Política & Economia

Lula: o implacável

A cada vez que Lula é referendado por uma importante publicação estrangeira os estoques de diazepam vem abaixo em redutos da elite como Higienópolis, em São Paulo, e Lago Sul, em Brasília. O stress se dá não porque o governo Lula tenha necessariamente “atrapalhado” a vida da classe média alta – até o contrário – mas porque a ojeriza, o ódio e a revolta pelo reconhecimento internacional alcançado por ele e pela história (maiúscula) que fez no Brasil são notórios.

Quando veículos como a Time, um dos pilares da imprensa estadunidense, elege Lula como o líder político mais influente do mundo, há significado aí. O exato paradoxo por um veículo como a Time, repito, reconhecer Lula. Pro bem e pro mal. Em 2009 o mesmo Lula já havia sido celebrado “personagem do ano” por jornais como o espanhol El País e o francês Le Monde. Obama se derrama em elogios. Sarkozy não fica atrás. Lula é ouvido atentamente e com respeito em todos os fóruns mundiais que participa. É admirado e exaltado em todas as partes do globo.

A direita se rasga em incredulidade. Como pode? Como um “nordestino semi-analfabeto” conseguiu tanto? Porque FHC, nosso modelo de presidente e intelectual perfeito, sociólogo “respeitado”,  homem “culto”, não chegou nem perto? Sinto informar: é uma guerra perdida.

Deve ser realmente assustador “acordar” e perceber que as regras do jogo não são mais impostas com tanta facilidade como eram antes. Que a manipulação do povo não é tão fácil e simples como se acostumaram em mais de 500 anos de história.

Precisamos entender que a eleição de Lula e o subsequente governo com muito mais acertos que deslizes é uma legítima tortura psicológica contínua para a direita desse país. Precisamos compreender que a eleição de alguém como Lula, com o perfil de Lula, de onde e como ele veio, o que ele é, não pode em nenhuma circunstância ser aceita pela oligarquia brasileira. É a antítese de tudo que eles conhecem e tudo que eles vivem. É o inimigo ideológico, físico, social e político da velha elite.

Nunca antes na história desse país (há) um presidente foi tão massacrado, enxovalhado, caluniado e perseguido pela mídia. A Veja, órgão oficial da direita, abandonou qualquer vislumbre de jornalismo político sério desde que a vitória de Lula se anunciava. De lá pra cá são quase 10 anos em que o maior veículo impresso do país (mais de 1 milhão de exemplares por edição se você considerar válidos os números publicados) tenta, sempre, derrubar o governo. É muita incompetência.

A reeleição foi um golpe duríssimo: no auge da crise e dos “escandâlos” via-se a oportunidade ideal para derrubar de vez o barbudo incômodo. O linchamento constante não deu resultado. O ódio cresceu. A sensação de impotência. A simples incredulidade. O pesadelo. Comportamento reproduzido em menor grau e com mais sutileza por todos os maiores jornalões do país.

Mas a mídia impressa é brincadeira de criança perto do poder e alcance da televisão. Aí que Lula nunca foi exatamente massacrado pelas grandes redes de TV. A mensagem vem sempre sutil, subliminar, insinuante. Sutil para quem não consegue reconhecer, claro. E com muito menos efeito do que antes. Mensagem neutralizada porque a vida da população de classes C, D e E “simplesmente” melhorou muito nos anos de governo Lula.

Não há o que negar: nunca tantos empregos com carteira assinada foram criados (milhões e milhões), tantas pessoas saíram da pobreza, tanta gente voltou a ter o que comer, onde estudar – desde o ensino básico, médio, técnico e superior – tantas oportunidades foram criadas em todas as esferas possíveis. Além da óbvia empatia e do discurso feito de um autêntico representante do povo – coisa que jamais tivemos – para o povo.  O que faz toda diferença.

O parágrafo acima pode sugerir que vivemos num paraíso. Essa é a imbecilidade mais óbvia que deve ocorrer à cabeça de alguém. Claro que estamos infinitamente distantes de alcançar um nível de educação aceitável, uma distribuição de renda justa, de melhorar consideravelmente a segurança pública, o sistema de saúde precário, etc, etc. Não se resolvem 502 anos de exploração e bandalheira em 8. Ainda assim avançamos muito.

