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Noam Chomsky – Acerca do pós-modernismo, teorias, modas

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Noam Chomsky é um dos maiores intelectuais do último (e deste) século. No texto abaixo – que li há alguns anos e me tocou de imediato – Chomsky desmascara boa parte da prosa “hermética” e inútil do “pós-modernismo”. Coloca em xeque muitas teorias, adorações, práticas e discussões que muitas vezes carecem de total sentido e são incapazes de servir para algo. Derrida, Foucault e cia, com quem o próprio Chomsky travou um longo embate, são criticados com competência e domínio. Não só a empolação dos intelectuais franceses e suas “teorias” fundadas no puro floreio desnecessário de fatos históricos que outros fizeram antes, melhor e de modo mais claro, como a própria e deliberada alienação dos ditos intelectuais de esquerda dos problemas práticos e das arenas populares. A lucidez de Chosmky é um alívio.

Acerca do pós-modernismo, teoria, modas, etc.

Alguns trechos selecionados:

  • Devemos voltar-nos para teoria, filosofia, construções teóricas e similares para remediar esta deficiência nos nossos esforços para compreender e abordar o que acontece no mundo. Não quero falar por Mike. A minha resposta até agora tem sobretudo consistido em reiterar algo que escrevi há 35 anos, muito antes do pós-modernismo ter irrompido na cultura literária e intelectual: se há um corpo de teorias, bem testadas e verificadas, que se aplicam à condução dos assuntos externos ou à resolução de conflitos domésticos e internacionais, a sua existência tem sido um segredo bem guardado, apesar de muita pose pseudocientífica.
  • O que mudou no ínterim, tanto quanto julgo saber, foi uma imensa explosão de auto-elogio e elogios mútuos entre aqueles que propõem o que chamam teoria e filosofia, mas pouco que eu possa detectar além de uma pose pseudocientífica. Esse pouco é, como escrevi, algumas vezes bastante interessante, mas sem conseqüências para os problemas do mundo real que ocupam o meu tempo e energias.
  • Os proponentes da teoria e filosofia têm uma tarefa muito fácil se quiserem estabelecer o seu ponto de vista. Façam-me simplesmente conhecer o que era e continua a ser um segredo para mim: terei todo o gosto em ver. Perguntei muitas vezes antes e ainda espero uma resposta que deveria ser fácil dar: dêem simplesmente alguns exemplos de um corpo de teorias, bem testadas e verificadas, que se aplique aos gêneros de problemas e assuntos em que Mike, eu, e muitos outros de fato, a maior parte da população mundial que, julgo, está fora dos limitados e, notavelmente, autocontrolados círculos intelectuaisestão ou deveriam estar interessados: os problemas e assuntos de que falamos e escrevemos, por exemplo, e outros semelhantes.
  • Mais uma vez, estas são exigências simples. Fi-las antes e continuo no meu estado de ignorância. Tirei igualmente algumas conclusões disso.
  • Mas em vez de tentarem fornecer uma resposta a estas exigências simples, a resposta consiste em gritos de cólera: levantar estas questões mostra elitismo antiintelectualismo e outros crimes – embora aparentemente não seja elitista pertencer a sociedades de auto-elogio e elogios mútuos de intelectuais que falam apenas uns para os outros etanto quanto seinão entram no gênero de mundo em que prefiro viver.
  • É possível que esteja simplesmente a não conseguir ver algo, ou que me falte a capacidade intelectual para compreender as profundidades que foram desenterradas nos últimos 20 anos pelos intelectuais de Paris e pelos seus seguidores. Tenho o espírito completamente aberto, e tive-o durante anos, quando acusações similares me foram feitas – mas sem responderem às minhas questões. Uma vez mais, são questões simples e, se existe uma resposta, deveriam ser fáceis de responder. Se não estou a ver algo, então mostrem-me o que é em termos que possa compreender. Claro que se está para além da minha compreensão, o que é possível, sou uma causa perdida e serei obrigado a dedicar-me a coisas que pareço ser capaz de compreender, e a associar-me com o gênero de pessoas que também parecem por elas interessar-se e compreendê-laso que me deixa muito feliz fazer, uma vez que não tenho nenhum interesse, agora e sempre, nos sectores da cultura intelectual que se ocupam destas coisas.
  • Uma vez que ninguém conseguiu mostrar-me o que não estou a ver, resta-nos a segunda opção: sou incapaz de compreender. Desejo certamente admitir que isso pode ser verdade, embora receie que terei de manter alguma suspeita, por razões que parecem boas. Há muitas coisas que não compreendo – digamos, os últimos debates sobre se os neutrinos têm massa ou a forma como o último teorema de Fermat foi aparentementedemonstrado, recentemente. Mas em 50 anos neste jogo, aprendi duas coisas: 1) posso pedir a amigos que trabalham nestas áreas que mo expliquem a um nível que possa compreender, e eles podem fazê-lo sem grandes dificuldades; 2) se estou interessado, posso tratar de aprender mais de modo a vir a compreendê-lo. Ora, Derrida, Lacan, Lyotard, Kristeva, etc. – mesmo Foucault, que conheci e de quem gostei, e que de algum modo é diferente do resto – escrevem coisas que não só não compreendo, mas a que 1) e 2) não se aplicam… ninguém que diga que compreende pode explicar-mo e não tenho uma indicação de como proceder para vencer as minhas incapacidades. Isso deixa uma de duas possibilidades… a) ocorreu algum novo avanço na vida intelectual, talvez alguma mutação genética súbita, que criou uma forma de teoria que está para além da teoria quântica, topologia, etc., em profundeza e profundidade; ou b) … não o direi.
  • Peguemos então em Derrida, que é um dos gurus. Penso que devo pelo menos ser capaz de compreender a sua Gramatologia pelo que tentei lê-la. Deveria poder perceber parte dela – por exemplo, a análise crítica dos textos clássicos que conheço muito bem e sobre os quais escrevi durante anos. Achei a proficiência acadêmica aterradora, baseada numa patética leitura errada; e os argumentos, tal como estavam, eram incapazes de se aproximarem do gênero de padrões a que estou acostumado praticamente desde a infância. É possível que não tenha visto algo: pode ser; mas a suspeita mantém-se, como já notei. Uma vez mais, peço desculpa por fazer comentários que não demonstro, mas fizeram-me perguntas, e por isso estou a responder.
