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Reuters Digital News Report 2016 – Insights

Todo ano, a Reuters proporciona a melhor análise sobre mídias digitais e jornalismo no mundo, analisando caso a caso a situação de vários países, realizando comparações entre os analisados e proporcionando algumas avaliações utilíssimas para todos que atuam na área. Você pode acessar o relatório completo em PDF e também ir direto para a página específica do Brasil no site. 

Alguns insights:

  • 70% dos usuários no país utilizam o Facebook como fonte de notícias e 39% o Whatsapp.
  • No geral, mídias sociais experimentam um rápido crescimento de 2013 pra cá, saindo do patamar de 50% para mais de 70%.
  • No online em geral, o índice chega a 91% de uso para notícias.
  • A confiança na mídia e nos jornalistas permanece alta, com quase 60%, terceiro lugar no mundo.
  • 22% afirmam pagar para ter acesso a conteúdo jornalístico online (o terceiro maior índice do mundo). A média (de 11 dólares ao ano) é uma das menores no planeta.
  • 21% usam extensões de bloqueadores de anúncios.
  • A Globo News lidera tanto no combo TV, rádio e impresso quanto no online, com mais de 50% de alcance.
  • G1 e UOL, os dos maiores na web, alcançam em torno de 30 milhões de usuários únicos por mês.
  • Mídias sociais são a fonte de notícia primária para 52% dos brasileiros, índice maior que a média mundial.
  • Na comparação entre 26 países, os brasileiros tem um dos menores interesses em notícias de política, economia, saúde, educação e internacional, perdendo somente para Japão e Coréia do Sul.
  • No entanto, os brasileiros são os que mais comentam e compartilham notícias no mundo, empatados com os turcos, com cerca de 90% de engajamento.

O relatório completo também oferece ótimos dados sobre o mercado de notícias, mídias digitais e participação de usuários no mundo, vale uma análise cuidadosa para quem é do ramo.

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HSM Management: Wäls e Bohemia andando lado a lado

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Maurício Angelo

Na edição de julho/agosto da revista HSM Management (você pode acessar uma degustação da edição aqui) fiz uma matéria contando os bastidores da aquisição da Wäls Cervejas feita pela Bohemia, do grupo AB-INBEV, o maior conglomerado cervejeiro do mundo. Na matéria, José Felipe Carneiro, sócio e mestre-cervejeiro da Wäls e Daniel Wakswaser, diretor da Bohemia, contam como foi a aproximação da Inbev, a trajetória da Wäls e tudo que isso simboliza para o mercado cervejeiro brasileiro, já que é a primeira vez que um grande grupo adquire uma empresa artesanal, o que não acontecia desde 2007 quando a então Schincariol (hoje Brasil Kirin) comprou a Eisenbahn, Baden Baden e Devassa.

O que na época da matéria era ainda boato (que a Ambev preferiu não comentar) acabou se confirmando na última semana: após a Wäls, a empresa adquiriu também a Colorado, uma das mais antigas cervejarias artesanais brasileiras. A estratégia é muito semelhante ao que a INBEV vem fazendo nos Estados Unidos na última década. Reconhecendo que chegou tarde no mercado artesanal, que viveu um momento de legítima expansão nos Estados Unidos nos últimos 20 anos, gerando uma legítima nova escola de cervejas e crescendo absurdamente sua fatia de mercado (hoje chegam a incríveis 6,5% do mercado em volume e 10,2% em receita) a INBEV adquiriu diversas cervejarias artesanais: Goose Island (a primeira e que também acaba de chegar ao Brasil), Blue Point, 10 Barrel e Elysian.

Concentradas sob o guarda-chuva da Bohemia, tanto Wäls quanto Colorado seguem tendo autonomia operacional e seguirão com suas marcas separadas no mercado, mas ganharão em escala, distribuição e, claro, poder de fogo e inovação, com todos os recursos da INBEV disponíveis. A Bohemia sempre foi a marca premium da Ambev, apostando em lançamentos sazonais ou de linha fixa que fugiam do padrão de massa da empresa, sem, no entanto, alcançar conceitos realmente altos entre o público especialista.

