Entrevistas

Edyr Augusto: “na literatura, é preciso ousar”

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Por Maurício Angelo

Falei recentemente da obra do paraense Edyr Augusto Proença aqui no blog. Com 6 livros lançados e “Pssica”, de 2015, fresquinho nas prateleiras, nada melhor que bater um papo rápido com o autor e jornalista sobre algumas das principais questões da sua literatura, sua linguagem, sua forma de ver o mundo e o estado atual das coisas, seja ele qual for. Entrevista que você confere abaixo.

Você mora no centro de Belém e o centro de grandes cidades (talvez especialmente cidades portuárias) costuma ser uma região especialmente “degradada”. E você já disse o quanto esse convívio com os diferentes tipos de figuras que habitam esse cenário é importante para a sua literatura. Ao mesmo tempo, você não acha que falta, talvez, justamente essa vivência para escritores de centros que costumam se isolar em seus apartamentos em bairros de classe média alta e ter uma visão quase superficial e fortuita com o pulso das cidades em que vivem? A literatura não fica razoavelmente fake com isso?

É difícil responder. Cada escritor tem seu próprio universo e seu método de trabalho. Não posso responder pelos outros. No meu caso, é essencial ouvir a melodia, o ritmo, as palavras usadas. Há pessoas do povo também circulando em bairros de classe media alta onde poderiam ouvir suas falas. Enfim, é uma questão de método.

Sua linguagem é extremamente direta, talvez mais que qualquer outro nome. A princípio, confesso, isso me incomoda. Essa ânsia em pegar o leitor pela jugular e não deixá-lo respirar. Mas funciona. Como você equilibra essa pegada para, paradoxalmente, não cansar o leitor? Entre todas suas atividades – escritor de teatro, radialista, redator publicitário etc – qual tem mais influência nisso?

Escrever para teatro me deu uma certa medida, que fui percebendo ao longo do tempo. Entre o palco e a plateia, há uma tensão alta e qualquer movimento em falso, pode-se perder a atenção de todos. Escrever de maneira concisa, é a premissa para a redação publicitária, radio e jornal. Não sei qual a maior influência, mas cheguei ao estilo por conta dessas atividades. Escrever é cortar palavras.

Escrever cenas de sexo é sempre uma armadilha. A chance de soar patético, pueril, forçado ou algo que o valha é sempre enorme. Mas as suas, talvez por conservarem um teor típico de algo crível, rotineiro, sujo na medida, comum a todos nós, conserva uma identidade. Há um cuidado maior em escrever tais cenas?

Não tenho maior cuidado do que tenho com outras. As cenas de sexo são provocadas por uma grande emoção, nervos à flor da pele e mais do que tudo, são descargas de violência, tensão e erotismo. Escrevo de uma vez. Escrevo como quem enxerga na tela do computador, os personagens se relacionando. E ali já estão dentro de um contexto. Estão imersos em seu desespero.

A investigação jornalística, em fatos “reais” retratados por jornais, é um processo pelo qual você já disse que são fundamentais para o seu livro. A brutalidade do real sempre supera a ficção?

Como diz Marcelo Mirisola, “ficcionistas, cuidado, a realidade é uma concorrente”. Com tantas câmeras, tantos programas policiais ou investigativos, é cada vez mais difícil os acontecimentos não estarem na mídia. No caso do “Pssica”, usei como pano de fundo, fatos cansativamente noticiados nos cadernos policiais. Todo o resto é ficção. O real é sempre brutal. Muito. Nós, escritores, tentamos provocar no leitor essa emoção. Nem sempre conseguimos.

No seu blog, no texto “Nós, os invisíveis”, você comenta o quanto os principais veículos de imprensa e o próprio poder público desconhecem ou não dão o devido valor ou não tem o mínimo de política e incentivo para estimular a cultura local. Seja em Belém, seja em SP, megalópole e principal cidade do continente, isso parece queixa comum. A cultura no Brasil realmente está condenada à marginalização eterna? Em viver de migalhas do poder público e midiático? Somos um país que lê e se importa pouco e quase nada mudou nas últimas décadas?