  • Encontrei-me com algumas das pessoas destes cultos que é o que me parecem: Foucaulttivemos mesmo uma discussão de várias horas, que está publicada, e passamos umas quantas horas numa conversa muito agradável, sobre temas reais usando uma linguagem perfeitamente compreensível – ele em francês, eu em inglês; Lacan com quem me encontrei várias vezes e considerei um charlatão divertido e perfeitamente consciente charlatão, embora os seus primeiros trabalhos, pré-culto, fossem inteligentes e os tivesse discutido em textos publicados; Kristeva com quem me encontrei apenas brevemente durante o período em que ela era uma ardente maoísta; e outros. Não encontrei muitos deles porque estou bastante afastado destes círculos, por minha escolha, preferindo círculos bastante diferentes e bastante mais amplos – o gênero onde dou palestras, sou entrevistado, tomo parte em atividades, escrevo dezenas de longas cartas todas as semanas, etc. Mergulhei no que escrevem por curiosidade, mas não fui muito longe, pelas razões já mencionadas: o que encontro é extremamente pretensioso, mas quando examinado, uma boa parte é simplesmente iletrado, baseado numa extraordinária leitura errada de textos que conheço bemalgumas vezes textos que eu escrevi argumentos que são aterradores na sua casual falta de elementar autocrítica, muitas afirmações triviaisembora revestidas de uma verborréia complicadaou falsas; e uma boa quantidade de evidente algaraviada. Quando procedo como faço noutras áreas que não compreendo, caio nos problemas mencionados em ligação com 1) e 2) acima. Eis então a quem me refiro e por que razão não vou muito longe. Se não for óbvio posso indicar mais uns quantos nomes.
  • (Essas formulações) E não tem o mesmo impacto (que artigos em jornais de grande circulação e outros meios), uma vez que se dirige apenas a outros intelectuais nos mesmos círculos. Além disso, que eu conheça não há qualquer esforço para torná-lo inteligível às grandes massas da população – digamos, para as pessoas para quem falo constantemente, com quem me encontro, para quem escrevo cartas, que tenho em mente quando escrevo, e que parecem entender o que digo sem qualquer dificuldade particular, embora geralmente pareçam ter as mesmas incapacidades cognitivas que eu tenho quando enfrentam os cultos pós-modernos. E também não conheço nenhum esforço para mostrar como se aplica a algo no mundo no sentido que mencionei anteriormente: estabelecendo conclusões que não fossem já óbvias. Uma vez que não estou muito interessado no modo como os intelectuais inflacionam as suas reputações, ganham privilégios e prestígio, e se libertam da participação efetiva na luta popular, não gasto nenhum tempo com isso.
  • Trabalhei de forma razoavelmente extensa nalgumas destas áreas, e sei que a proficiência acadêmica de Foucault não é aqui exatamente fidedigna, pelo que não confio nela, sem uma investigação independente, nas áreas que não conheço – isto foi vagamente abordado na discussão de 1972 que está publicada. Penso que há trabalhos acadêmicos muito melhores sobre o século XVII e XVIII e uso-os na minha investigação. Mas ponhamos de lado o outro trabalho histórico, e voltemo-nos para as construções teóricas e as explicações: que houve uma grande mudança de mecanismos cruéis de repressão para mecanismos mais subtis pelos quais as pessoas acabam por fazer, mesmo entusiasticamente, o que os poderosos querem. De fato, isso é mais que verdade: é um completo truísmo. Se é uma teoria, então todas as minhas críticas estão erradas: também tenho uma teoria, uma vez que andei a dizer exatamente isso durante anos, dando também as razões e o background histórico, mas sem a descrever como uma teoria porque não merece tal designação sem retórica ofuscante porque é tão triviale sem pretender que é nova porque é um truísmo. Reconheceu-se durante muito tempo que à medida que o poder para dominar e coagir ia declinando, era cada vez mais necessário recorrer ao que os praticantes na indústria de relações públicas do princípio do século – que perceberam tudo isto muito bem – chamaram dominar a mente pública. Como Hume observou no século XVIII, as razões são que a submissão implícita com que os homens renunciam aos seus sentimentos e paixões pelos dos seus governantes depende em última instância do domínio das opiniões e atitudes. Por que razão é que este truísmo deveria subitamente tornar-se uma teoria ou filosofia, terão outros de explicar; Hume ter-se-ia rido.
  • O meu problema é que as intuições parecem-me familiares e não existem quaisquer construções teóricas, exceto que idéias simples e familiares foram revestidas com uma retórica complicada e pretensiosa.
  • Há coisas mais importantes a fazer, na minha opinião, do que investigar as peculiaridades das elites intelectuais empenhadas em diversos modos de promoção da carreira e outras ocupações nos seus limitados e pelo menos para mimdesinteressantes círculos.
  • Verifiquei repetidas vezes que quando a audiência é mais pobre e tem menos formação, posso omitir boa parte das questões de background e de estrutura de referência porque são já óbvias e aceites por todos, e posso avançar para questões que nos interessam a todos. Com audiências com mais formação, isto é muito mais difícil; é necessário deslindar montes de construções ideológicas.
  • É certamente verdade que muitas pessoas não podem ler os livros que escrevo. Mas isso não é porque as idéias ou a linguagem sejam complicadas – não temos quaisquer problemas na discussão informal, até com as mesmas palavras, de exatamente dos mesmos pontos. As razões são diferentes, talvez parcialmente por causa do meu estilo de escrita, parcialmente em resultado da necessidade que eu sinto, pelo menosde apresentar documentação consideravelmente abundante, o que torna a leitura penosa.
  • Tem havido uma notável mudança no comportamento da classe intelectual nos últimos anos. Os intelectuais de esquerda, que há 60 anos teriam estado a ensinar nas escolas das classes trabalhadoras, a escrever livros como matemática para milhões que tornam a matemática inteligível a milhões de pessoas a participar e a falar em organizações populares, etc., estão hoje completamente afastados dessas atividades, e embora lestos a dizerem-nos que são muito mais radicais do que nós, não se encontram disponíveis, ao que parece, quando há uma necessidade óbvia e crescente e até uma procura explícita do trabalho que poderiam fazer no mundo das pessoas com problemas e preocupações reais. Isto não é um problema pequeno. Na minha opinião, isto tem implicações sinistras.
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Filmes

