Política & Economia

A desigualdade comprova: o capitalismo falhou para 99% da humanidade

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O relatório mais recente da Oxfam, ONG que é a maior referência mundial no tema, confirma o que a própria Oxfam e tantos especialistas e analistas sérios (Paul Krugman, Thomas Piketty e outros) vem repetindo e estudando nos últimos anos: o mundo nunca esteve tão desigual, a crise de 2008 aprofundou o lucro do 1% mais rico da população, a igualdade de gênero é uma realidade distante e a evasão fiscal e o lobby são instrumentos fartamente usados para potencializar esses lucros irreais e piorar sistematicamente a situação de quem está na base da pirâmide. Destaquei alguns pontos essenciais do relatório completo, disponível aqui.

  • Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas – a metade mais afetada pela pobreza da humanidade. Esse número representa uma queda em relação aos 388 indivíduos que se enquadravam nessa categoria há bem pouco tempo, em 2010.
  • A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em 44% nos cinco anos decorridos desde 2010 – o que representa um aumento de mais de meio trilhão de dólares (US$ 542 bilhões) nessa riqueza, que saltou para US$ 1,76 trilhão. 
  •  Ao mesmo tempo, a riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de um trilhão de dólares no mesmo período – uma queda de 41%.
  •  Desde a virada do século, a metade da população mundial mais afetada pela pobreza ficou com apenas 1% do aumento total da riqueza global, enquanto metade desse aumento beneficiou a camada mais rica de 1% da população.
  • O rendimento médio anual dos 10% da população mundial mais afetados pela pobreza no mundo aumentou menos de US$ 3 em quase um quarto de século. Sua renda diária aumentou menos de um centavo a cada ano.
  •  Segundo uma estimativa recente, riquezas individuais que somam US$ 7,6 trilhões – equivalentes a mais que o produto interno bruto (PIB) combinado do Reino Unido e da Alemanha – estão sendo mantidas offshore atualmente.
  • A instituição observou ainda que a distância salarial entre os gêneros também é maior em sociedades mais desiguais. É interessante observar que 53 das 62 pessoas mais ricas do mundo são homens. 
  • Em todo o mundo, o impacto ambiental médio do 1% mais rico da população mundial pode ser até 175 vezes mais intenso que o dos 10% mais pobres. 
  • Os salários dos diretores executivos das maiores empresas norte-americanas aumentaram em mais da metade (54,3%) desde 2009, enquanto os dos trabalhadores permaneceram praticamente inalterados. O diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa. As mulheres ocupam apenas 24 dos cargos de direção executiva das empresas listadas na Fortune 500. 
  • A evasão fiscal é um problema que está se agravando rapidamente. A Oxfam analisou 200 empresas, entre as quais as maiores do mundo e as que são parceiras estratégicas do Fórum Econômico Mundial, e verificou que nove de cada dez delas estão presentes em pelo menos um paraíso fiscal. Em 2014, os investimentos de empresas nesses paraísos fiscais foram quase quatro vezes maiores do que em 2001.
  • Quase um terço (30%) da riqueza dos africanos ricos – que totaliza US$ 500 bilhões – é mantido em paraísos fiscais offshore. Estima-se que essa prática custe US$ 14 bilhões por ano em receitas fiscais perdidas para os países africanos. Esse valor é suficiente para oferecer serviços de saúde que poderiam salvar a vida de 4 milhões de crianças e empregar professores em número suficiente para que todas as crianças africanas pudessem frequentar uma escola.
  • O setor financeiro tem crescido mais rapidamente nas últimas décadas e é atualmente responsável por um de cada cinco bilionários. Nesse setor, a diferença entre salários e benefícios e o valor efetivamente agregado à economia é maior do que em qualquer outro. Um estudo realizado recentemente pela OCDE revelou que países com setores financeiros inchados caracterizam-se por uma maior instabilidade econômica e uma desigualdade maior. Não há dúvida de que a crise das dívidas públicas provocada pela crise financeira, por resgates de bancos e pela subsequente adoção de políticas de austeridade tem afetado mais intensamente as pessoas pobres. O setor bancário permanece no cerne do sistema dos paraísos fiscais; a maioria da riqueza mantida offshore é gerida por apenas 50 grandes bancos.
  • Empresas farmacêuticas gastaram mais de US$ 228 milhões em 2014 em atividades de lobby em Washington. Quando a Tailândia decidiu emitir uma licença compulsória para uma série de medicamentos essenciais – uma disposição que garante a governos a flexibilidade necessária para produzir medicamentos localmente a um preço bem mais baixo, sem a necessidade de obter a permissão do titular da respectiva patente internacional –, essas empresas pressionaram com sucesso o governo dos Estados Unidos para incluir a Tailândia em uma lista de países que poderiam sofrer sanções comerciais.

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SOLUÇÕES PROPOSTAS PELA OXFAM

  • Garantir o pagamento de um salário digno aos trabalhadores e fechar a distância das bonificações dos executivos: aumentando o salário mínimo para que se torne um salário digno; garantindo a transparência na relação salário-lucro; e protegendo os direitos dos trabalhadores à sindicalização e à greve.
  • Promover a igualdade econômica das mulheres e seus direitos: oferecendo compensação pela prestação de cuidados não remunerados; eliminando a distância salarial entre os gêneros; promovendo direitos iguais de herança e de titularidade de terras para as mulheres; e melhorando a coleta de dados para avaliar como mulheres e meninas são afetadas por políticas econômicas.
  • Controlar a influência de elites poderosas: estabelecendo registros obrigatórios de atividades de lobby e normas mais robustas para conflitos de interesse; garantindo que informações de boa qualidade sobre processos administrativos e orçamentários sejam publicamente divulgadas e facilmente acessíveis; reformando o ambiente regulatório, com ênfase na promoção da transparência governamental; separando empresas do financiamento de campanhas; e adotando medidas para fechar as “portas giratórias” entre grandes empresas e o governo.
  • Mudar o sistema global de P&D e de fixação de preços para medicamentos para que todos tenham acesso a medicamentos adequados e acessíveis: negociando um novo tratado global de P&D; aumentando investimentos em medicamentos, incluindo em medicamente genéricos acessíveis; e excluindo normas de propriedade intelectual de acordos comerciais. O financiamento de P&D deve ser desvinculado da fixação de preços de medicamentos para romper os monopólios das empresas e garantir um financiamento adequado para atividades de P&D em torno de terapias necessárias e a acessibilidade dos produtos resultantes.
  • Dividir a carga tributária em bases justas: diminuindo o peso da carga tributária sobre o trabalho e o consumo e aumentando essa carga sobre a riqueza, o capital e a renda decorrente desses ativos; aumentando a transparência dos incentivos fiscais; e adotando impostos nacionais sobre grandes fortunas.
  • Adotar medidas progressistas em relação aos gastos públicos para combater a desigualdade: priorizando políticas, práticas e gastos que aumentem o financiamento de sistemas públicos de saúde e educação no sentido de combater a pobreza e a desigualdade em nível nacional. Abrindo mão de promover reformas não comprovadas e impraticáveis baseadas na lógica do mercado nos sistemas públicos de saúde e educação e ampliando a prestação de serviços essenciais por parte do setor público e não do privado.
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