Esportes

O ser Flamengo e a magnética do futebol

Eu sou Flamengo. E estas coisas não se explicam. Paixão verdadeira por um clube de futebol não tem motivo aparente. Desde que me reconheço no mundo, sou Flamengo. Ainda (muito) moleque, lembro de ter comemorado o penta brasileiro em 1992 pelas ruas de uma cidadezinha no interior do Espírito Santo, ainda sem saber direito o que estava acontecendo.

Ter um sentimento tão forte por uma equipe de futebol é uma daquelas coisas idiotas e sem sentido que você não consegue se livrar. Afinal, em tese, pela razão, não tem influência nenhuma na sua vida. E, como diria o meu avô, você se mata por meia dúzia de milionários que ficam lá correndo atrás de uma bola. Ele tem razão. O salário de um mês de um grande jogador do Flamengo atual deve ser o equivalente aos ganhos de milhares de flamenguistas juntos num único ano.

É o time do povo. Da favela que desce em peso pro Maracanã. Do cara humilde com dois dentes na boca que leva o filho pra ver um clássico no domingo. De gente que tem como sentido da vida deles o Flamengo. Literalmente, o Flamengo é a vida do cara. Temos a maior torcida do mundo: 35 a 40 milhões de pessoas. Tombada pela prefeitura do Rio de Janeiro como patrimônio cultural da cidade. Já viram isto? Repito: a torcida do Flamengo foi tombada pela prefeitura do Rio como patrimônio cultural do município. Homenagem mais que merecida.

Muitas vezes, esta é uma relação de amor não correspondido. O torcedor sofre, se importa, acompanha, colabora…e o time não corresponde, não consegue transformar isto em vitórias, em respeito a quem está no estádio. Sobretudo, porque o futebol é só um esporte. E o perder e o ganhar é parte inerente – longe de uma equação simples ou factual – da essência do jogo. Você fica puto, fica feliz, desiste, volta a acompanhar, se revolta, finge não se abater, vibra, xinga, se conforma, gasta horas pensando nisso, não assiste mais aos jogos, vai ao estádio…no clichê pelo clichê, é a montanha russa de fases e emoções que todo relacionamento possui. Com a certeza de que será pra vida toda. “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”.

Na verdade, torcedor “vira-casaca”, pra mim, não é torcedor. Nunca foi e nunca será. Dou risada quando me perguntam: “ok, e em Minas você torce pra que time? E em São Paulo?”. Hã? Como assim? Como, que diabos, num estado X ou em outro, pra que time eu torço? Eu sou F-L-A-M-E-N-G-O. No Espírito Santo, onde nasci, em Minas, onde moro, no Sri Lanka ou na Venezuela. O resto é o resto.

Já diriam os anais da crônica esportiva nacional que o futebol é o momento onde todo brasileiro é igual. É a hora quando, não importa que classe social você pertença, seu “intelecto”, profissão, cor ou o que quer que seja, você se torna mais um hipnotizado pelo magnetismo de uma paixão, uma torcida, um estádio, um clube e uma bola rolando. Verdade inegável.

Até por isso, eu tenho pena não só de nós, torcedores, como do futebol brasileiro em si. Não dá para imaginar quanto dinheiro é roubado, quanta sujeira se esconde nos bastidores e quanto a péssima administração de cartolas e conselheiros caducos e sangue-sugas entranhados nas dependências dos clubes jogam o esporte pra baixo. Em termos de mercado, desconheço algo mais forte que o futebol em nosso país. E o modelo de administração do século XIX, somado ao óbvio desvio de verbas e a pura e simples incompetência e amadorismo, jogam no abismo os clubes locais, que ganhariam horrores se profissionalizando.

Imagine o que uma boa diretoria, profissionais qualificados nas diferentes áreas administrativas e um departamento de marketing decente não fariam com um contingente de 40 milhões de torcedores? É impossível um patrimônio assim, se bem gerido, dar prejuízo. O Flamengo seria o clube mais rico do mundo, e tem nítido potencial para ser.

O futebol, na pior e na melhor faceta, é, realmente, a síntese do Brasil. O que temos de mais vivo e mais podre. O único lugar onde existe memória – nas outras coisas o passado é ignorado e o que lembramos raramente vai até o ano anterior (política, economia, artes, etc, etc, etc).

Não dá pra ser brasileiro ignorando o futebol. Seria um contra-senso inexplicável. Um atestado de estrangeirismo e estupidez (tanto quanto deixar a paixão por ele o tornar cego e fanático).

Não é nisto, o futebol, que um povo e um país se resumem. Mas é impossível compreender o Brasil de hoje e sempre sem passar pelo relvado – como diria o português antigo. Eu sou Flamengo. E continuarei sendo não importa o que aconteça. Vocês, outros, que se degeneraram, que continuem torcendo para o clube que torcem. E que ajudem a melhorar o esporte – com todos os benefícios que vêm com isso.

Pouco temos de tão belo e essencial.

Padrão