Isto posto, é preciso ressaltar também que Lula migrou para um governo de centro para conseguir se eleger. Abandonou o discurso radical, a aparência desleixada, fez acordos com o FMI, se comprometeu com banqueiros e grandes empresários, fez toda a cartilha neoliberal. Pasmem, com mais competência. Pasmem, conseguindo ao mesmo tempo introduzir programas, mudanças e transformações benéficas também para o povo. Com preocupação e projetos “populares”, projetos estes fundamentais e de impacto imediato na vida de milhões de pessoas, que simplesmente não aconteciam antes. Talvez esteja aí a grande sabedoria de Lula: entrar no sistema para agir dentro dele.

Por mais que um governo a princípio “de esquerda” cometa ações e se incline para práticas “de direita”, neoliberais, etc, ele sempre (repito: sempre), terá um trabalho social, de distribuição de renda e de criar meios para que quem não tem condições de alcançar as coisas, comece a ter. Essa é a diferença principal entre governos de mentalidades diferentes num tempo em que “ideologias” são coisas ultrapassadas e que mudam de acordo com o interesse.

As transformações centrais de consciência, acesso e qualidade da informação – ainda que tímidas – já serviram para que manipulações simplórias e “verdades absolutas” espalhadas pela mídia sofressem questionamentos imediatos e ferrenhos. O suficiente para mudar algo no jogo. O bastante para já ter alterado as eleições de 2006. E mais ainda em 2010.

Lula não é herói – talvez o mais perto disso que chegaremos – e, claro, não é santo. Nem nunca fez questão de tentar ser. “Detalhe” importante sempre esquecido propositadamente. O que explica o sucesso de Lula é que ele conseguiu fazer um governo moderno – na melhor sentido da palavra – sem cair em desgraça, conquistando coisas importantes para todos os setores da sociedade. Empresários, banqueiros e especuladores não têm do que reclamar, assim como o campo social nunca foi tratado com tanta atenção e eficiência. Lula conseguiu construir uma equipe que administrou o capitalismo como nenhuma outra. Atravessou com danos bem menores que os possíveis a maior crise desde 1929. Fez muito em 8 anos para quem recebeu toda uma herança nefasta nas mãos.

A comparação – inevitável – entre ele e FHC é cruel: Lula humilhou o tucano em todos os campos possíveis. Ex “companheiros”, ironia. Quem acompanha a mídia lembra bem o tratamento que as derrapadas e desmandos da trupe tucana, as mudanças de constituição, a corrupção, tinham: sempre atenuadas, escondidas. Os “feitos”, exaltados à última potência. Ao mesmo tempo que as besteiras do PT tomam proporção imediata de escândalo mundial e impeachment. E as conquistas e transformações positivas sempre tratadas com desdém. Qualquer criança de 3 anos é capaz de perceber essa diferença brutal de tratamento entre os governos nos últimos 20 anos.

Para quem passou fome, enfrentou pobreza extrema, morte da esposa e filho prematuramente, ditadura, cadeia, morte da mãe, desabamento da casa, pai distante e toda uma infância/adolescência/início da vida adulta tão conturbada, sempre tendo que, literalmente, lutar muito para viver, lidar com a mídia provou ser tarefa menor para Lula.

Matéria após matéria, capa após capa, chamada após chamada tentam, desesperadamente, desqualificar e atacar Luiz Inácio desde sempre. Ao mesmo tempo em que passou por cima disso tudo e se tornou o melhor governo da história do país. E que conquistou – sempre incompreensível para a oligarquia – o respeito e admiração da mídia estrangeira, não contaminada, de outros ares e outra cabeça. Lula é implacável. Fez história. E não há nada, absolutamente nada, que qualquer um possa fazer para apagar isso. Haja remédio e tranquilizante para fazer a direita (e companhia) dormir com um barulho desses.

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Um comentário sobre “Lula: o implacável

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