Filmes

Melancholia: o 2012 de Lars Von Trier

Em algum momento da sua carreira Lars Von Trier passou a acreditar – e se auto-proclamar, diga-se – que é mesmo “o melhor diretor do mundo”. A aclamação absurda de “Dogville”, ancorada pelo menos num ótimo filme, não fez bem pra sua cabeça, seu ego e seu cinema, supervalorizado desde o surgimento com o “manifesto” Dogma 95.

Curiosamente, nos últimos anos, essa segurança em ser “o melhor do mundo” veio acompanhada por uma necessidade adolescente de criar polêmicas baratas em Cannes: em 2009 com “O Anticristo”, ao afirmar que tinha feito o filme com “60% da capacidade mental” ou novamente este ano no festival francês onde declarou “simpatia” por Hitler, tendo que se explicar até hoje. Artifícios ridículos para qualquer um, ainda mais para um diretor que se propõe ter um certo quilate. Talvez pelo receio de deixar o seu cinema falar e atrair a atenção por conta própria.

“Melancholia”, o filme de ficção científica de Von Trier, não poderia ter paralelo mais irônico com o “2012” de Roland Emmerich. Enquanto o segundo é fruto do histrionismo mais absurdo e abjeto possível de Hollywood, Von Trier, como já conhecido, prima pelo minimalismo, a construção de climas de tensão, medo, angústia, dúvida e um certo desconforto onipresente. No máximo em que um filme, em última instância, sobre a destruição da humanidade, pode ser sutil.

Kirsten Dunst consegue passar toda a aflição que lhe cabe como peso dramático central do que está por vir e soa como uma escolha melhor que Penélope Cruz, para quem o papel foi inicialmente pensado. O casamento da sua Justine com Michael (Alexander Skarsgard), que toma boa parte da película, é o prólogo em que Von Trier pode trabalhar todas as tensões do seu argumento principal. A família destruída, o casamento de realização irreal, a pseudo-alegria que logo será despedaçada, o peso das convenções sociais em situações de constrangimento cortante.

Aí brilham coadjuvantes de peso como John Hurt e Charlote Rampling. Mas a premissa, tão bem explorada por diretores com talento infinitamente maior que Von Trier, escorrega naquela gratuidade perigosa que o dinamarquês costuma entrar. O mal estar permanente de Justine, as crises, a obsessão vazia do John de Kiefer Sutherland e uma perdida Charlotte Gainsbourg, a quem a segunda metade é dedicada.  Trier consegue criar belas imagens: todas elas plásticas. A relação e influência dos astros na história é sempre óbvia e rasa demais. Não que saber de antemão o que irá acontecer seja um problema em si, especialmente num filme-catástrofe.

Mas “Melancholia” sofre com a auto-indulgência e a zona de semi-deus em que Von Trier acredita pertencer. Fornece pistas infantis: o buraco de golfe número 19, o cavalo que jamais atravessa a ponte, a súbita tomada messiânica de Claire, etc. De desconforto familiar, a agonia artificial dos personagens em nenhum momento sai da tela para atingir os espectadores com a pretensão que tem. Um filme razoável que fica abaixo do que poderia ser. Mais palatável, provavelmente, a quem se identificar com a angústia retratada. Mesmo com todas as ressalvas possíveis, a beleza da melancolia, aqui, se presta quase que totalmente ao ego megalomaníaco de Von Trier.

Padrão