Lá fora o sol brilha desafiador e a brisa fresca persiste. A chuva vai rareando e o céu adquire outra tonalidade. Acabou o verão. Não pude estar próximo do oceano, sentir as suas bençãos, o sabor da maresia, a paz que transmite em dias tranquilos. Tenho uma relação umbilical com o mar: sinto o gosto da água salgada na boca desde o ventre da minha mãe. Pela primeira vez em muito tempo fiquei preso nas montanhas, refém da chuva impiedosa, do lodo acumulado, dos dias nublados que passam sem deixar rastro.
Mas o verão é, inevitavelmente, tempo de mudança. Meus 5 últimos, com certeza, provaram transformações que costumam se aquietar em outras épocas do ano. Os 3 meses do verão são agitados, de tormentas e desatino. Não raro apaixonantes, intensos, tristes ou explosivos. Não há meio termo no verão: não se gosta mais ou menos dele. Os corpos ficam mais macios. As noites caem com rapidez. Somos tomados por sentimentos de todas as naturezas. E vários ao mesmo tempo. Fica um lastro que ainda será digerido no outono e compreendido talvez só lá pelo meio do inverno, nas bicas de agosto.
Talvez tenha acabado o verão, diz o mestre. Uma lua excepcionalmente vistosa ainda veio se despedir. Um último fôlego de grandeza. O fim do verão é também o início do ano. Porque não dá para se deixar sufocar inteiramente pelas obrigações ordinárias da vida no verão. Triste de quem o faz. Não se passa esses 3 meses incólume. É, por excelência, a estação em que vislumbramos um pouco mais de liberdade e ousadia. Onde muito é permitido, mas nem tudo convém.
Lembro do rebolado dela passeando de mãos dadas comigo. Das brincadeiras na areia. Da pele ardida como de quem não conhecia o mar, apesar das décadas de intimidade. Do cheiro gostoso do seu cabelo e da frescura do seu corpo após um bom banho de água doce. Daqueles que só revigoram daquela maneira porque experimentamos o sal antes. Não, ela não precisava do verão para ficar mais bonita. Era apenas a convergência de duas delícias naturais. Tão piegas quanto verdadeiro. Somos todos hiperbólicos no verão.
Ali embaixo daquele solstício que parecia não terminar nunca eu a fitava com admiração genuína. O trópico de capricórnio enviava sua benção. Como se os 10 anos da Macondo solar de García Marquez se condensasse num dia. Tínhamos passado por muita coisa para chegar até ali. A turbulência de um mar agitado, levemente amarelado, revelando diversos tons de azul. Em verdade, aquilo poderia muito bem ser infindável. O sorriso no rosto permanece até agora. Só resta a figura dela deitada na areia, o corpo quente atrelado ao meu, o sabor agridoce dos seus lábios. Não há outra possibilidade aceitável. Estou lá. Estou lá.