Jornalismo

Grupo Abril: menos jornalismo, mais educação

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2013, um ano cruel para o jornalismo. Não lembro, nos anos recentes, de tantos cortes nas redações com essa expressividade e esse alcance, apelidados carinhosamente pela classe de “passaralho”, fechamento de veículos, etc. É a tal “crise”, a eterna crise, tá sempre ruim pra quem tá lá em cima. É o tal “fim do jornalismo”, morte anunciada, blá blá blá. Para além do apocalipse e das profecias de boteco, já que a questão é muito mais séria, complexa e ampla do que se costuma discutir, vamos focar no Grupo Abril.

Com a morte de Roberto Civita, a faca tá entrando pesada. Semana passada, o grupo anunciou o fim das revistas Bravo!, Alfa, Gloss e Lola, o fim do portal Abril.com, além de demissões nas revistas Quatro Rodas, Viagem & Turismo, Placar, Men’s Health e Veja. No total, aproximadamente 150 funcionários foram demitidos e uma série de mudanças nas equipes de jornalismo, publicidade, marketing e etc foram realizadas. Leia o comunicado oficial.

O mais óbvio é que a Abril perdeu o bonde do online, não soube usar seu imenso valor agregado das publicações impressas e a qualidade dos seus profissionais para oferecer conteúdo exclusivo, relevante (e que fosse rentável) na plataforma digital e por aí afora. Não é surpresa. Poucos grupos do gênero conseguem.

Outro fator explica: a queda de 65% no lucro registrada em 2012.

O resultado representa uma queda de 65,5% em relação ao lucro líquido de 2011, que alcançou R$ 185,88 milhões.

Pesaram no resultado tanto a receita, que caiu de R$ 3,15 bilhões para R$ 2,98 bilhões, como o custo da operação, que aumentou de R$ 1,45 bilhão para R$ 1,58 bilhão.

Enquanto isso, um outro braço da operação, a Abril Educação, teve resultado totalmente oposto, atente:

A Abril Educação encerrou o último trimestre com lucro líquido de R$ 66,9 milhões, o que representa uma alta de 16% quando comparado ao mesmo período de 2011.  Já no acumulado do ano, o lucro líquido mais que dobrou atingindo R$ 100,1 milhões.

A receita líquida da companhia aumentou 8%, atingindo R$ 394,2 milhões no quarto trimestre.

O Ebtida cresceu 20% para R$ 148,6 milhões no período. A margem Ebitda ficou em 38%, quatro pontos percentuais acima do registrado em 2011.

Em julho de 2013, a Abril Educação comprou o grupo Motivo, do Recife, por R$ 100 milhões.

De um modo bem torto e por uma confluência de fatores, a Abril descobriu que a educação é muito mais rentável que o jornalismo.

Colegas se apressam em decretar “o fim da Abril” e esquecem que o poderio dos grandes grupos de comunicação é muito amplo para simplesmente virar pó. No mundo todo, o que se faz é cortar gastos, enxugar veículos, buscar novas fontes de financiamento, apostar numa comunicação multiplataforma. Como funciona no capitalismo em geral, quem irá sobreviver é quem conseguir gerenciar melhor estas questões.

 

Independente de quão precoce a mídia impressa migrou para o online, o sucesso está em entender que são suportes bem diferentes – o que levou um bom tempo para acontecer – e que, ainda que à fórceps, não basta apostar na “sinergia do arrocho”, sobrecarregando equipes inteiras que produzem conteúdo para todas as plataformas, erros comuns que vemos aos montes por aí.

 

A “morte da mídia impressa” é anunciada há pelo menos uns 10 anos. Ainda continuará de pé, e forte, e relevante. É muito mais provável que consigam se reinventar, porque tem poder financeiro para isso, do que chegarem ao fim. O online ainda vive bastante de repercutir a mídia tradicional. E, no momento, não há nenhum “fim” demasiadamente previsível, porque não se trata de apocalipse, de soluções fáceis e profecias falaciosas.
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Política & Economia

A tragédia japonesa transmutada em oportunidade

(Kyodo News/Associated Press – The Big Picture)

“O Japão é um país rico que pode se financiar a custos relativamente baixos no mercado externo. Num cenário positivo de recuperação, esse choque terrível pode fazer o país superar duas décadas de crescimento decepcionante.” (Mohamed El-Erian, presidente da gestora de investimentos Pimco, na edição 988 da revista Exame).

