Literatura

Pensamento browniano

Por Tiago L. Garcia

Daquilo que leio esqueço quase tudo. Resta, como nos resta daquilo que aprendemos com a família, certos gestos, certa maneira de caminhar e olhar o mundo.

Tentar viver novamente nossas lembranças é um equívoco. Boa parte da alegria agregada às lembranças é uma dádiva do tecido opaco em que a memória as reveste.

A memória recorta o real, o resume, o generaliza, o sentencia…faz dele um aforismo.

Seria suportável a companhia humana sem a companhia literária (e vice-versa)?

O tempo vivido obedece a um movimento browniano. Deste movimento, contudo, é possível imaginar um desenho.

Se não construirmos um arco até sua última pedra ele desmorona.

Ideias abondonadas enferrujam, decaem e desaparecem.

Pensar em inglês me faz sentir novamente um adolescente – o que não é de todo ruim.

Tornar-se uma pessoa melhor não significa essencialmente tornar-se mais moral.

Uma pessoa má é aquela cuja maldade transcende os males de seu tempo.

Do contentamento exala a moralidade.

É dos fracassados a visão privilegiada em relação aos equívocos da disputa. O ressentimento nunca está de todo incorreto…

O lamento pela opressão não é uma ode à fraqueza, mas um elogio à força oprimida.

Da alegria retiramos centenas de matizes. Do desvario à beatitude.

Há ainda algo de puro no desejo egoísta de fruir das coisas. O demônio prefere comprar almas…

A química das relações humanas não obedece a uma relação causal: De dois bons sujeitos às vezes se faz metade de uma tragédia.

O homem descobre sua estupidez. Deus, contente com este primeiro lampejo de sanidade de suas crias, o perdoa. Eis a essência do cristianismo.

Abençoados sejam aqueles que crêem Deus ser inefável!

O conhecimento profundo dos vícios pode nos tornar hipócritas. Quanto mais profundamente conhecemos os vícios e seus meandros, mais envergonhados e angustiados nos tornamos em confessá-los.

Pensar contra a corrente, recusar a julgar através dos valores vigentes em determinados meios é algo que envolve um esforço perene. Há sempre o risco da “recaída”: nos alegrarmos com elogios injustos ou ditos por pessoas que desprezamos, ou ainda rejeitarmos reprimendas honestas ditas por pessoas em quem confiamos. O fato é que uma mente livre está sempre em “reabilitação”…

Eu não posso livrar-me da vaidade se você não permite.

O melhor da amizade é poder permanecer feliz estando equivocado.

O maior equívoco é procurar o sucesso em um jogo fundado sobre critérios que desprezamos.

Em toda crítica é necessário enfatizar os critérios que permitem os juízos, mais do que os juízos realizados através destes critérios.

Uma ponte sólida é sólida porque assim a construímos. É necessário confiar em nossa capacidade de erigir valores robustos. O que não significa desprezar a história, mas sim reordenar as constelações, como quis Walter Benjamim.

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Ensaios de filografia

Entendo aqui filografia não como os italianos, para quem a palavra designa o indivíduo que coleciona textos e escritos, mas a escrita direcionada aos amigos e que visa provocar a ataraxia naquele que escreve – desobrigado por suas ninharias literárias do esforço para parecer espirituoso e erudito em compromissos sociais.

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A vida vibra pois é tensa.

Mais tristes do que as filas em hospitais são as filas em casas lotéricas.

Escapar à dor física e se encontrar completamente indiferente à estupidez alheia são as maiores vantagens em estar morto.

Não notamos nossos defeitos da mesma maneira que não notamos o odor de nossa casa. A presença prolongada satura o pensamento da mesma forma que satura os sentidos.

Se os homens se tornassem incapazes de se habituar a erros e injustiças eles imediatamente promoveriam uma revolução…e então suicidar-se-iam.

Se a vida, como quer Cioran, é a doença da matéria, então o pensamento é a ‘Unidade de Terapia Intensiva’…

Aprender a comer à mesa de estranhos mantém relações estreitas com aprender a pensar.

Choramos de felicidade porque compadecemos do sofrimento anterior ao advento da alegria.

A amante: Ao partirmos à conquista da felicidade é necessário lembrar que somos casados com a sensatez.

Estamos felizes quando nosso pensamento repousa sobre certas circunstâncias e promessas. Para sermos felizes, contudo, é necessário que nosso pensamento repouse em todas as circunstâncias, sem qualquer garantia. É necessário, para tanto, amortecer o pensamento…

Existem males das mais variadas espécies. Uma sociedade boa é aquela que cultiva os tipos menos vistosos.

Há quem diga que os problemas de nossa cultura passam pela presença do pensamento “politicamente correto”. Isto em um tempo que baniu a “política” e que pouco se importa com aquilo que pode significar “correto”.

É necessário inventar um conceito para iluminar a maior das virtudes: saber enxergar os próprios vícios e extirpá-los.

Se não há nome para tal virtude, contudo, podemos suspeitar que seja pelo fato de que ninguém a possui.

Sabemos por experiência empírica inequívoca que indivíduos não extinguem seus vícios sem que ocorra algo ‘externo’ que torne a mudança compulsória. Como esperar algo diferente de uma sociedade?

Talvez uma revolução que não termine em farsa deva ter início com a mobilização das donas de casa.