As cervejas artesanais (microcervejarias, etc) representam hoje, no Brasil, somente 0,15% do mercado, com previsão de chegar a 2% em 10 anos. Mesmo o mercado considerado “premium”, que engloba marcas como Heineken, Original, etc, chega a apenas 6,5%. O apetite de aquisições da Ambev tem tudo para ser um novo marco cervejeiro no Brasil, se bem administrado. Apesar de ter crescido exponecialmente nos últimos anos, ainda há muito para expandir. E, em se tratando de inovação, Wäls e Colorado tem muito, muito mesmo para contribuir.

A revista está nas bancas de todo o país.

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A responsabilidade jornalística e a regulação da mídia em xeque

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Não é de hoje que a chamada “grande mídia” brasileira é questionada por aderir de maneira bem contundente, ainda que disfarçada, quase nunca de modo deliberado, a uma candidatura específica. Do emblemático debate de 1989 entre Lula e Collor, ainda hoje um incômodo para a Rede Globo, esta mídia – representada especialmente pela Globo, maior emissora da América Latina, os jornalões como Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de Minas e todo o Diários Associados e a editora Abril, através de títulos como a Veja – opta, não raro, por atropelar elementos básicos do código de ética jornalístico.

Apelidada simbolicamente de “PIG – Partido da Imprensa Golpista” por blogueiros majoritariamente de esquerda nos anos 00/10 – e lembremos aqui que a esquerda nunca foi algo homogêneo e restrito a poucas linhas de pensamento, mas o oposto – a grande mídia sempre tendeu a revelar posições muito mais duras em momentos agudos da nossa história. Em toda eleição presidencial isso fatalmente ocorre. Os acontecimentos de 2014 não podem ser ignorados por uma classe jornalística séria, minimamente preocupada com a representatividade e credibilidade do seu ofício, levando-nos, novamente, ao inevitável e interminável debate da regulação dos meios de comunicação.

A mídia citada, com posição bem definida nas manchetes que escolhe, nas chamadas veiculadas, nos subtítulos destacados, nas fotos que seleciona, no lead determinado, no tom geral das matérias escritas, nos “especialistas” ouvidos e personagens citados, ultrapassou todo o limite da razoabilidade jornalística especialmente com a capa da revista Veja publicada (e antecipada) na última quinta-feira, baseando-se em supostas declarações de um doleiro que assinou um acordo de delação premiada e com a credibilidade no mínimo altamente questionável se levarmos em conta outros acordos já quebrados por ele, outras histórias passadas inventadas e a própria, digamos, “natureza” da sua “profissão”.

A capa, provavelmente o panfleto mais caro da campanha de Aécio Neves – cabe lembrar que um ex-diretor da revista foi para a campanha do tucano – é digna do material mais sórdido que se pode produzir numa disputa eleitoral. Sem nenhuma prova, Veja tentou única e exclusivamente minar a candidatura de Dilma Rousseff nas vésperas do pleito. E recebeu resposta maiúscula e imediata da presidenta no seu último programa eleitoral. Seu alcance, muito além dos leitores em si da matéria, mas atingindo todos os pontos de venda de bancas, shoppings, supermercados e tudo mais, é típico material de campanha, prontamente condenada pelo TSE.

Ainda que Alberto Youssef tenha, de fato, falado o que a revista supostamente divulgou, isso novamente não prova nada. Apenas acusações vazias que a revista tratou de usar por um histórico já vexatório de capas e matérias desde que o PT assumiu o poder, indo contra sua história de, até os anos 90, ser uma revista equilibrada, de típica classe média centro-direita, que ainda praticava jornalismo. A Folha de S. Paulo encampou a denúncia, repercutida no Jornal Nacional pós-debate na Globo, dando muito espaço para a resposta de Dilma, veiculada na campanha e no próprio debate.

Como jornalista, independente de qual função você exerça e em qual veículo trabalhe, é vergonhoso ignorar a tentativa inaceitável e anti-democrática da revista apenas como “mais um deslize de uma mídia que, ‘todos sabem’, persegue o governo”. Sem dizer no pouquíssimo questionamento que as “acusações” de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, sob sigilo de justiça, tem recebido. Cabe, oportunamente, lembrar breves trechos do código de ética jornalística:

Art 9º A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística.
Art. 10. A opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade.
Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:
I – visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica;
(…)
III – obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração;
Art. 12. O jornalista deve:
I – ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas;
II – buscar provas que fundamentem as informações de interesse público;

Fica muitíssimo claro, portanto, como a Veja atuou e atua, considerando ainda os interesses mais do que deliberados por trás da matéria. O recente episódio nos leva de volta para o necessário debate da regulação dos meios de comunicação no Brasil, sistematicamente adiada pelos governos com medo da represália da mídia, que se apressa em engrossar o coro de “censura”, “ditadura” e “controle”, esquecendo seu próprio passado de apoio à ditadura e a própria natureza da proposta de regulação.