Não surpreende a afirmação de Mohamed: dentro da extensivamente conhecida lógica do capital, é isto mesmo. O terceiro pior terremoto da história, que atingiu 9 graus na escala Richter e até agora deixou 8.649 mortos e 13.261 desaparecidos, deverá cobrar também uma conta de até 235 bilhões de dólares na reconstrução do país, prevista para no mínimo 5 anos. 4% do PIB que parece “dinheiro de saquê” para a terceira maior economia do mundo, que até agora despejou mais de 330 bilhões de euros através do Banco do Japão para “evitar o pânico dos investidores”. O capitalismo vídeo-financeiro não pode sofrer, afinal.

A frieza dos números, a qual estamos tão acostumados, parece obliterar a capacidade de pensar e se envolver: um dos efeitos colaterais de um mundo obcecado com a capacidade técnica. Os mortos e desaparecidos são só dados a mais. Como sempre, após um período de grande depressão, é provável que a economia japonesa viva o maior “ciclo de crescimento” dos últimos 20 anos, como afirmou Mohamed. E isto, afinal, é bom. É o que o capital nos diz. É como ele trata a questão. O frisson do crescimento sob qualquer parâmetro é outro fetiche da nossa sociedade, lembrado aqui. Somos ensinados a acreditar que “crescer é sempre bom”, não importa o que esteja por trás disso. Ou seja: devemos ficar contentes pela recuperação japonesa. A tragédia, no fim, será boa para o país e o mundo. Certo?

Só outro caso flagrante do duplipensar orwelliano:

“Controle da realidade”, chamava-se. Ou, em Novilíngua, “duplipensar”. (..) Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da democracia e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, traze-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torna-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência e então tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar.”

É incrível como esse conceito de Orwell é tão presente e cabe para um sem número de situações. Tudo isso é algo que Marx, com todas suas falhas e lacunas, definiu precisamente quase 200 anos atrás. A essência do capitalismo, grosso modo, continua a mesma. Diz ele: “A burguesia não pode sobreviver sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com eles as relações de produção, e com eles todas as relações sociais. (…) Revolução ininterrupta da produção, contínua perturbação de todas as relações sociais, interminável incerteza e agitação, distinguem a era burguesa de todas as anteriores.”

Em 2005, no auge do sentimento inflamado dos meus 17 para 18 anos, escrevi este artigo traçando paralelos entre Marx, Berman, a democracia e o mundo moderno. No que agora vejo necessário completar com outra citação de Berman presente naquele texto. Necessário porque ela define com lucidez absoluta muito do que vivemos. A afirmação está presente no fundamental “Tudo Que É Sólido Desmancha no Ar – a aventura da modernidade”:

Nossas vidas são controladas por uma classe dominante de interesses bem definidos não só na mudança, mas na crise e no caos. “Ininterrupta perturbação, interminável incerteza e agitação”, em vez de subverter esta sociedade, resultam de fato no seu fortalecimento. Catástrofes são transformadas em lucrativas oportunidades para o redesenvolvimento e a renovação; a desintegração trabalha como força mobilizadora e, portanto, integradora. O único espectro que realmente amedronta a moderna classe dominante e que realmente põe em perigo o mundo criado por ela à sua imagem é aquilo por que as elites tradicionais (e, por extensão, as massas tradicionais) suspiravam: uma estabilidade sólida e prolongada. Neste mundo, estabilidade significa tão somente entropia, morte lenta, uma vez que nosso sentido de progresso e crescimento é o único meio que dispomos, para saber, com certeza, que estamos vivos. Dizer que nossa sociedade está caindo aos pedaços é apenas dizer que ela está viva e em forma.