Habituarmos com ideias significa esquecer que elas são de outrem.

Somos embaixadores das ideias que amamos pois elas se tornam objetos menos frágeis quando nos transcendem.

É apenas uma ironia da natureza que todo remédio efetivo seja amargo?

Temos de estar bastante seguros de nossos méritos para tratá-los com o desdém que eles merecem.

Escreveu Cioran com seu humor habitual: “Os filhos que não tive não sabem o tamanho do favor que me devem”.

De fato, o único motivo que faria um filósofo desejar um filho (a saber: ter alguém para inculcar suas ideias absurdas) lhe é interditado pelo uso da razão prática.

Um canalha brilhante ainda assim é um canalha. É fato que muitos são fascinados por estes canalhas geniais: estes com sua exuberante soberba fornecem aos tolos a ilusão de que é possível viver sem duvidar de si mesmo, sem precisar de outrem…

O homem moderno, diante da especialização, não dá conta de todo saber que lhe é necessário. Max Webber, uma das mentes mais sólidas a pisar na Terra, nos fornece o fundamento teórico para a necessidade da humildade.

Antes pedíamos cola na prova de matemática; hoje elucidações sobre economia ou física quântica.

À Nietzsche, Schopenhauer e Karl Kraus: Quantos aforismos misândricos não escreveriam as mulheres alemãs se não fossem canalhas e injustas como os homens?

É indelicado dizer que desejamos a universalização de uma educação autêntica só para que tenhamos mais sujeitos com quem falar sobre Chesterton, Chamfort ou Beethoven?

Zombar de si próprio é a maneira mais eloquente e elegante de pregação moral.

Misantropos necessitam de um consultor de moda que lhes diga como desaparecer em público…

Meu “sonho de consumo” é uma torneira pública de suco (de cevada, quem sabe…), tal qual a da utopia de Fourrier!

Quando crescer queria ser um empresário falido como Robert Owen!

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“Vivo apesar de tudo”, diz, em tinta azul, este meu caderninho de anotações.

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Wabi-sabi

Novos aforismos do amigo Tiago Lucas. Aproveite.

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Será que se sentíssemos o cerébro pulsando notaríamos com maior clareza a fragilidade do pensamento?

O desejo é a única âncora do pensamento (este nosso barco furado…)

Se pensamos geometricamente, não vamos além dos trilhos; se pensamos sem a geometria, somos uma locomotiva prestes a colidir.

O amor ao próximo surge das cinzas da auto-estima.

Quando nos lançamos ao pés das mulheres é para que elas encontrem algo de valor neste mar de cinzas.

Não desdenhem o casamento: muitas vezes só um contrato nos impede de morrer em um asilo.

O “eu” é odioso, concordemos com Pascal… só nos é permitido amar os vícios dos outros.

Todo esforço da política, da moral e da técnica se volta ao único objetivo de reduzir os males da humanidade a apenas um: “Vamos bater as botas…”

Wittgenstein antes de morrer mandou dizer a seus amigos que ‘tivera uma vida maravilhosa’. Se tivesse uma segunda oportunidade teria feito, digamos, algumas ressalvas…

Toda dor física é um afluente que nos leva ao rio Styx.

Todo fracasso profissional é duplamente humilhante por se tratar de um fracasso de valior paliativo no interior de uma outra grande falência chamada falecimento.

É fato, contudo, que “memento mori” (e um picolé…) pode, em dados momentos, servir de consolo para nossos “problemas paliativos”…

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Como entender a morte das pessoas que fazem parte de nossa vida? Tome o MacBeth de Shakespeare, retire do texto Lady MacBeth, depois Duncan, depois Banquo, depois MacDuff, depois Malcom, depois s própria floresta de Dunsinane….veja o estupefato MacBeth. Não é a vida um espetáculo?

É verdade que falo da morte como se estivesse no consultório do dentista. Na sala de espera, olhando ansioso para a porta de saída. Mas, Deus, eu já paguei pelo serviço!

E não digam que a imortalidade seria tediosa! Passaria décadas dormindo com grande entusiamo!

A preguiça é a negação da morte.

Fazer nada é, antes de tudo, desdenhar a queda no tempo…

Há sempre bons argumentos contra o suicídio. Se o sujeito é jovem: “Há ainda muita água a passar por debaixo de sua ponte, meu caro!”. Se já avançou nas primaveras: “Senhor, para que tanta pressa?”.

O suicídio é sempre obra da vida. Mesmo que seja uma ação contra ela, é uma ação nela engajada. A simples vontade de não mais existir, a pulsão de morte, nos faz, como faz a maioria dos viventes, apenas comer, dormir e trabalhar…

Publicar é fazer de nossas dores e fracassos um objeto de entretenimento.

Borges ama os livros. Eu não os amo. Nem mesmo os de Borges. Mas amo o velho Borges – sujeito gentil e humilde.

Para escrever em público é necessário perder o medo de palhaço que adquirimos na infância – ou simplesmente não olhar mais no espelho.

Não se trata de odiar as letras e as artes, mas de violentamente conduzí-las de volta à fria luz da vida.

Ok. Está tudo justo e certo. Não somos fracassados e condenados, pois alguém se entretém com nossas entranhas e passa o tempo a ver nosso coração em chamas…eis aí o “glamour” das letras.

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