É claríssimo que a grita geral dos seus donos baseia-se num princípio muito transparente: evitar a perda de todos seus privilégios acumulados durante décadas. Acabar com o feudo e com a carta branca que possuem para fazer literalmente o que bem entenderem, incluindo a profunda precarização do trabalho, conhecida muito bem pelos jornalistas, seja nos salários exíguos, muitas vezes abaixo do piso e tabela base, seja nas absurdas condições de terceirização, contratando como pessoa jurídica profissionais que ficam sem nenhum direito trabalhista. Farra que deve acabar em breve.

Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Argentina, Uruguai, Reino Unido, França, Espanha, Portugal…para citar alguns exemplos, todos possuem algum tipo de regulação e/ou regulamentação (importante diferenciação, aqui) sobre os meios audiovisuais e impressos. No Brasil, o coletivo Intervozes promove um debate sério sobre a questão, entre tantas outras entidades, sindicatos e a federação dos jornalistas.

Dilma não me parece disposta a arcar com os custos enormes que uma proposta concreta sobre o tema traz. Se o PT já é acusado, de modo acéfalo e delirante pelos pitbulls midiáticos de plantão de realizar “censura” e “perseguir” – tadinhos – a mídia, é de se imaginar o custo de imagem imediato que algo assim acarreta. O problema é só um: ele precisa, urgentemente, ser enfrentado. As eleições de 2014 foram o estopim definitivo para demonstrar isso. Não só a regulação, mas a revisão de todas as concessões audiovisuais.

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Não é preciso ser muito esperto para saber que pouquíssimas famílias controlam a mídia no país. Entre as dezenas de matérias disponíveis, cabe um resuminho da BBC, de 2011:

O mercado de mídia no Brasil é dominado por um punhado de magnatas e famílias.

Na indústria televisiva, três deles têm maior peso: a família Marinho (dona da Rede Globo, que tem 38,7% do mercado), o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Edir Macedo (maior acionista da Rede Record, que detém 16,2% do mercado) e Silvio Santos (dono do SBT, 13,4% do mercado).

A família Marinho também é proprietária de emissoras de rádio, jornais e revistas – campo em que concorre com Roberto Civita, que controla o Grupo Abril (ambos detêm cerca de 60% do mercado editorial).

Famílias também controlam os principais jornais brasileiros – como os Frias, donos da Folha de S.Paulo, e os Mesquita, de O Estado de S. Paulo (ambos entre os cinco maiores jornais do país). No Rio Grande do Sul, a família Sirotsky é dona do grupo RBS, que controla o jornal Zero Hora, além de TVs, rádios e outros diários regionais.

Famílias ligadas a políticos tradicionais estão no comando de grupos de mídia em diferentes regiões, como os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, e os Collor de Mello, em Alagoas.

Acrescente aí a família Saad, da Bandeirantes. Cada grupo desse controla não só os “veículos principais”, como dezenas de afiliadas (117 só da Rede Globo), jornais, rádios, revistas e sites Brasil e mundo afora. Lembre-se das dezenas de concessões dadas para estas famílias antes, durante e depois da ditadura militar, concessões que duram décadas e asseguram o monopólio. Lembre-se do dono da Jovem Pan e um dos sócios do Grupo Estado em passeata pró-Aécio, do dono do Estado de Minas no palanque com o candidato tucano…os exemplos são inúmeros.

Em ótimo artigo, Venício Lima lembra:

Apesar de a Constituição rezar que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (parágrafo 5º do artigo 220), apenas uns poucos grupos privados controlam os meios de comunicação diretamente ou indiretamente através de “redes” de afiliadas cuja “formação” não obedece a qualquer regulação.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (alínea ‘a’ do inciso I do artigo 54), muitos deles mantêm vínculos com empresas privadas concessionárias do serviço público de radiodifusão, numa viciosa circularidade que inviabiliza a aprovação de projetos que regulem as normas e princípios constitucionais sobre a comunicação social no Congresso Nacional.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que as outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações para o serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens devem “observar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (artigo 223), a imensa maioria das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão no país continua a ser explorada por empresas privadas.