É exatamente dentro disso que o pensamento de Mohamed se enquadra. A grande questão do capitalismo – e por isso ele é tão forte – é que se alimenta do seu próprio caos para sobreviver. É parte fundamental das suas engrenagens. Uma capacidade admirável, de astúcia infinita. Toda crise severa – como a mundial de 2008 – abalos menores (que acontecem frequentemente em economias diversas, como a grega e espanhola no momento), agitações políticas (Egito, Líbia, Costa do Marfim), movimentos populares (França em 2005-2007) e tragédias naturais como o terremoto do Chile em 2010 e agora o do Japão. Tudo isso é absorvido e transformado. É tratado como “oportunidade para o crescimento”.

Não há temor que ele não regurgite como esperança. Não há desafios e abalos políticos, econômicos, sociais e naturais que ele não coloque dentro da sua máquina de “mudança e desenvolvimento”. Uma má notícia: está ficando cada vez mais caro. O custo não só financeiro, mas “pessoal”, de postura e imaginário coletivo. A crise financeira de 2008 colocou subitamente os EUA como “Estados Unidos Socialistas da América”, com toda a sociedade pagando o prejuízo dos ricos, como afirmou Nouriel Roubini. As contradições e paradoxos são cada vez mais evidentes. A medida que a classe média avança e a educação melhora nos países “emergentes”, a população vai lentamente aprendendo a pensar.

Estamos à beira de um colapso energético, ambiental, com alimentos perto da escassez num futuro do próximo e várias outras questões que conhecemos bem. A ascensão de uma nova classe média em países como Brasil, China e Índia, almejando os níveis de consumo do mundo “desenvolvido”, coloca a própria “sustentabilidade” (risos)  do capitalismo em crise. Ao lentamente diminuir o abismo de desigualdade social, base central da sua existência, ele coloca em risco sua própria condição de “solução única para a sociedade”.

No melhor cenário possível, nosso vasto conhecimento científico e tecnológico, em constante ampliação, será capaz de gerar novas possibilidades de energia, padrões de consumo e soluções diversas otimizando todo o arcabouço arcaico que ainda vivemos. Mesmo que a demanda por aço, minério e petróleo, por exemplo, ainda vá crescer absurdamente com isso. É se equilibrando entre as necessidades e as demandas exigidas pela sociedade que o capitalismo tenta entregar o mínimo de condição razoável de vida. Muito avançado em boa parte do planeta e um escárnio na outra metade.

Neste cenário, vamos continuamente nos adaptar, inserindo preceitos e soluções diversas, seja do socialismo seja de qualquer corrente de pensamento e prática que podemos recorrer. Não acredito no colapso total: está previsto um investimento recorde para os próximos 20 anos. Serão 24 trilhões de dólares investidos na capacidade produtiva em 2030, o dobro da atual. Se tudo correr bem.

O capitalismo é muito sábio em entregar aquilo que precisamos, a começar pelo domínio total dos nossos anseios, vontades, desejos e mentalidade política, econômica e social. A nossa sociedade está sempre perto do fim ao mesmo tempo que nunca esteve tão bem: o desenvolvimento real dos últimos 50 anos não encontra precedentes na história. Até quando será possível viver assim e até quando a capacidade de adaptação do sistema dará conta do que ele mesmo produz é uma dúvida que só podemos responder na prática.

Estamos confortavelmente anestesiados.

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Política & Economia

A ressaca do mundo no vermelho

Protestos na Grécia durante a terceira greve geral dos últimos meses. Noriel Roubini "é só a ponta o iceberg"

Protestos na Grécia durante a terceira greve geral dos últimos meses. Nouriel Roubini "é só a ponta do iceberg"

No auge da crise econômica mundial de 2008, escrevi este artigo. O nome, sugestivo: “Requiem Para Um Pesadelo”. Nele, me debruçava sobre os recentes acontecimentos, os precedentes, o que significava e quais seriam as possíveis implicações a partir dali. Cito porque este texto anterior é fundamental para a compreensão deste. Afinal, a crise atual da qual a Grécia é o primeiro sintoma visível, é fruto direto das trapalhadas pós setembro de 2008.

