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O problema da educação no Brasil é (também) falta de recursos

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Eu leio muita atrocidade sobre educação publicada nesse país todos os dias, especialmente de 1 ano pra cá, quando passei a acompanhar diariamente o tema, na mídia, na Câmara, no Senado, nas reuniões das entidades oficiais, eventos, enfim. Os números, esse bicho complicado, sempre são usados para comprovar uma tese, sustentar um argumento, etc.

E aí eis que o ex-ministro da fazenda e economista Maílson da Nóbrega publicou na sua coluna quinzenal na revista Veja esta pérola. Afirma Maílson:

“Daí o equivocado projeto de lei que aumenta os gastos em educação para 10% do PIB. Proporcionalmente, nossos gastos em educação equivalem à média dos países ricos. Passamos os Estados Unidos (5,5% do PIB), investimos mais do que o Japão, a China e a Coreia do Sul, todos abaixo de 5% do PIB”.

O “equivocado projeto de lei” a que o economista se refere é o Plano Nacional de Educação 2011-2020, discutido exaustivamente em todas as instâncias possíveis, com a participação de especialistas e da sociedade civil. Conheça o PNE aqui. O projeto estabelece 20 metas principais que deveriam ser alcançadas até 2020. Entre elas, a destinação de 10% do PIB para a educação pública e também “Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos” e “oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica”, para citar só duas.

Ao afirmar que nosso problema não é falta de dinheiro, Maílson esquece dois dados fundamentais: o professor brasileiro é um dos mais mal pagos do mundo e o investimento médio por aluno está entre os piores dos países da OCDE.

Vejamos:

Professores brasileiros em escolas de ensino fundamental têm um dos piores salários de sua categoria em todo o mundo e recebem uma renda abaixo do Produto Interno Bruto (PIB) per capita nacional. É o que mostram levantamentos realizados por economistas, por agências da ONU, Banco Mundial e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em um estudo realizado pelo banco UBS em 2011, economistas constataram que um professor do ensino fundamental em São Paulo ganha, em média, US$ 10,6 mil por ano. O valor é apenas 10% do que ganha um professor nesta mesma fase na Suíça, onde o salário médio dessa categoria em Zurique seria de US$ 104,6 mil por ano.

Em uma lista de 73 cidades, apenas 17 registraram salários inferiores aos de São Paulo, entre elas Nairobi, Lima, Mumbai e Cairo. Em praticamente toda a Europa, nos Estados Unidos e no Japão, os salários são pelo menos cinco vezes superiores ao de um professor do ensino fundamental em São Paulo. (FONTE)

Talvez por isso – surpresa! – os professores da educação básica tem abandonado cada vez mais o ofício para se dedicar a outras tarefas, como mostra essa ótima matéria especial da Revista Educação.

Sobre o custo aluno:

Mesmo sendo um dos países que mais aumentaram os gastos com educação entre os anos 2000 e 2009, o Brasil ainda não investe o recomendado do PIB (Produto Interno Bruto) em educação e está longe de aplicar o valor anual por aluno indicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com base na média dos países membros. Os dados fazem parte do relatório sobre educação divulgado pelo órgão.

Os gastos por aluno na educação primária e secundária cresceram 149% entre 2005 e 2009, mas o Brasil ainda está entre os cinco países que menos investem por aluno, entre os avaliados pela OCDE.

INVESTIMENTOS FINANCEIROS EM EDUCAÇÃO – GASTO ANUAL POR ALUNO

Nível Brasil Média da OCDE Posição do Brasil no ranking
Ensino pré-primário USD 1,696 USD 6,670 3º pior colocado de 34 países
Ensino primário USD 2,405 USD 7,719 4º pior colocado de 35 países
Ensino secundário USD 2,235 USD 9,312 3º pior colocado de 37 países

(FONTE)

Sobre a destinação das receitas dos royalties do petróleo para a educação, Maílson afirma que é um “duplo equívoco”, porque: 1) o problema não é da insuficiência de recursos, como vimos (rs) 2) não é correto financiar políticas públicas permanentes com recursos finitos e voláteis.

 

É verdade. Faz sentido. A destinação dos royalties do petróleo para áreas específicas é um imbróglio que está em pleno debate político há algum tempo, já passou por vetos da presidenta Dilma, discussões acaloradas na Câmara e agora enfrenta grande resistência do governo no Senado, por apoiar a proposta do senador José Pimentel, que alterou muita coisa da proposta original da Câmara, que é defendida por todas as entidades da educação e contou com acirrado debate em comissões especiais.

 

Cabe lembrar que, mesmo que o projeto da Câmara seja aprovado, esse “recurso extra” acrescentaria aproximadamente 1% do PIB nas verbas para a educação, ainda longe dos 10% requeridos. Entenda.

 

Por fim, o ponto principal de Maílson é melhorar a qualidade da gestão dos recursos para a educação. Ponto pacífico em que ninguém é capaz de discordar. Melhorar a gestão dos recursos públicos num todo, com melhor controle dos gastos e ações pontuais de melhorias estruturais do processo todo é algo que o governo vem buscando. Ainda que, claro, de maneira tímida ou um tanto “lenta”. É sempre lento para quem está de fora.