Outro debate necessário é a destinação de verbas de publicidade do governo federal. Ainda que a Globo tenha diminuído sua participação em 11 pontos percentuais desde 2000, a TV recebeu R$ 5,9 bilhões do governo neste período. Veja os gráficos (clique para ampliar):

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A distribuição dos meios que mais recebem recursos revela que a TV aumentou sua fatia, enquanto os jornais encolheram (clique para ampliar):

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Matéria do Terra com Lula, no final do seu mandato, em 2010, mostra, ainda na época, o que Lula pensava e o que planejava para o período 2010-2014. Diz o texto:

Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil:

-Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação? Eu duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui. Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo.

O presidente se mostra disposto a um duro embate com setores da mídia:- A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais.

“No Brasil – foi o Cláudio Lembo que disse isso para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada”, cobra Lula.

O presidente sinaliza que mudanças nessa área deverão ser discutidas no Congresso Nacional e poderão ser viabilizadas no próximo governo:

-O Brasil, independentemente de que de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável.

Avançamos nada ou muito pouco (apesar da regionalização, outro fator muito importante, veja detalhes no site da SECOM). Enquanto o governo se recusar a levar adiante esse debate, pedido por entidades de classe e movimentos sociais, continuaremos refém de meia dúzia de famílias que tem um lado muitíssimo claro, apenas não tem a decência de assumi-lo antes, durante ou depois de qualquer eleição.

Crimes cometidos pela imprensa, como é o caso de Veja, não podem ficar impunes. O que pode parecer óbvio para nós, jornalistas, nem sempre o é para a maioria da população. Mesmo entre os profissionais observa-se um surto de omissão misturada com o receio de “represália dos patrões”, o conhecido “passaralho”, o famoso “cale a boca e cumpra as regras da empresa”. Algo pouco digno do ofício jornalístico e muito mais próximo da cretinice absoluta, do esvaziamento de ideias e da velha oligarquia que domina o Brasil – um clichê tão batido quanto incômodo e verdadeiro.

Diante de tudo isso, a omissão, se algum dia o foi, já não é mais uma opção aceitável. De todos os lados envolvidos.

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Os grandes jornais ainda sofrem para entender a web

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Já falei aqui sobre isso algumas vezes. A mais recente, em 2012, neste post. Mas, ainda em 2014, especialmente os grandes jornais, penam para ter o mínimo de compreensão sobre o que a sua presença online representa e, mais especificamente, como lidar com o leitor e as questões que isto traz.

Hoje, ao tentar postar um trecho do texto do Contardo Calligaris no twitter, sujeito que anda falando muita asneira não é de hoje, a Folha me saiu com esse aviso:

“Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize o link http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/02/1411422-amor-de-maquina.shtml ou as ferramentas oferecidas na página. Textos, fotos, artes e vídeos da Folha estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br). As regras têm como objetivo proteger o investimento que a Folha faz na qualidade de seu jornalismo.”

Além de impedir o compartilhamento de parte do texto, o jornal ainda se sai com uma mensagem automática autoritária, com uma ameaça disfarçada de lembrete – “estão protegidos pela legislação brasileira” – pede que o leitor solicite autorização e ainda finaliza com um discurso típico de auto-piedade do capital, “isso é pra proteger o excelente serviço que fazemos por você, esperamos que você reconheça”. É muito erro junto.

É ir contra tudo o que estes quase 20 anos de experiência online nos mostra. É arbitrário e, sobretudo, burro, por tratar o usuário praticamente como inimigo e dificultar ao máximo a reprodução da informação. O jornal O Globo também faz o mesmo, colocando um aviso automático sempre que você tenta copiar parte de algo.

O Estadão, se não chega a tanto, comete outro erro capital: a abominável atualização automática, explodindo um flash de F5 na sua cara bem durante a leitura de um artigo, algo odiado por 11 entre 10 pessoas que conheço.