A explosão do endividamento do setor privado, menos de 2 anos atrás, foi “remediado” com toneladas de dinheiro público, despejados por quase todos os governos, comprando as empresas falidas e apostando numa solução “simples” para salvar a economia. Diz o clichê que reconhecer a doença é o primeiro passo para se recuperar dela. Não foi exatamente o que aconteceu.

Chegou a hora, novamente, da incompetência cobrar seu preço. Literalmente. Quem avisa não são “comunistas lunáticos” ou profetas do apocalipse loucos para ver o mundo implodir. É menos ideologia e mais realidade. A atual edição da revista Exame (número 969, 02/06/2010, ano 44), traz na capa a matéria “O mundo no vermelho”, de Tiago Lethbridge. Fundamental para entender o que está acontecendo e de uma fonte longe de suspeitas de “inclinações esquerdistas”. O argumento mais fácil dos acéfalos para descartar alguma análise.

Ironia das ironias e nova tragédia anunciada: ao garantir a sobrevida dos preciosos bancos, seguradoras e demais instituições financeiras privadas com a farra irrestrita do dinheiro público, os governos – advinhe! – colocaram seus países em dívidas astronômicas. Pequeno exemplo de como o desespero é capaz de destruir a inteligência.

A relação entre a dívida pública dos países ricos e seu produto interno bruto, na média, subiu de 73% em 2007 para 103% na previsão para 2011. São recordes históricos e indesejáveis: no Japão bate nos 214,3 %, 147,6% no Líbano, 125,6% na Grécia, 117,7% na Itália, 116,3% na Irlanda, 111,3% na Islândia, 100,9% na Bélgica, 87,5% nos Estados Unidos. Nos emergentes, a situação é menos pior mas não confortável: 81,2% na Índia, 70,2% no Brasil e 66% na Argentina.

O que isto significa? Que o alto endividamento coloca estes países em situação crítica para tentar qualquer ação de recuperação econômica nos próximos anos, dificultando brutalmente o crescimento interno e espalhando terror no mercado financeiro. Terror este antes restrito apenas aos países médios que, curiosamente, agora são considerados mais seguros para se investir.

Segundo estudo do Citigroup, que analisou a história das finanças mundiais da Revolução Industrial até os dias de hoje, citado na reportagem da Exame, nunca, excetuando-se períodos de Guerras Mundiais, deveu-se tanto. E nunca a dívida global cresceu de forma tão descontrolada. O medo de um calote soberano – dado por um país que simplesmente resolve não pagar sua dívida – é imenso. Só que desta vez esta ameaça parte das nações ricas. A situação fiscal dos EUA é a pior desde a Segunda Guerra Mundial.

A zona do euro arde em conflitos e numa crise profunda e endêmica. A moeda já se desvalorizou 15% em relação ao dólar em 2010. A relação truncada entre seus participantes, que sempre foi tensa, piora a cada dia e o euro já não é mais visto como uma moeda sólida capaz de representar um porto seguro para o capitalismo financeiro.

Na tentativa de evitar os calotes soberanos generalizados, o FMI e a União Europeia anunciaram o maior plano de resgate da história, com 1 trilhão de dólares para os países mais problemáticos da zona do Euro. Parece que nunca aprendem a lição. A instabilidade no mercado é gritante: ninguém sabe o que virá. Ninguém tem uma solução simples. O que foi tentado antes fracassou, a situação piorou e restam poucas alternativas para um último suspiro.

Como isto impacta no Brasil? Somente em maio as empresas brasileiras perderam 200 milhões de reais na bolsa. Para além disso, tudo indica que o “crescimento chinês” visto no primeiro semestre desse ano não seguirá. A alta dependência das commodities (em 2000 os produtos industrializados representavam 59% das exportações, caindo para 44% atualmente, níveis de 1980) é um ponto frágil para o Brasil, mal que o governo não conseguiu melhorar. Numa economia altamente interligada, parece óbvio que a falência de outros países, especialmente os ricos, tem impacto direto nos planos de crescimento dos emergentes. Nas exportações, nos indíces diversos que regem a economia e, por extensão, no mercado interno. A Europa representa 22% das exportações brasileiras.

