Entendo aqui filografia não como os italianos, para quem a palavra designa o indivíduo que coleciona textos e escritos, mas a escrita direcionada aos amigos e que visa provocar a ataraxia naquele que escreve – desobrigado por suas ninharias literárias do esforço para parecer espirituoso e erudito em compromissos sociais.
***
A vida vibra pois é tensa.
Mais tristes do que as filas em hospitais são as filas em casas lotéricas.
Escapar à dor física e se encontrar completamente indiferente à estupidez alheia são as maiores vantagens em estar morto.
Não notamos nossos defeitos da mesma maneira que não notamos o odor de nossa casa. A presença prolongada satura o pensamento da mesma forma que satura os sentidos.
Se os homens se tornassem incapazes de se habituar a erros e injustiças eles imediatamente promoveriam uma revolução…e então suicidar-se-iam.
Se a vida, como quer Cioran, é a doença da matéria, então o pensamento é a ‘Unidade de Terapia Intensiva’…
Aprender a comer à mesa de estranhos mantém relações estreitas com aprender a pensar.
Choramos de felicidade porque compadecemos do sofrimento anterior ao advento da alegria.
A amante: Ao partirmos à conquista da felicidade é necessário lembrar que somos casados com a sensatez.
Estamos felizes quando nosso pensamento repousa sobre certas circunstâncias e promessas. Para sermos felizes, contudo, é necessário que nosso pensamento repouse em todas as circunstâncias, sem qualquer garantia. É necessário, para tanto, amortecer o pensamento…
Existem males das mais variadas espécies. Uma sociedade boa é aquela que cultiva os tipos menos vistosos.
Há quem diga que os problemas de nossa cultura passam pela presença do pensamento “politicamente correto”. Isto em um tempo que baniu a “política” e que pouco se importa com aquilo que pode significar “correto”.
É necessário inventar um conceito para iluminar a maior das virtudes: saber enxergar os próprios vícios e extirpá-los.
Se não há nome para tal virtude, contudo, podemos suspeitar que seja pelo fato de que ninguém a possui.
Sabemos por experiência empírica inequívoca que indivíduos não extinguem seus vícios sem que ocorra algo ‘externo’ que torne a mudança compulsória. Como esperar algo diferente de uma sociedade?
Talvez uma revolução que não termine em farsa deva ter início com a mobilização das donas de casa.
Habituarmos com ideias significa esquecer que elas são de outrem.
Somos embaixadores das ideias que amamos pois elas se tornam objetos menos frágeis quando nos transcendem.
É apenas uma ironia da natureza que todo remédio efetivo seja amargo?
Temos de estar bastante seguros de nossos méritos para tratá-los com o desdém que eles merecem.
Escreveu Cioran com seu humor habitual: “Os filhos que não tive não sabem o tamanho do favor que me devem”.
De fato, o único motivo que faria um filósofo desejar um filho (a saber: ter alguém para inculcar suas ideias absurdas) lhe é interditado pelo uso da razão prática.
Um canalha brilhante ainda assim é um canalha. É fato que muitos são fascinados por estes canalhas geniais: estes com sua exuberante soberba fornecem aos tolos a ilusão de que é possível viver sem duvidar de si mesmo, sem precisar de outrem…
O homem moderno, diante da especialização, não dá conta de todo saber que lhe é necessário. Max Webber, uma das mentes mais sólidas a pisar na Terra, nos fornece o fundamento teórico para a necessidade da humildade.
Antes pedíamos cola na prova de matemática; hoje elucidações sobre economia ou física quântica.
À Nietzsche, Schopenhauer e Karl Kraus: Quantos aforismos misândricos não escreveriam as mulheres alemãs se não fossem canalhas e injustas como os homens?
É indelicado dizer que desejamos a universalização de uma educação autêntica só para que tenhamos mais sujeitos com quem falar sobre Chesterton, Chamfort ou Beethoven?
Zombar de si próprio é a maneira mais eloquente e elegante de pregação moral.
Misantropos necessitam de um consultor de moda que lhes diga como desaparecer em público…
Meu “sonho de consumo” é uma torneira pública de suco (de cevada, quem sabe…), tal qual a da utopia de Fourrier!
Quando crescer queria ser um empresário falido como Robert Owen!
***
“Vivo apesar de tudo”, diz, em tinta azul, este meu caderninho de anotações.