Contra o aspecto cada vez mais livre da web, em que não só o conteúdo – e o bom conteúdo – grátis está disponível com enorme facilidade, quanto a pirataria de músicas, filmes e seriados ganhou alcance ainda mais brutal com a disseminação da banda larga no mundo nos últimos 10 anos, a indústria e o mercado tem reagido como pode. Desde a prisão de usuários que utilizavam serviços de P2P em diversos países, leis contra a pirataria e compartilhamento de arquivos locais, SOPA e PIPA nos EUA, a vigilância permanente da indústria musical e dos estúdios de Hollywood e, como discuto no artigo citado no início, o desespero dos meios de comunicação para tentar encontrar uma forma de financiamento viável.

Como campo de conhecimento mais fluído e, portanto, impreciso, complicado de se delimitar – ainda que vários tenham tentado, a exemplo de nomes famosos como Pierre Levy, Manuel Castells e por aí afora – a relação da mídia com o seu público, na web, muda a cada dia. E, ao contrário do que gostariam, vai muito além da zona de conforto a que estão acostumados. O pior, afinal, é assumir a postura que Folha e Globo praticam atualmente. Indo contra os princípios mais básicos da maneira com que essa relação deveria ser pautada em 2014.

O conteúdo dos grandes portais, em sua maioria – e aí basta navegar pela home de qualquer um deles neste momento – é uma piada, sobretudo com a quantidade de dinheiro que investem. Pensados para a web, resvalam no patético. Não sou fatalista como muitos amigos e – ainda – acredito que o jornalismo não morreu. Apenas boa parte dele, e a parte com mais recursos, é que parece estar em estado terminal, resistindo por aparelhos.

É sabido que o bom jornalismo custa caro. E má gestão mais ainda.

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Independente precisa ser sinônimo de tosco?

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Um erro pra lá de comum quando falamos de iniciativas de “comunicação de guerrilha”, que se pretendem independentes, capazes de veicular relatos e matérias que encontram pouco ou nenhum espaço nos grandes é a tosquice extrema na maneira como o conteúdo é apresentado. Parecem que se contentam em migrar o conceito dos velhos zines para a web e que “qualquer coisa tá bom, o importante é a polpa”.

Engano. A tela acima é do Indymedia, um dos mais antigos veículos do gênero, fundado em 1999. Seu braço brasileiro, apesar de ter passado por uma mudança de layout, não fica muito atrás.

E o site parece mesmo do século XX. É praticamente ilegível, de doer os olhos, sem nenhum cuidado com a organização, clareza e hierarquia das informações. Atualmente, com os vários, excelentes e gratuitos CMS que existem para construção de sites – WordPress, Joomla, Drupal, Plone, etc – sem a necessidade de ser nenhum expert em programação, bastando um bocado de vontade, pesquisa e dedicação, é praticamente inadmissível manter um site no ar como o do Indymedia.

E aí acontece o que estamos cansados de ver em iniciativas do tipo: falar sempre para o mesmo nicho, os mesmos grupos, a galera mais radical e hardcore, caindo na vala comum não só de forma como do próprio conteúdo, com abordagens, temas, textos e premissas ultrapassadas, que não encontram eco da maneira adequada na sociedade ou, no mínimo, ficam extremamente limitados. É aquela história da própria agonia da extrema-esquerda brasileira, por exemplo. Tema que destrinchei aqui, depois das últimas eleições presidenciais.

Naquele texto, afirmei:

A extrema-esquerda se mostra totalmente incapaz de apresentar suas ideias de maneira razoável, equilibrada, atualizada, palatável para a maioria da população e num projeto minimamente possível de ser aplicado no século XXI. Assim, fica restrita ao mesmo nicho que sempre esteve, jamais avançando: estudantes universitários, adultos convictos, militantes radicais e grupos de inclinações “revolucionárias” diversas. O eterno curral. Com a diferença que as urnas mostram o achatamento cada vez maior da penetração desse discurso. E com razão.

Infelizmente, esse “problema” não parece restrito à “extrema-esquerda”. E nem acho que valha a pena entrar numa tentativa de definir o que é “extrema-esquerda” ou não. O discurso fala muito mais que a sigla do partido. E aí que é bom evitar essas armadilhas. Caso da Mídia Ninja, que está nos holofotes. Não importa que as cabeças da NINJA sejam ligados ao PT. De verdade. Ter afinidades ideológicas com um partido – ou mesmo fazer parte direta ou indiretamente das atividades dele, caso de alguns – importa pouco se você é capaz de tratar com um mínimo de honestidade intelectual o conteúdo que você produz.