Ninguém sai ileso. A incompetência contínua respinga em todos. Para a Europa não resta solução: reajustes fiscais, arrocho salarial, corte de benefícios, renegociação da dívida (como se fosse possível). Cortar parte dos direitos trabalhistas historicamente acumulados à custa de muita coisa. Medidas naturalmente impopulares que causam reações extremas como as vistas na Grécia e já vistas largamente na França (ou alguém se esqueceu dos inúmeros conflitos advindos disso ocorridos no país nos últimos 5 anos?). Mobilização de milhões de pessoas, greves gerais. Vários países europeus já anunciaram corte de custos nos últimos tempos, o que configura o maior reajuste fiscal da história.

Novamente se afundando em suas próprias engrenagens, fica cada vez mais difícil para o capitalismo superar o que seria “apenas uma de suas crises cíclicas”. O rombo nos Estados Unidos supera 1 trilhão de dólares de 2008 pra cá. Só na Espanha, a taxa de desemprego supera os 20%. As “soluções” cada vez mais raras forçam medidas como o aumento do tempo de serviço para aposentadoria. Crise generalizada, endividamento recorde, envelhecimento significativo da população, déficit brutal das contas públicas. Grécia, Reino Unido e Espanha já anunciaram a elevação da idade mínima para aposentadoria. Parece não haver outro caminho para França (que já tentou isto e o resultado foi uma das maiores mobilizações sociais da sua história), Espanha e cia.

Nos próximos dez anos, a previsão é de que os juros responderão por 20% do orçamento dos EUA e o déficit fiscal alcance os 9 trilhões de dólares. A China (e boa parte da Ásia), tida como a “nova fronteira”, terra onde o crescimento é “geral e irrestrito”, para onde dezenas de empresas dos EUA e Europa migraram em busca de mão de obra barata (escrava), incentivos mil e custo reduzido, gera aberrações como o caso da Foxconn. Apenas um exemplo de uma realidade pouco discutida. É esta a salvação do capitalismo? É disso que o mundo depende para continuar com seu padrão de vida atual? Tentar igualar o “estilo de vida” dos ricos, origem direta de muito do nosso mal, e não transformar o padrão é um erro crasso dos emergentes.

“Crescimento” a todo custo e como sinônimo de “evolução” e melhora não parece mais ser uma alternativa (e uma mentalidade) aceitável. Nouriel Roubini, economista que atingiu “auge de popularidade” em 2008, por ter previsto a crise, dá um panorama concreto: “dinheiro não é o bastante para resolver o problema europeu. Os países estão endividados demais. A solução proposta no pacote é levá-los a um longo período de cortes draconianos e recessão. A Grécia sairá dessa temporada com uma dívida muito maior. Os problemas são muito sérios e resolvê-los da maneira proposta pela União Européia me parece ser uma missão impossível, além de politicamente inviável.”

Com a repetição dos erros anteriores e a multiplicação dos governos insolventes, pergunta ele: quem vai resgatar a União Européia e o FMI? Roubini resume o cenário: “os países encrencados tem três opções: dar um calote, ligar suas gráficas e imprimir dinheiro e/ou cortar gastos, aumentando os impostos e colocar a casa em ordem. Mas os políticos – principalmente os estadunidenses – parecem não reconhecer o problema. É preciso ir muito além disso”.

No jogo de empurra-empurra, cabra-cega e soluções paliativas todos saem perdendo. Por fim, Roubini não é tão pessimista sobre países emergentes como o Brasil, mas sinaliza que a crise terá efeito inevitável e que os próximos anos precisarão vir acompanhados de reformas estruturais e tributárias sérias.

Como se vê, a Grécia soa realmente como apenas o primeiro sintoma crítico. A série de incríveis trapalhadas dos últimos anos não têm fim. Insistindo em propostas caducas, evasivas e natimortas, que apenas pioram a situação a longo prazo, os governos criam uma bolha dentro da bolha, explodindo numa infecção grave de cura extremamente complicada.

Para quem achou que as coisas já estavam superadas, vale a mesma frase de Peer Streinbueck, ministro das finanças da Alemanha, em 2008: “todos os que enxergavam uma luz no fim do túnel agora se dão conta de que essa luz é uma locomotiva que está indo em sua direção”.

