Política & Economia

A encruzilhada da direita

As eleições 2010 serviram para algo fundamental além do óbvio: revelaram, no segundo turno, contra quem mesmo é que precisamos lutar. Mostraram, novamente, o que a direita representa. Como brilhantemente lembrou Pedro Alexandre Sanches: desafiamos a TFP – Tradição, Família & Propriedade – herdeira direta do colonialismo. Desafiamos a misoginia, a família nuclear, a influência da religião na vida política, o racismo, a xenofobia, a demonização dos movimentos sociais, o imperialismo protagonizado pelo Brasil na América Latina (e olhar de preconceito esdruxúlo de Serra contra bolivianos e venezuelanos, por exemplo). Vencemos a grande mídia, o coronelismo. Vencemos o jogo sujo de mentiras, distorções, milhões de panfletos e mails apócrifos,  de terrorismo eleitoral instaurado pelo PSDB/DEM.

Nos livramos de tudo que eles representam. E esses grupos de extrema-direita, essa corja barata da “tradição, família e moral” só aparecem porque a direita, coitada, está perdida, cambaleante, sem um plano de governo, sem propostas capazes de se diferenciar. Nesta situação, precisa da “ajuda” total de seus velhos fantasmas e companheiros. O esvaziamento pragmático da direita é uma vitória do PT. Ao abandonar “traços radicais” e assumir boa parte da agenda econômica do neo-liberalismo, fazendo um trabalho infinitamente melhor dentro disso do que o governo FHC (os fatos estão aqui e aqui, refute), Lula destruiu com o pouco que sobrava da direita, deixando-os reféns de seus próprios monstros, com todos eles vindo a tona, como a eleição acaba de mostrar.

Neste cenário, restou para a direita o terrorismo de campanha e o desespero de medidas populistas sem qualquer explicação na realidade: o salário mínimo de R$ 600 automático, a promessa de dobrar o bolsa família e 15% de aumento para os aposentados. Foi no mínimo irônico, paradoxal e tragicômico ver as bravatas e propagandas de Serra prometendo insistentemente coisas como essas, medidas e comportamento atacados tão frontalmente pela direita em termos históricos.

A encruzilhada em que se encontram é essa: derrotados nas três últimas eleições presidenciais, com suas bases atacadas e consolidadas (privatizações, etc), a base do seu programa – que está muito, muito longe de ser “seu”, afinal de contas, já que o neo-liberalismo e etc obviamente não foram “inventados” pelo PSDB – implantada pelo PT com muito mais sucesso. Suas duas principais lideranças políticas paulistas – Serra e Alckmin – tomaram 3 surras nos últimos 12 anos. FHC, rejeitado pelo povo em todas as instâncias, passa seus dias a murmurar resmungos entre Higienópolis e a Europa. Resta Aécio Neves. A raposa imprevisível. O único nome da direita capaz de fazer frente ao governo em 2014.

Aécio tem trunfos: o fator Tancredo Neves, os 8 anos de governo em Minas, segundo maior colégio eleitoral, com maciça aprovação, a menor rejeição que seu nome tem em São Paulo comparado a Serra e Alckmin, a capacidade de transmitir um conceito de “centro”, dado ao “morde e assopra”, a fazer oposição “generosa e firme”. Se aproximando de Lula e batendo de leve quando achava que tinha de bater. A velha malícia mineira.

Neves acaba de dar entrevista para a Folha defendendo uma “refundação do PSDB”. Quer que o partido “assuma o seu passado sem vergonha, realce a importância que as privatizações tiveram para o país, defina com larga antecedência um plano de governo”. O que posso dizer é: boa sorte com isso. Aécio será, disparado, o principal nome da oposição no governo Dilma. Aparecerá muito na mídia, que “o adora”. Preparando o terreno para 2014. Aécio pode ainda, dada sua forte relação com líderes importantes do PSB – a terceira força do governo atual, com 8 governadores, etc – cooptar o PSB para o lado do PSDB, criando uma coligação mais forte contra PT/PMDB.

O tom desse “plano de governo”, da oposição e de 2014 será dado, naturalmente, pelo andar do governo de Dilma. Ao que tudo indica, implacavelmente atacado pela mídia. Algo que o PT – mas principalmente Lula – aprenderam a superar. A sede em voltar ao poder é tamanha que os piores instintos da direita acabam revelados, como dito. No fim, isso é bom para o país, para a democracia, para o povo.

