A brilhante estreia de José Castello no Suplemento Pernambuco, resumindo muito do que eu acredito na literatura (e muito do que está errado hoje em dia na nossa eterna obsessão tecnicista). Um trecho:
“Vivemos a era da técnica — vivemos o tempo da perícia, da habilidade e da atuação. O tempo do desempenho e da competência. Flaubert, porém, desprezava enfaticamente os engenhosos. Defendia a força, e não a engenhosidade. No lugar da destreza, preferia a potência. Entendia que a maior característica do artista era justamente ser forte, e não ser hábil. “Logo, o que eu mais detesto nas artes, o que me crispa, é o engenhoso”. Não se trata de fazer bem feito. Tampouco de ostentar autoridade, ou competência. Trata-se de outra coisa bem mais difícil: da doação. Ou o escritor se entrega a sua escrita, ou ele a faz com sangue e com febre, ou nada o salvará. Nem a elegância, nem a correção, nem a habilidade. Nada. Por isso o escritor não deve ser visto como um técnico que desempenha adequadamente seu papel, mas como um homem que, entregue a seus impulsos e à sua desordem interior, simplesmente se deixa fazer. Faz até o que desconhece. Faz até o que não sabe que faz.
É por isso que as palavras deformam e aniquilam aqueles que escrevem. “Estou arrasado de fadigas e de fadiga e de tédio”, diz Flaubert no ano de 1853. No período em que se dedica a escrever sua Bovary, ele desabafa: “Esse livro me mata; nunca mais farei nada semelhante”. Não é fácil lidar com sentimentos e impulsos extremos. Não é nada fácil encarnar o outro. Exausto, retido sob o peso da própria escrita, Flaubert reconhece, porém, que não lhe resta outro caminho. Que escrever é isso: entregar-se, deixar-se aniquilar, submergir. Nada daquela escrita asséptica e “bem editada” que tanto fascina os escritores _ e os editores _ de hoje. Escrever é meter as mãos na imundície. É sujar-se daquilo que se desconhece, ou nada que preste se fará.”