O resultado da socialização da desgraça e dos prejuízos do setor privado estão claros. Continuam a fazer as mesmas coisas inócuas de antes. O “crescimento” de alguns se dá em meio ao caos completo de outros e da instabilidade generalizada. Qual será o próximo passo?

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Política & Economia

Lula: o implacável

A cada vez que Lula é referendado por uma importante publicação estrangeira os estoques de diazepam vem abaixo em redutos da elite como Higienópolis, em São Paulo, e Lago Sul, em Brasília. O stress se dá não porque o governo Lula tenha necessariamente “atrapalhado” a vida da classe média alta – até o contrário – mas porque a ojeriza, o ódio e a revolta pelo reconhecimento internacional alcançado por ele e pela história (maiúscula) que fez no Brasil são notórios.

Quando veículos como a Time, um dos pilares da imprensa estadunidense, elege Lula como o líder político mais influente do mundo, há significado aí. O exato paradoxo por um veículo como a Time, repito, reconhecer Lula. Pro bem e pro mal. Em 2009 o mesmo Lula já havia sido celebrado “personagem do ano” por jornais como o espanhol El País e o francês Le Monde. Obama se derrama em elogios. Sarkozy não fica atrás. Lula é ouvido atentamente e com respeito em todos os fóruns mundiais que participa. É admirado e exaltado em todas as partes do globo.

A direita se rasga em incredulidade. Como pode? Como um “nordestino semi-analfabeto” conseguiu tanto? Porque FHC, nosso modelo de presidente e intelectual perfeito, sociólogo “respeitado”,  homem “culto”, não chegou nem perto? Sinto informar: é uma guerra perdida.

Deve ser realmente assustador “acordar” e perceber que as regras do jogo não são mais impostas com tanta facilidade como eram antes. Que a manipulação do povo não é tão fácil e simples como se acostumaram em mais de 500 anos de história.

Precisamos entender que a eleição de Lula e o subsequente governo com muito mais acertos que deslizes é uma legítima tortura psicológica contínua para a direita desse país. Precisamos compreender que a eleição de alguém como Lula, com o perfil de Lula, de onde e como ele veio, o que ele é, não pode em nenhuma circunstância ser aceita pela oligarquia brasileira. É a antítese de tudo que eles conhecem e tudo que eles vivem. É o inimigo ideológico, físico, social e político da velha elite.

Nunca antes na história desse país (há) um presidente foi tão massacrado, enxovalhado, caluniado e perseguido pela mídia. A Veja, órgão oficial da direita, abandonou qualquer vislumbre de jornalismo político sério desde que a vitória de Lula se anunciava. De lá pra cá são quase 10 anos em que o maior veículo impresso do país (mais de 1 milhão de exemplares por edição se você considerar válidos os números publicados) tenta, sempre, derrubar o governo. É muita incompetência.

A reeleição foi um golpe duríssimo: no auge da crise e dos “escandâlos” via-se a oportunidade ideal para derrubar de vez o barbudo incômodo. O linchamento constante não deu resultado. O ódio cresceu. A sensação de impotência. A simples incredulidade. O pesadelo. Comportamento reproduzido em menor grau e com mais sutileza por todos os maiores jornalões do país.

Mas a mídia impressa é brincadeira de criança perto do poder e alcance da televisão. Aí que Lula nunca foi exatamente massacrado pelas grandes redes de TV. A mensagem vem sempre sutil, subliminar, insinuante. Sutil para quem não consegue reconhecer, claro. E com muito menos efeito do que antes. Mensagem neutralizada porque a vida da população de classes C, D e E “simplesmente” melhorou muito nos anos de governo Lula.

Não há o que negar: nunca tantos empregos com carteira assinada foram criados (milhões e milhões), tantas pessoas saíram da pobreza, tanta gente voltou a ter o que comer, onde estudar – desde o ensino básico, médio, técnico e superior – tantas oportunidades foram criadas em todas as esferas possíveis. Além da óbvia empatia e do discurso feito de um autêntico representante do povo – coisa que jamais tivemos – para o povo.  O que faz toda diferença.