 

Carimbar os recursos dos royalties é um pequeno passo nesse sentido. Já que, até hoje, esse dinheiro tem sido praticamente desperdiçado, como mostra esse estudo.  É preciso muito cuidado ao usar números de maneira leviana para defender uma tese falaciosa. Isso vale não só para Maílson mas para grande parte da cobertura que a mídia faz, seja para a educação, seja em outros assuntos. Evite construir teses que podem ser desmanchadas em 1 minuto.

 

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O que importa na educação

“O mais interessante é a exatidão do título. O tema fundamental dos Discursos era a educação. O “mundo novo” donde viria a salvação para a nação alemã, devia nascer pela transformação absoluta do sistema de educação até então em vigor.

“Tudo perdemos, diz Fichte, mas resta-nos a educação.”

Educação nova que – segundo a linha geral da filosofia idealista de Fichte – desprenderá a “Idéia”, verdadeira realidade, “terra prometida humanidade”; assegurará, pela clareza do entendimento, a pureza da vontade; expulsará o egoísmo, fonte de todas as desgraças da Alemanha. Porque a antiga educação é, segundo Fichte, totalmente desclassificada. Apela exclusivamente para a memória: pode povoa-la de certas palavras, de certas locuções, pode impregnar a imaginação fria e insensível com algumas imagens vagas e pálidas, mas nunca alcançou pintar a ordem moral do mundo com suficiente calor, a fim de despertar nos alunos o amor ardente, a nostalgia da ordem moral, a emoção profunda perante a qual desaparece o egoísmo, como folhas secas ao sopro do vento. Por conseguinte, essa educação jamais penetrou até a raiz real da vida psíquica e física. E tal raiz, negligenciada…, desenvolveu-se ao acaso.

A educação antiga só guiou a criança pela esperança ou pelo receio de resultados materiais. Numa palavra, nunca foi, nem podia ser, “a arte de formar homens’. Em especial porque só era concedia a uma ínfima minoria, por isso mesmo chamada de classes cultas.

A educação nova, ao contrário, dirigir-se-á à grande maioria, ao povo. Educação não “popular”, mas “nacional”.

Será a arte de formar homens, Penetrará até a raiz real da vida psíquica e física. Fará da cultura não um bem qualquer, exterior ao homem, mas um elemento constitutivo do próprio homem. Desenvolverá verdadeiramente no aluno a atividade do espírito criador, ao mesmo tempo que as aptidões corporais e a destreza para os trabalhos manuais. Nele criará uma vontade em que se poderá ter a mais tranqüila confiança: ele se comprazerá na verdade e no bem, considerados em si mesmos. Dar-lhe-á o verdadeiro sentido religioso, ensinando-a a “considerar e respeitar sua própria vida, e qualquer outra vida espiritual , como um eterno anel na cadeia da revelação da vida divina”. E todas estas noções, religiosas, morais, intelectuais, longe de permaneceram “frias e mortas”, haverão de achar, a cada instante, sua expressão na vida real do aluno. Cada um dos seus conhecimentos se tornará vivo, desde que a vida o “requeira”.

Tais resultados, porém, exigem certas condições. A mais necessária é a de que as crianças formem uma comunidade á parte, autônoma, sem contato com a sociedade dos adultos corrompidos pelo egoísmo. Seus mestres, bem entendido, vivem com elas, mas os pais são cuidadosamente separados. Os dois sexos são educados em conjunto. É no seio dessa comunidade reduzida e ciosamente isolada que as crianças podem transformar-se me homens, nos quais se gravará automaticamente a imagem da ordem social comunitária.

Quem, pois, senão o Estado, pode por em prática tal novo plano de educação “ativa”!? O Estado, porque os pais resistirão e será preciso exercer certa violência, ao menos para educar a primeira geração: depois, tendo a nova educação produzido os seus primeiros frutos, não mais haverá resistência. O Estado, porque se precisará de imensos recursos para enfrentar imensas despesas. Mas pode existir mais vantajosos investimento? O Estado lucrará gerações formadas no amor da coletividade, no labor, na disciplina moral; recuperará suas despesas iniciais “ao cêntuplo”.

Trecho do livro “Discursos a Nação Alemã”, publicado em 1808 pelo filósofo Johann Gottlieb Fichte. O trecho acima foi retirado de ““As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a Nossos Dias” de Jean-Jacques Chevallier, daí os comentários iniciais.

Fora a duvidosa noção de “moral”, “ética”, a religião e alguns objetivos “pouco nobres”, digamos, que cerca o livro de Fichte, impregnado de xenofobia e outras coisas no mínimo passíveis de discussão, a ideia central dessa passagem de Fichte sempre me perturbou. Desde 2004, quando a li pela primeira vez. Sua ideia central parece-me o que realmente importa na educação.

Escrevi um artigo inflamado em 2005 (e que recomendo com algumas ressalvas) sobre  o tema, aqui.

No entanto, 200 anos depois que o livro de Fichte foi publicado, analisando a proposta básica do alemão, como o Brasil está?

“Arcaico” é um termo que não define com precisão a barbárie (mental, física, psíquica, humana) das nossas escolas. Parte do caminho para mudar isto está nessa passagem do filósofo, sempre (e infelizmente) atual.

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