Essa “afinidade” não é desculpa para uma cobertura ruim ou para a ausência de críticas. O dinheiro público, bom que se lembre, é público, não é do PT. Deve ser uma política estatal permanente, não de governo X ou Y. Não há como esconder suas preferências políticas no mundo de hoje. A “grande mídia”, quando tenta, é tremendamente infeliz nisso. Quando é transparente, é muito melhor.

Quem está no governo tem muito mais motivo para levar porrada. Por razões óbvias. O movimento “Amor Sim, Russomano Não” buscou apoiar a candidatura de Haddad? Sem nenhuma dúvida. Seus líderes tem ligação direta com ele? Sim. O objetivo de atacar Russomano, que liderava as pesquisas, era contribuir para que Haddad fosse para o segundo turno? Óbvio. Daí que não faz sentido que Bruno Torturra negue esse óbvio, como fez na entrevista para o André Forastieri.

Comecei falando de forma e enveredei para o caminho da transparência e das conexões políticas, ideológicas, jornalísticas e sociais (porque não?) que tudo isso implica. Ofertar – e o termo é este mesmo – o que você produz de maneira atraente para o público é fundamental se você almeja ultrapassar as fronteiras costumeiras. A Agência Pública é ótimo exemplo disso. Disparada a melhor referência em jornalismo investigativo feito no Brasil hoje.

Lá fora, o Adbusters é um que merece atenção, ainda que peque bastante pela fragilidade e superficialidade de muito do que divulga. Há uma série de erros, de problemas e de lacunas que são compreensíveis que a mídia alternativa tenha. Ser tosca não é um deles.

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Ninjas sob ataque

Parece o Hateen, mas é parte da equipe da Mídia Ninja

Parece o Hateen, mas é parte da equipe da Mídia Ninja

Durante as manifestações dos últimos meses no Brasil um certo “movimento” emergiu e chamou atenção pela cobertura “intensa” que conseguiu fazer, transmitindo “direto do front”, pela web, o que acontecia nas ruas do país. A Mídia Ninja logo foi abraçada por boa parte da comunidade jornalística e do público “alternativo” e “independente”, ao mesmo tempo em que pouco se sabia de fato sobre ela, exceto que transmitia pelo canal – a Pós TV – do Fora do Eixo, “coletivo” que alcançou grande destaque na cena cultural nos últimos anos.

Passado o frisson, veio a ressaca. E tá todo mundo querendo entender exatamente do que se trata essa tal “ninja”. Especialistas em redes sociais e contando com ela como seu principal canal de veiculação de transmissões em tempo real, fotos, relatos, denúncias, interação com o público, etc, a NINJA tem hoje mais de 150 mil fãs no Facebook.

Atraindo a atenção da mídia “tradicional” no Brasil e no mundo, a NINJA tornou-se pauta. Só o Observatório da Imprensa já produziu alguns textos sobre o “fenômeno”. De modo geral, recomendo alguns aqui:

O jornalismo em tempo real da Mídia Ninja – Lilia Diniz

A militância e as responsabilidades do jornalismo – Silvia Moretzsohn

Sob holofotes, Mídia Ninja pede dinheiro do público para ampliar alcance

Uma entrevista com Bruno Torturra – André Forastieri

Nada vive de brisa. E é interessante as formas de financiamento que eles pensam em implementar: crowdfunding e assinatura mensal a preços módicos, nesse caso em que há grande identificação do público com os responsáveis pelo conteúdo, tem grande chance de dar certo. Já que os dois conceitos se misturam e guardam ideais semelhantes de “independência” e “revolução”, em contraponto à velha mídia.

Já se discutiu exaustivamente – e bote exaustivamente nisso – no meio independente brasileiro (coloca aí no balaio todo mundo envolvido com isso e os jornalistas em geral) sobre os problemas do “financiamento público” que o Fora do Eixo recebe e a suposta “dependência” do FDE em relação a editais e leis de incentivo federais, estaduais e municipais. Perdi a conta de quantos textos li sobre o assunto e quantas vezes (e em quantos fóruns) isso foi discutido amplamente.

