorado pela reportagem. Isso que eu chamo de subestimar a inteligência do leitor.

Pra piorar, os “personagens” que criticam a “redução” de verba são o diretor da ONG Rodas da Paz, tipo sempre suspeito e uma garota que perdeu a irmã num acidente. Trágico, exceto pela história: irmã vai resgatar amigo bêbado da boate, estando igualmente bêbada e o amigo consegue bater numa árvore o que faz com que a menina, por estar sem cinto, seja arremessada para fora do veículo, morrendo de traumatismo craniano 6 dias depois. Com todo respeito que a desconhecida merece e longe de querer levar o moralismo no limite, se você dirige bêbado, tem o dom de bater numa árvore e ainda está sem cinto, desculpa, mas você não pode criticar absolutamente nada.

Com quanto dinheiro você vai evitar esse tipo de estupidez? Nem com todo o orçamento da União. As pessoas bebem, dirigem e fazem besteiras porque querem, porque assumem o risco e algumas não tem condição de dirigir sequer sóbrio, quiçá alcoolizadas. As pessoas morrem no trânsito porque são imprudentes, abusadas, não tem respeito por nada nem por si mesmo, porque acidentes também acontecem, por estupidez, descuido, azar, babaquice alheia, etc, etc, etc. É triste, mas é assim. Você pode fazer tudo que quiser, desde que arque com as consequencias disso. Simples. O governo, grosso modo, não pode ser responsabilizado por tudo. Exceto por oferecer estradas adequadas, etc e tal.

A reportagem omite que na verdade o orçamento aumentou mais que 8 vezes entre 2007 e 2009, passando agora para um patamar razoável em 2011. Educação e boas condições no trânsito são importantes, mas curar estupidez, abuso e despreparo é um pouco demais.

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Artigos/Matérias/Opinião

Mulheres, SUV’s e a modernidade

O SUV – veículo “utilitário” – sempre foi símbolo do “sonho americano” e, também, do ‘fetiche’ masculino. Veículos que carregam ‘status’, ilusão de ‘poder’ e ‘superioridade’. Para os homens, sempre funcionou como extensão do falo. Sinônimo de “virilidade”, “força” e todas as características típicas do inseguro, acéfalo e estereotipado macho moderno. Bom frisar: tome isto, naturalmente, em termos gerais. Nem todo dono de SUV é  “x” ou “y”. Os apontamentos acima são fruto de um comportamento (e até estatísticas, estudos, etc) largamente conhecidos.

Além disso, os SUV’s tem alto índice de envolvimento em acidentes e são considerados um dos vilões do aquecimento global pelo imenso consumo de combustível. Isto dito, percebi uma mudança notável nas ruas de Brasília: o número incrivelmente crescente de mulheres dirigindo SUV’s, pick-ups e derivados. O que isto indica, afinal? Talvez nada. Ou, talvez, indo fundo numa pretensa observação de mudança de comportamento da sociedade, a apropriação dos piores hábitos masculinos.

A destruição da família nuclear burguesa, cristã e “tradicional” – homem como “provedor”, mulher como dona de casa, etc – e do papel da mulher na sociedade em geral vem sofrendo profundas mudanças desde os anos 60. Todas as conquistas, mais do que justas e necessárias, às vezes, no entanto, caem numa busca interminável por se “igualar” ou “superar” os homens: seja em que esfera e de que maneira for. Erro crasso visto as brutais diferenças inerentes entre os dois.

E pior ainda porque o homem em si, não custa lembrar, é a principal causa do escremento fumegante em que estamos agora. O comportamento masculino – agressivo, autoritário, inescrupoloso, extremamente competitivo – novamente de modo geral e sem esquecer que mulheres podem ser tanto quanto, é um dos responsáveis por colocar o mundo nesse caos crescente. Mulheres, grosso modo, dirigem melhor, governam melhor, administram melhor, etc, etc. De modo que a sadia participação feminina em todas as questões da humanidade – no política, no trabalho, no trânsito,… – sem dúvida contribui para melhorarmos um pouco.

Problema é quando começam a absorver as piores facetas do homem. Quando se preocupam em demasia, como dito, em tentar se igualar. Primeiro porque somos diferentes e segundo porque, de modo geral, não temos boas coisas a passar. O SUV, afinal, é um símbolo de quase tudo de errado no mundo hoje. A obsessão pelo tamanho, pela potência, pela agressividade, pela rapidez, pela força. Sem falar na questão ambiental.


Para uma indústria automobilística que caminha cada vez mais para os carros mini e nano – quanto menor e mais eficiente melhor – as mulheres, me parece, seriam eixo fundamental para essa mudança. Já que o “bicho macho” é naturalmente mais resistente a descer do pedestal e ver seu “falo” diminuído.

Triste, portanto, que a contaminação do lado masculino mais nefasto seja tão crescente entre as mulheres. Claro que isto são apontamentos preliminares sobre um caso específico. O importante é que, independente do sexo, saibamos enxergar os veículos como meios de transporte e não como “extensões” de anseios, personalidades, ambições e fraquezas. Lucidez é o remédio. Chegaremos lá.

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Política & Economia

Adeus, General Motors – por Michael Moore

FAIL

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada” – a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes, milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países, destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros? Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade: que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de 2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30. Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens. Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway 1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente – e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans” deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer um trabalho melhor.

Texto original de Michael Moore.

Traduzido por Apocalipse Motorizado.

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