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O que importa na educação

“O mais interessante é a exatidão do título. O tema fundamental dos Discursos era a educação. O “mundo novo” donde viria a salvação para a nação alemã, devia nascer pela transformação absoluta do sistema de educação até então em vigor.

“Tudo perdemos, diz Fichte, mas resta-nos a educação.”

Educação nova que – segundo a linha geral da filosofia idealista de Fichte – desprenderá a “Idéia”, verdadeira realidade, “terra prometida humanidade”; assegurará, pela clareza do entendimento, a pureza da vontade; expulsará o egoísmo, fonte de todas as desgraças da Alemanha. Porque a antiga educação é, segundo Fichte, totalmente desclassificada. Apela exclusivamente para a memória: pode povoa-la de certas palavras, de certas locuções, pode impregnar a imaginação fria e insensível com algumas imagens vagas e pálidas, mas nunca alcançou pintar a ordem moral do mundo com suficiente calor, a fim de despertar nos alunos o amor ardente, a nostalgia da ordem moral, a emoção profunda perante a qual desaparece o egoísmo, como folhas secas ao sopro do vento. Por conseguinte, essa educação jamais penetrou até a raiz real da vida psíquica e física. E tal raiz, negligenciada…, desenvolveu-se ao acaso.

A educação antiga só guiou a criança pela esperança ou pelo receio de resultados materiais. Numa palavra, nunca foi, nem podia ser, “a arte de formar homens’. Em especial porque só era concedia a uma ínfima minoria, por isso mesmo chamada de classes cultas.

A educação nova, ao contrário, dirigir-se-á à grande maioria, ao povo. Educação não “popular”, mas “nacional”.

Será a arte de formar homens, Penetrará até a raiz real da vida psíquica e física. Fará da cultura não um bem qualquer, exterior ao homem, mas um elemento constitutivo do próprio homem. Desenvolverá verdadeiramente no aluno a atividade do espírito criador, ao mesmo tempo que as aptidões corporais e a destreza para os trabalhos manuais. Nele criará uma vontade em que se poderá ter a mais tranqüila confiança: ele se comprazerá na verdade e no bem, considerados em si mesmos. Dar-lhe-á o verdadeiro sentido religioso, ensinando-a a “considerar e respeitar sua própria vida, e qualquer outra vida espiritual , como um eterno anel na cadeia da revelação da vida divina”. E todas estas noções, religiosas, morais, intelectuais, longe de permaneceram “frias e mortas”, haverão de achar, a cada instante, sua expressão na vida real do aluno. Cada um dos seus conhecimentos se tornará vivo, desde que a vida o “requeira”.

Tais resultados, porém, exigem certas condições. A mais necessária é a de que as crianças formem uma comunidade á parte, autônoma, sem contato com a sociedade dos adultos corrompidos pelo egoísmo. Seus mestres, bem entendido, vivem com elas, mas os pais são cuidadosamente separados. Os dois sexos são educados em conjunto. É no seio dessa comunidade reduzida e ciosamente isolada que as crianças podem transformar-se me homens, nos quais se gravará automaticamente a imagem da ordem social comunitária.

Quem, pois, senão o Estado, pode por em prática tal novo plano de educação “ativa”!? O Estado, porque os pais resistirão e será preciso exercer certa violência, ao menos para educar a primeira geração: depois, tendo a nova educação produzido os seus primeiros frutos, não mais haverá resistência. O Estado, porque se precisará de imensos recursos para enfrentar imensas despesas. Mas pode existir mais vantajosos investimento? O Estado lucrará gerações formadas no amor da coletividade, no labor, na disciplina moral; recuperará suas despesas iniciais “ao cêntuplo”.

Trecho do livro “Discursos a Nação Alemã”, publicado em 1808 pelo filósofo Johann Gottlieb Fichte. O trecho acima foi retirado de ““As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a Nossos Dias” de Jean-Jacques Chevallier, daí os comentários iniciais.

Fora a duvidosa noção de “moral”, “ética”, a religião e alguns objetivos “pouco nobres”, digamos, que cerca o livro de Fichte, impregnado de xenofobia e outras coisas no mínimo passíveis de discussão, a ideia central dessa passagem de Fichte sempre me perturbou. Desde 2004, quando a li pela primeira vez. Sua ideia central parece-me o que realmente importa na educação.

Escrevi um artigo inflamado em 2005 (e que recomendo com algumas ressalvas) sobre  o tema, aqui.

No entanto, 200 anos depois que o livro de Fichte foi publicado, analisando a proposta básica do alemão, como o Brasil está?

“Arcaico” é um termo que não define com precisão a barbárie (mental, física, psíquica, humana) das nossas escolas. Parte do caminho para mudar isto está nessa passagem do filósofo, sempre (e infelizmente) atual.

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