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O número 1 que detestava o tênis

ANDRE AGASSI

Andre Agassi é honesto em sua autobiografia. Um dos tenistas mais vencedores – e controversos e midiáticos – da sua geração, Agassi não esconde quase nada nas 500 páginas do livro. Rica em detalhes – e, por vezes, repetitiva – Agassi inicia pelo fim, com um relato impressionante da sua penúltima partida, aos 36 anos, contra Marcos Baghdatis, no US Open de 2006. Ali, velho, se contorcendo de dor e mal conseguindo ficar em pé, precisando de injeções de cortisona, Agassi encerrava uma trajetória de mais de 20 anos de carreira, de um tenista em que, por inúmeras vezes durante o livro, ressalta o quanto sempre detestou o tênis.

O ódio de Agassi tem explicação: a figura draconiana do pai, Emmanuel Agassi, engenheiro iraniano, ex-lutador de boxe, que levou a família para Las Vegas, fanático por tênis, que obrigou o pequeno Agassi a rebater bolas desde os primeiros anos de vida. Construindo um lançador de bolas mais alto e mais veloz que o habitual, que Andre apelidou de “o dragão”, Emmanuel leva o filho a rebater continuamente bolas até a exaustão, apostando em Andre o que não conseguiu com os filhos mais velhos: transformá-los em campeões do tênis.

Agassi conta detalhadamente seu sofrimento e o quanto gostaria de jogar um esporte coletivo, para dividir a responsabilidade, ou simplesmente fazer outra coisa da vida. Adolescente, Agassi é enviado para a Bollettieri Academy, onde se amontoa com outros meninos aspirantes a grandes tenistas, como Jim Courier, outro que se tornaria número 1. Ali, Agassi desenvolve a sua “rebeldia” – cabelos compridos e pintados de rosa, brincos, shorts jeans no início da carreira profissional – tudo uma maneira que o ainda menino encontrava para simbolizar sua insatisfação em ser escravo do esporte. No fim, é o que continuou fazendo porque era a única coisa que sabia fazer, afirma Agassi.

Seus primeiros torneios maiores e suas partidas contra lendas que estavam no fim da carreira, como Jimmy Connors e Bjorn Borg, são ótimas, assim como ele descreve a sensação depois de cada derrota ou vitória, de cada mudança no seu preparo físico – em especial a entrada em cena do treinador Gil – e sua rivalidade crescente contra Pete Sampras (que se tornaria um dos maiores de todos os tempos, com 14 Slams e contra quem Agassi sempre foi, majoritariamente, freguês), Jim Courier, Michael Chang (que ele parece detestar sempre que o cita, inclusive afirmando “de todos os tenistas, o único que não poderia vencer um grand slam antes de mim era Chang”, o que acabou acontecendo, em 89, aos 17 anos em Roland Garros, o mais novo da história), Boris Becker, Ivan Lendl, Stefan Edberg, Patrick Rafter, Kafelnikov e outros.

Durante o casamento com Brooke Shields, o ponto mais baixo da sua carreira (em que chegou a usar metanfetamina e cair para o número 141º do ranking, voltando a disputar torneios de challenger, a categoria mais baixa do tênis), Agassi mostra o quanto seu foco estava em todas as outras coisas menos no tênis, o quanto o estilo de vida da companheira não casava com o dele e como as coisas degringolaram rápido.

Logo após o término do casamento, Agassi foi correndo dar um jeito de se aproximar de Steffi Grafi – a maior tenista de todos os tempos, com 22 Slams – com quem acabaria se casando depois e com quem está junto até hoje, pai de 2 de filhos, voltando a se dedicar ao tênis, o que culminaria nos títulos do Aberto da França e do US Open em 1999, o melhor ano de Agassi, quando retornou ao posto de número 1 do mundo. Agassi conquistaria outros três Slam, em 2000, 2001 e 2003, todos na Austrália, chegando a ser o mais velho com o posto de número 1 da Era Aberta.

Os detalhes do jogo, do aspecto mental – Agassi admite inúmeras vezes suas fraquezas, o quanto se perdia mentalmente nos jogos, entregando partidas fáceis e complicando outras tantas – a escola que fundou com Grafi, suas conturbadas relações familiares e a importância dos amigos próximos. Agassi escreve bem, para além da história fantástica que sua própria vida representa.

É uma autobiografia reveladora, impactante, de um cara que foi um dos principais jogadores do que ele definiu, com justiça, o esporte mais solitário do mundo.

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Um comentário sobre “O número 1 que detestava o tênis

  1. Gilson Borges Corrêa disse:

    Não tenho muito conhecimento sobre a área da psicologia, entretanto entendo que ninguém é prisioneiro do passado, ou dos mandos e desmandos da família. Acho que na adolescência sim, essa possibilidade de se não conseguir lutar contra a corrente e acabar fatalmente fazendo o que os pais querem, é viável. Um homem um pouco mais maduro sabe o que quer. Acho que ele não odiava o tênis, tanto que acabou casando-se mais tarde com uma tenista. Apenas se deixou levar pelas circunstâncias. É muito fácil culpar a família, as condições financeiras, o meio em que se vive, quando não se tem maiores inspirações ou apenas se deixa levar, sem ter muito o que lutar. Não sei se é o caso de Agassi, um grande tenista, mas certamente não foi o pai que o obrigou a seguir a carreira.

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