Muitas vezes o FDE é atacado de maneira gratuita e exagerada. Mas isso se deve especialmente ao seu modus operandi que propriamente pela fonte dos recursos em si. Se o montante de recursos públicos injetados no FDE correspondem a menos de 10% do caixa do coletivo, como eles afirmam, há que se questionar o quão essas trocentas outras atividades realizadas são capazes de fechar os outros 90%.

O que começou focado em festivais de música, maiores ou menores, acabou se tornando uma verdadeira máquina de articulação que incluem a Casa Fora do Eixo em SP e BH, a Universidade Livre e um sem número de ideias, projetos e eventos realizados. Me preocupa menos o financiamento do FDE e mais o fato de que a sua prestação de contas nunca foi exatamente clara, transparente e precisa. O coletivo se aproveita, claro, dos frágeis mecanismos de controle que a gestão pública brasileira pratica, seja em leis de incentivo, seja no repasse da União aos municípios e em toda sorte de política, investimento e destinação de recursos, como os para a educação, por exemplo.

Me preocupa menos a fonte da grana do FDE e mais a sua postura de atacar ferozmente e muitas vezes de maneira articulada quem simplesmente ousa questionar suas práticas. O esvaziamento de quem consideram “inimigo”, o caráter de muitos dos seus integrantes, os inúmeros relatos de gente que lidou direta e indiretamente com o FDE nesse tempo todo e a verdadeira balbúrdia que são capazes de fazer quando confrontados.

Me preocupa bastante o discurso pseudo-neo-marxista – ou qualquer outro termo moderno da esquerda festiva que você quiser colocar aqui – usado para cooptar muita gente que mal sabe onde está se metendo, a que, como e porquê o que ela ouve e faz, levada pelas lideranças, têm alguma conexão com todo o resto.

A Mídia NINJA, assim como o próprio FDE no seu início, é recebida com júbilo e delírios revolucionários, é abraçada como uma “alternativa possível”, cria empatia instantânea com o público e a maioria dos jornalistas. E, da mesma forma como o FDE, trata com desprezo, arrogância e ataques quem pensa em criticá-la.

Após a fase do oba-oba, é provável que as coisas comecem a engrossar para os NINJAS. Como já começaram, e foi bem rápido. A entrevista desastrosa com o governador do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, a série de comentários nas redes sociais de gente realizando que “não é bem assim”, as reflexões de quem vive o bagulho no dia a dia.

É bem fácil e perigoso cair na velhíssima dicotomia entre “mídia tradicional” e “alternativa”, entre “dependência do mercado” e “independência financeira”. Estamos num momento em que já não faz mais sentido embarcar em tais conceitos. Nesse momento de transição, em que ninguém tem a fórmula para a nada – porque ela simplesmente não existe – e o que temos são dezenas de caminhos possíveis (e, claro, cheios de problemas), tentativas, arroubos, questionamentos, esforços de grandes e pequenos grupos, todo mundo pensando para onde ir, como fazer, como financiar.

É natural que a Mídia Ninja seja recebida com entusiasmo. Centenas – talvez milhares de colaboradores – de inúmeras formações, experiências e vivências diferentes gerando conteúdo multifacetado em todos os sentidos para um mesmo lugar, financiados de maneira igualmente plural. Soa ótimo, não? E é natural que receba uma tonelada de críticas por estar diretamente vinculada ao seio do FDE – desde financiamento e estrutura até a própria residência de boa parte dos colaboradores. Experiências de “jornalismo colaborativo, coletivo, comunitário e público” surgiram aos montes na última década na web. Poucos realmente vingaram e/ou deram em algo que deixou alguma marca.

Não há modelo. Não há garantias. Na mídia, na cultura, na indústria da informação, nos modos de produção, nos levantes sociais. Não há blindagem. Pagamos o preço por viver exatamente numa época de transição, em que tudo se modifica, se quebra e se reconstrói a todo momento.  A quarta ou a quinta onda.

É aqui que as “referências clássicas” dão as mãos com um Marshall Berman, um Alvin Toffler e as trocentas pessoas que produzem efeito direto e indireto no mundo hoje, na teoria e na prática. No fim, não ter a certeza de qual caminho seguir pode ser a melhor coisa que acontece para essa geração. Resta fazer bom proveito das ferramentas e das discussões que temos ao nosso dispor.