Veremos como conseguem controlar seu indisfarçável ódio e saem da encruzilhada com maior ou menor dano. Perdemos a direita pensante, ganhamos uma manada de cães raivosos. Aécio é o meio termo que, no entanto, não resiste a um olhar atento.

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O jeito Aécio de governar

Pra quem esteve fora de Minas nos últimos 8 anos talvez seja difícil – ou quase impossível – analisar os dois mandatos do governo Aécio Neves. Depois de 2 governos desastrados como o de Eduardo Azeredo e Itamar Franco, o que viesse teria grandes chances de “ser melhor”.

Mas Aécio, que não é bobo nem nada, como se diz por aqui, tratou de alardear o “choque de gestão” e fez milionários investimentos em publicidade, usada inclusive para incutir mentiras na população (como o “aumento” de 25% para os professores que na verdade não passou da incorporação no salário de um bônus já existente, gerando ganho real de 0%). E, no início dos 2 governos, Aécio “resolveu” governar por “leis delegadas”. Ou seja, aproveitando a imensa maioria na Câmara Legislativa – onde a oposição representa menos de 1/3 – conseguiu carta branca para implantar projetos e reformas sem a necessidade de passar pelo crivo, análise e votos dos deputados.

Aécio é o recordista do uso de leis delegadas em Minas Gerais desde 1985: foram 130 leis. Se isso não é arbitrário, anti-democrático e autoritário, não sei o que é. Eis aí um exemplo legítimo de abuso de poder e mecanismo usado contra a democracia. Algo que a mídia gosta de impingir ao PT. Mas será que – em especial – a mídia mineira, falará algo sobre isso? Impossível. Aécio cooptou todos os principais veículos de comunicação de Minas nestes 8 anos de governo, através dos quais não recebeu nenhuma crítica, questionamento, investigação. E os jornalistas-operários dessa mídia que ousaram escorregar foram sumariamente demitidos. É algo sabido há muito por todo o círculo midiático de Minas Gerais. Nunca foi escondido. Se isso não é uma espécie de máfia e censura – por outros meios – não sei o que é, novamente. Eis o quadro completo de abuso que a mídia tenta colocar no PT e não encontra.

Antônio Anastasia, cria legítima de Aécio, seu braço direito e esquerdo, responsável pelo “Choque de Gestão” e ventríloquo-mor do patrão, “naturalmente” pretende começar a governar da mesma forma que Aécio: através de leis delegadas. Para Anastasia: “a administração pública, por sua natureza, é sempre dinâmica e precisa sempre de um processo de sintonia fina, de ajustes, em razão de novas demandas que surgem, de novos temas que ficam mais necessários, de outros que já foram atingidos. Agora vamos iniciar um terceiro ciclo, que, na realidade, é o desdobramento desses dois, como está no nosso plano de governo”

A oposição na Assembléia mineira atualmente conta com pouco mais de 20 deputados entre 77. Na prática, Anastasia vai continuar fazendo o que seu mestre ensinou: governar do jeito que bem entender, com total subserviência política, da mídia e, por extensão, da população. Que não tem oposição nem na Assembleia, por própria culpa, nem na mídia, cooptada integralmente. O povo de Minas Gerais é o último elo nesta cadeia. Enfraquecido, ignorado, que vê levado até ele estritamente o que o governador e seus asseclas quer que chegue.

Sobre o malfadado “choque de gestão”, seus “benefícios”, ter “zerado o déficit do estado”, a verdade é bem diferente. Reproduzo trecho de notícia do jornal Valor Econômico de 10 de novembro de 2010:

“A situação é mais difícil para os Estados que possuem as dívidas mais altas. A maior é a de São Paulo, cujo estoque passou de R$ 118,4 bilhões em 2006 para R$ 142,1 bilhões em 2010 e relação dívida/receita corrente líquida de 1,46%. Na sequência está Minas Gerais, cuja dívida passou, sob essa mesma base de comparação, de R$ 41,7 bilhões para R$ 54,2 bilhões com relação dívida/receita de 1,71%.

Este é o jeito Aécio Neves – e tucano, como visto – de governar. Com mentiras, abusos de poder, artimanhas, controle da mídia, propaganda enganosa, etc. Algo a ser lembrado desde agora, vide as eleições de 2014, com Neves provável candidato a presidente. Afiar a memória todo o tempo, na política, é mais que necessário, é fundamental. E no caso de uma mídia corrompida, é a única maneira que temos de fazer oposição: os próprios esforços.

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