Em âmbito nacional, é mais difícil opinar, mas posso dizer que a Cultura, nos últimos vinte anos, profissionalizou-se, é uma atividade que gera empregos, impostos, uma indústria. Mas os dirigentes não acompanharam esse processo, o que é uma pena. No caso do Pará, temos há longos anos, uma campanha justamente de dizimação da classe artística. Não há nenhuma política cultural para nenhuma area. Nós, escritores, promovemos a segunda FLiPa, Feira Literária do Pará, iniciativa completamente particular. Não estamos parados. É preciso profissionalização. Chega de amadorismo.

Jornalistas são, grosso modo, bichos ignorantes?

Eu sou jornalista. Há bons e maus em qualquer lugar. No Pará, sou muito bem noticiado pelos colegas, fora o caso de donos de jornais que brigam e quem escreve em um jornal (escrevo semanalmente em O Diário do Pará), não é noticiado em outro. Coisa provinciana.

Você teme uma possível ‘exaustão’ de estilos, temas e abordagens? Ou, na linha do “minha aldeia é o mundo” e sendo o Pará uma sociedade tão complexa e sincretista, há material suficiente para uma carreira inteira? Pode sair do seu lugar de origem para ambientar uma obra futura?

O Pará e Belém são assuntos ótimos. Tudo o que escrevi até hoje tem a ver com isso. Mas nada me impede de ter outras ideias, também. Sou absolutamente livre para escrever sobre o que quiser. Escritores de best sellers parecem escrever o mesmo livro há longos anos e são admirados. O estilo será o mesmo. As histórias, sempre diferentes.

Se fosse possível traçar um desejo, e não apenas individual, mas amplo, o que seria essencial para mudar o cenário que encontramos em 2015 em todo o país em termos de literatura, etc?

Educação. Temos, hoje, pelo menos umas três gerações perdidas, sem cultura, educação, ética, nada. Não sou técnico, mas é preciso cuidar imediatamente das novas gerações. Um choque brutal. Para tudo. Recomeça. Em uns doze anos, talvez tenhamos algum horizonte. Com isso, a literatura. O que fazer com essas gerações perdidas? Não sei. Mas sei que não se pode dar a um moleque que passa o dia mexendo com twitter, whatsapp, facebook e outros, um Machado de Assis para ler. O cara precisa se identificar com a linguagem. Precisa gostar. Não ler por obrigação. Mais tarde ele procurará por Machado.

Seria arbitrário identificar um eixo comum para a geração 00 ou, em termos práticos, você enxerga alguém capaz de quebrar o nicho a que a literatura está normalmente confinada? Isto é importante?

Não vou citar nomes. Fatalmente esqueceria alguém. Mas tenho gostado de alguns jovens escritores. Gosto dos temas, da linguagem. É preciso ousar. Com a internet, os jovens têm acesso ao que é produzido no mundo inteiro. Precisamos ganhar essa aposta com textos fortes, criativos e interessantes. O grande problema é chegar a eles. Interessá-los. Tirá-los dos smartphones. E isso tem a ver com a questão de educação.  

A desigualdade social brasileira – uma das 10 maiores do mundo – de alguma forma, e longe do clichê tão normalmente abordado na arte nacional (por gente da classe média alta) é um dos panos de fundo da sua narrativa? O Pará é um universo simbólico neste aspecto e na “ausência de lei” em algumas regiões. O Brasil profundo que a maioria das capitais gosta de não enxergar. É possível que isto seja um dos fatores fundamentais do seu texto? 

O Brasil é muito grande. O Pará, também. Terra de contrastes. Talvez o Estado potencialmente mais rico e ao mesmo tempo, economicamente um dos mais pobres. Com as riquezas descobertas, desesperados correram para ficar ricos. Hoje, jazem pelas ruas esfomeados, sem porvir. O Marajó é a maior ilha fluvial do mundo. Um arquipélago de cem ilhas. A Lei não chega. A miséria é maior. O Estado é incompetente. Falta tudo. Vira lei do cão. Lei da selva. Manda o mais forte. São esses contrastes que me interessam. Que fazem minha literatura. Dou voz aos ricos e a quem está nas sombras, perdido, assustado, armando o bote para alguma presa.

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