Waking Life

Waking Life – 2001 – Richard Linklater – *****

Waking Life, filosófico por excelência, é um estudo de Linklater sobre questões essenciais da vida humana reunida em esquetes direta ou indiretamente interligadas que funcionam perfeitamente bem na proposta de questionar e convidar o espectador à reflexão na sua “linearidade não-linear”. Excelente.

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Listas/Citações

Um pouco de Cioran

Emil Cioran é um dos pensadores mais idiossincráticos – e divertidos – de nosso tempo. Em proporção, talvez eu discorde de 60% do que ele fala e ache os outros 40 geniais. Ele próprio, contudo, não deveria concordar com o que dizia: a coerência em Cioran é uma contradição. Por mais que negue, o romeno preza pelo estilo, pela acidez, o resto é resultado de observações amargas e curiosas da vida, mas sempre com a preocupação de dizer algo. Ele sabe rir de si mesmo…predicado mais do que fundamental para qualquer ser humano saudável: tenha medo de quem não consegue rir de si próprio.

Um pouco do rapaz em “Silogismos da Amargura”:

Sin nuestras dudas sobre nosotros mismos, nuestro escepticismo sería letra muerta, inquietud convencional, doctrina filosófica.

*

No queremos seguir soportando el peso de las “verdades”, continuar siendo sus víctimas o sus cómplices. Sueño con un mundo en el que se muriera por una coma.

*

La historia de las ideas es la historia del rencor de los solitarios.

*

Es fácil ser “profundo”: no hay más que dejarse invadir por las propias taras.

(…)

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