Update:

Bruno Torturra e Pablo Capilé no Roda Viva: nada de novo, mas vale assistir

httpv://www.youtube.com/watch?v=vYgXth8QI8M

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Grupo Abril: menos jornalismo, mais educação

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2013, um ano cruel para o jornalismo. Não lembro, nos anos recentes, de tantos cortes nas redações com essa expressividade e esse alcance, apelidados carinhosamente pela classe de “passaralho”, fechamento de veículos, etc. É a tal “crise”, a eterna crise, tá sempre ruim pra quem tá lá em cima. É o tal “fim do jornalismo”, morte anunciada, blá blá blá. Para além do apocalipse e das profecias de boteco, já que a questão é muito mais séria, complexa e ampla do que se costuma discutir, vamos focar no Grupo Abril.

Com a morte de Roberto Civita, a faca tá entrando pesada. Semana passada, o grupo anunciou o fim das revistas Bravo!, Alfa, Gloss e Lola, o fim do portal Abril.com, além de demissões nas revistas Quatro Rodas, Viagem & Turismo, Placar, Men’s Health e Veja. No total, aproximadamente 150 funcionários foram demitidos e uma série de mudanças nas equipes de jornalismo, publicidade, marketing e etc foram realizadas. Leia o comunicado oficial.

O mais óbvio é que a Abril perdeu o bonde do online, não soube usar seu imenso valor agregado das publicações impressas e a qualidade dos seus profissionais para oferecer conteúdo exclusivo, relevante (e que fosse rentável) na plataforma digital e por aí afora. Não é surpresa. Poucos grupos do gênero conseguem.

Outro fator explica: a queda de 65% no lucro registrada em 2012.

O resultado representa uma queda de 65,5% em relação ao lucro líquido de 2011, que alcançou R$ 185,88 milhões.

Pesaram no resultado tanto a receita, que caiu de R$ 3,15 bilhões para R$ 2,98 bilhões, como o custo da operação, que aumentou de R$ 1,45 bilhão para R$ 1,58 bilhão.

Enquanto isso, um outro braço da operação, a Abril Educação, teve resultado totalmente oposto, atente:

A Abril Educação encerrou o último trimestre com lucro líquido de R$ 66,9 milhões, o que representa uma alta de 16% quando comparado ao mesmo período de 2011.  Já no acumulado do ano, o lucro líquido mais que dobrou atingindo R$ 100,1 milhões.

A receita líquida da companhia aumentou 8%, atingindo R$ 394,2 milhões no quarto trimestre.

O Ebtida cresceu 20% para R$ 148,6 milhões no período. A margem Ebitda ficou em 38%, quatro pontos percentuais acima do registrado em 2011.

Em julho de 2013, a Abril Educação comprou o grupo Motivo, do Recife, por R$ 100 milhões.

De um modo bem torto e por uma confluência de fatores, a Abril descobriu que a educação é muito mais rentável que o jornalismo.

Colegas se apressam em decretar “o fim da Abril” e esquecem que o poderio dos grandes grupos de comunicação é muito amplo para simplesmente virar pó. No mundo todo, o que se faz é cortar gastos, enxugar veículos, buscar novas fontes de financiamento, apostar numa comunicação multiplataforma. Como funciona no capitalismo em geral, quem irá sobreviver é quem conseguir gerenciar melhor estas questões.

 

Independente de quão precoce a mídia impressa migrou para o online, o sucesso está em entender que são suportes bem diferentes – o que levou um bom tempo para acontecer – e que, ainda que à fórceps, não basta apostar na “sinergia do arrocho”, sobrecarregando equipes inteiras que produzem conteúdo para todas as plataformas, erros comuns que vemos aos montes por aí.

 

A “morte da mídia impressa” é anunciada há pelo menos uns 10 anos. Ainda continuará de pé, e forte, e relevante. É muito mais provável que consigam se reinventar, porque tem poder financeiro para isso, do que chegarem ao fim. O online ainda vive bastante de repercutir a mídia tradicional. E, no momento, não há nenhum “fim” demasiadamente previsível, porque não se trata de apocalipse, de soluções fáceis e profecias falaciosas.
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