O parágrafo acima pode sugerir que vivemos num paraíso. Essa é a imbecilidade mais óbvia que deve ocorrer à cabeça de alguém. Claro que estamos infinitamente distantes de alcançar um nível de educação aceitável, uma distribuição de renda justa, de melhorar consideravelmente a segurança pública, o sistema de saúde precário, etc, etc. Não se resolvem 502 anos de exploração e bandalheira em 8. Ainda assim avançamos muito.

Isto posto, é preciso ressaltar também que Lula migrou para um governo de centro para conseguir se eleger. Abandonou o discurso radical, a aparência desleixada, fez acordos com o FMI, se comprometeu com banqueiros e grandes empresários, fez toda a cartilha neoliberal. Pasmem, com mais competência. Pasmem, conseguindo ao mesmo tempo introduzir programas, mudanças e transformações benéficas também para o povo. Com preocupação e projetos “populares”, projetos estes fundamentais e de impacto imediato na vida de milhões de pessoas, que simplesmente não aconteciam antes. Talvez esteja aí a grande sabedoria de Lula: entrar no sistema para agir dentro dele.

Por mais que um governo a princípio “de esquerda” cometa ações e se incline para práticas “de direita”, neoliberais, etc, ele sempre (repito: sempre), terá um trabalho social, de distribuição de renda e de criar meios para que quem não tem condições de alcançar as coisas, comece a ter. Essa é a diferença principal entre governos de mentalidades diferentes num tempo em que “ideologias” são coisas ultrapassadas e que mudam de acordo com o interesse.

As transformações centrais de consciência, acesso e qualidade da informação – ainda que tímidas – já serviram para que manipulações simplórias e “verdades absolutas” espalhadas pela mídia sofressem questionamentos imediatos e ferrenhos. O suficiente para mudar algo no jogo. O bastante para já ter alterado as eleições de 2006. E mais ainda em 2010.

Lula não é herói – talvez o mais perto disso que chegaremos – e, claro, não é santo. Nem nunca fez questão de tentar ser. “Detalhe” importante sempre esquecido propositadamente. O que explica o sucesso de Lula é que ele conseguiu fazer um governo moderno – na melhor sentido da palavra – sem cair em desgraça, conquistando coisas importantes para todos os setores da sociedade. Empresários, banqueiros e especuladores não têm do que reclamar, assim como o campo social nunca foi tratado com tanta atenção e eficiência. Lula conseguiu construir uma equipe que administrou o capitalismo como nenhuma outra. Atravessou com danos bem menores que os possíveis a maior crise desde 1929. Fez muito em 8 anos para quem recebeu toda uma herança nefasta nas mãos.

A comparação – inevitável – entre ele e FHC é cruel: Lula humilhou o tucano em todos os campos possíveis. Ex “companheiros”, ironia. Quem acompanha a mídia lembra bem o tratamento que as derrapadas e desmandos da trupe tucana, as mudanças de constituição, a corrupção, tinham: sempre atenuadas, escondidas. Os “feitos”, exaltados à última potência. Ao mesmo tempo que as besteiras do PT tomam proporção imediata de escândalo mundial e impeachment. E as conquistas e transformações positivas sempre tratadas com desdém. Qualquer criança de 3 anos é capaz de perceber essa diferença brutal de tratamento entre os governos nos últimos 20 anos.

Para quem passou fome, enfrentou pobreza extrema, morte da esposa e filho prematuramente, ditadura, cadeia, morte da mãe, desabamento da casa, pai distante e toda uma infância/adolescência/início da vida adulta tão conturbada, sempre tendo que, literalmente, lutar muito para viver, lidar com a mídia provou ser tarefa menor para Lula.

Matéria após matéria, capa após capa, chamada após chamada tentam, desesperadamente, desqualificar e atacar Luiz Inácio desde sempre. Ao mesmo tempo em que passou por cima disso tudo e se tornou o melhor governo da história do país. E que conquistou – sempre incompreensível para a oligarquia – o respeito e admiração da mídia estrangeira, não contaminada, de outros ares e outra cabeça. Lula é implacável. Fez história. E não há nada, absolutamente nada, que qualquer um possa fazer para apagar isso. Haja remédio e tranquilizante para fazer a direita (e companhia) dormir com um barulho desses.

