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A busca da pureza (e a cadeia alimentar)

Em tempos pretensiosamente “modernos”, onde tudo é fundido, misturado, remixado, falar em “pureza”, por si só, soa arcaico. Óbvio que não se fala aqui de qualquer busca da “pureza moral”, sexual, de caráter, etc, algo que cheira a conservadorismo extremo, além de no mínimo estúpido e infrutífero.

A pureza do título é, principalmente, do consumo e da alimentação. Outra vez, a ideia não é cair no papo “ecochato”, vegan chiita nem nada do gênero. Longe de mim. Vade retro. Fato é que quase nada do que comemos e bebemos é puro. Desde os iogurtes, recheados de conservantes, gomas, essências, coloríficos até a cerveja, igualmente imersa em cereais não maltados (milho, arroz e o que mais se puder imaginar), aditivos e corantes medonhos. Comida industrializada é um show de sódio, açúcar, gorduras saturadas e trans, farinhas “especiais”, conservantes que mantém a “validade” por meses a fio.

Independente de se gostar ou não dessa história, de simpatizar com essas preocupações ou não, é a sua vida. Simples assim. Uma escolha que você faz absolutamente todos os dias, por diversas vezes. E que pode definir a qualidade da sua existência, sua imunidade, fator de risco para doenças, dores, influi no funcionamento total do seu corpo: física e mentalmente. Não quero com isso dizer que precisamos todos ser ultra esportistas, manter uma dieta regrada passada por um nutricionista e só comer alimentos A ou B. Não é por aí.

Tentar equilibrar as porcarias que inevitavelmente ingerimos com outras melhores, mais naturais, integrais, puras, etc, faz bem. Sempre que comecei a cuidar da alimentação, tudo melhorou. Tornei a relaxar e o impacto é imediato. Para além das questões pessoais, é bom lembrar porque tudo que comemos é tão entupido de veneno…

Por que? Porque é barato. A escala industrial do capitalismo impôs, necessariamente, meios extremos de baratear o produto para se obter o maior lucro final. A obviedade da obviedade. E os alimentos seguem a risca esta receita, reproduzida em absolutamente tudo que conhecemos e consumimos. Com a diferença de que roupas, carros, utensílios, etc, não ingerimos. Ou seja…sempre faço questão de tentar sugerir que, pelo menos, crie-se o hábito de conferir os rótulos dos produtos. Está ali descrito, muitas vezes sob mentiras, termos confusos e sinônimos malandros, todo o lixo que mandamos para dentro com a maior felicidade.

Se é no bolso que dói mais, basta observar que tudo que é industrial é mais barato, ralo, de baixa qualidade. Alimentos naturais, integrais, etc, mais caros. Mesmo que, às vezes, sendo cultivados e produzidos por métodos mais em conta que o “tradicional”. Podemos substituir muita coisa da nossa escala de produção com inúmeros benefícios: econômicos, para a natureza e para quem consome. Parece um bom negócio, não?

Você pode não gostar, mas a diferença é nítida cada vez que se põe algo na boca. Muita gente “adora” cerveja, é consumidor contumaz há anos e nunca tomou uma de verdade. Quando toma, pode até estranhar. Pode ser que, no fundo, a pessoa nem goste de cerveja, mas daquela outra coisa que ela acostumou e foi adestrada a “apreciar”.

De todos os clichês e obviedades do mundo, um é indiscutível: enquanto estivermos fundados sob a escala industrial, o padrão de consumo extremo, a velocidade, a potência, a plena indiferença ante os mínimos direitos do outro e no desrespeito mútuo, no maniqueísmo e na exploração alheia (base da maioria das relações profissionais e até pessoais), tudo só vai piorar.

Você pode não gostar, mas vivencia tudo isso diariamente: no que come, no trânsito infernal, na sua relação com seu chefe, nas filas e nas mais variadas situações de convivência social transgredidas, na falta de educação e do respeito, na violência, nas querelas financeiras com os pais, os filhos, os parceiros, talvez até com os amigos. Um querendo se impor sob o outro pela “autoridade” que o dinheiro dá.

Para usar uma expressão popular: tá tudo dominado.

A solução? É aquela que todos nós conhecemos. Mas a verdade é que ninguém quer abrir mão de nada. Eu inclusive. Especialmente aqueles que saem da pobreza/classe média baixa agora. Quando chegam na festa alguém vira e diz que já acabou?

Traduzindo: quanto mais o capitalismo gera “desenvolvimento”, nos moldes que ele mesmo introduziu, mais o mundo caminha para o colapso. Quanto mais gente começa a alcançar o padrão de consumo dos estadunidenses e até europeus, mais rápido as coisas se deterioram. O “progresso” é seu próprio predador.

Do outro lado, não conheço nenhum “alternativo” que já não esteja com sua vida estabelecida, as coisas ganhas, os filhos encaminhados, que já não desfrutou do que bem quis. Repare. As “soluções” propostas, 90% paliativas, não encontram eco (ironia) em quem, no fundo, não tá nem aí pra isso. Parte por falta de formação, parte porque quer “tudo que tem direito” mesmo e o resto que vá para o inferno.

Agora é que tudo começa a ficar cada vez mais rápido, potente, destruidor, espetaculoso. Do jeitinho que nós adoramos. Prepare a pipoca. “Aproveite” o show.

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