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Adeus, General Motors – por Michael Moore

FAIL

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada” – a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes, milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países, destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros? Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade: que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de 2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30. Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens. Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway 1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente – e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans” deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer um trabalho melhor.

Texto original de Michael Moore.

Traduzido por Apocalipse Motorizado.

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Para entender a crise…

Um universo de acontecimentos se sucederam desde que eu escrevi o primeiro artigo, Requiem Para Um Pesadelo, sobre a crise mundial, em setembro passado. O quadro atual carece de um novo artigo que, espero, não vou demorar a escrever.

Dentre os milhares de “analistas” que se esforçam em ilustrar o que esse caos todo representa, somente alguns vale realmente a pena ler. Daniel Delfino é um deles. Amigo, companheiro e ex membro do time de articulistas do Duplipensar em sua fase áurea, digamos (antes de se tornar o site poluído e duvidoso que é hoje), Delfino é um pensador de esquerda (se é que estes rótulos ainda cabem), da melhor estirpe. E tem base pra falar: é filósofo e sociólogo.

Quem não entendeu a crise, tem ótima oportunidade de compreender. Quem entende e está acompanhando, pode ver suas idéias confrontadas.

Recomendadíssimo:

A crise econômica atual – parte 1

A crise 2 – As ameaças à humanidade

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Política & Economia

O corte da Opep e o capitalismo sem rumo

A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), anunciou que vai cortar a sua produção diária em 1,5 milhão de barris, para tentar frear a queda livre dos preços do barril de petróleo – que chegou a 147 dólares em julho e agora está cotado a US$ 70.

A grande ironia da brincadeira toda são os paradoxos em que a crise mundial tratou de afundar o capitalismo. Sob a lei única e soberana do mundo – “ter lucro sobre todas as coisas, independente do que for necessário para isto” – é claro que a queda do preço do petróleo atinge diretamente o bolso dos 13 países que formam o cartel da OPEP. Fora isto, o barateamento do óleo negro é, em contrapartida, mais interessante para a maioria dos países do mundo, especialmente os pobres. Também é “ruim” para o Brasil, um dos maiores produtores mundiais.

Considerando a margem de lucro absurda sob a qual trabalham em cima, o último recurso da OPEP foi sabotar a produção, forçando descaradamente uma queda da oferta do petróleo no mercado, para tentar assim alavancar novamente o seu preço. Sendo que, até poucos meses atrás, como dito, a cotação do barril batia recordes e o petróleo era (e ainda é) uma das maiores preocupações globais para as próximas décadas, em preço e escassez.

O que a socialização da desgraça promovida pelos governos estadunidense e europeu – fazendo os contribuintes pagarem duplamente pela incompetência dos bancos e mercado financeiro – exprime é, sobretudo, que nós não podemos continuar vivendo sob os mesmos padrões em que estávamos. Que o modelo estadunidense, o american way of life, do consumo desenfreado em larga escala, que produz 3 vezes mais lixo diário que outros países desenvolvidos e 5 vezes mais que nações médias, não pode, afinal, ser a meta de existência de cada um.

Toda notícia de redução de lucros e queda na produção é tratada com imenso pesar e cria-se um novo apocalipse, como se isto fosse o sentido de continuar vivendo. Não é. E mais importante: salienta que diminuir o ritmo do “progresso” e “avanço” – que muitas vezes não passam justamente do contrário – é fundamental para qualquer um que tenha bom senso. Se os índices de lucro e produção continuarem a terem que ser batidos trimestre após trimestre, ano após ano, onde vamos parar? Ainda mais afogados na miséria e no nosso próprio lixo, real e abstrato: outro paradoxo.

O corte da OPEP só ressalta que o capitalismo, coitado, não sabe o que fazer. Está cantando, lamentando-se como a clássica canção de Maysa: “meu muundoo caiu”. E como diz a letra, nós que aprendamos a nos levantar.

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