O Super Notícia nasceu como o “filhote popular” do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, na esteira do que já acontecia em anos anteriores em outros lugares do Brasil. O início dos anos 2000 marcou a avalanche dos tais jornais populares pelo país, a deterioração – em certa medida – dos jornais mais “acessíveis” sempre presentes em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. As capitais que não tinham o seu representante foram recebendo: Notícia Agora no Espírito Santo (cria do A Gazeta) e o próprio Super em BH, que originou o “contra-ataque” do Diários Associados, lançando o “Aqui” em Belo Horizonte e Brasília.
De 2002, quando surgiu, até o estouro em 2007, quando se tornou o jornal mais vendido do Brasil, com mais de 300 mil exemplares por dia, o Super soube rapidamente estudar o mercado e chegar até o público. Em toda esquina movimentada de Belo Horizonte foi colocado um vendedor do Super. Literalmente. Nos sinais, mesma coisa. Extremamente vendido nos ônibus e coletivos em geral. O preço de apenas 0,25 centavos tornava acessível a qualquer um e garantia a agilidade no ato de “receber e entregar”. Bom lembrar que o preço que foi fundamental na sua virada: inicialmente, nos primeiros anos, custava R$ 50. Quando reduziu pela metade é que o boom aconteceu. Tanto que, naturalmente, este valor não foi aumentado até hoje.
O “fenômeno”, então, gerou estudos diversos que se perpetuam: quais as implicações mercadológicas, sociais, econômicas, jornalísticas, ideológicas, etc, que a proliferação destes periódicos representa? Como vejo, há muito menos glamour e mistério nisso tudo, ao contrário do que muitos gostariam.
A fórmula é simples e velha, levada às últimas consequencias: chamadas “impactantes” de capa, geralmente policiais, sem “meio-termo”, futebol, mulheres semi-nuas, televisão, promoções “junte x selos e ganhe y” e um tantinho de “serviço”, o “grita geral” e coisas do gênero. Redações dedicadas a produzir material exclusivo? Repórteres na rua para cobrir as editorias? Minoria. A maioria desses jornais, quase todos, são meras reduções de matérias já feitas pelo jornal principal da casa somada a notícias “curiosas” e/ou “bizarras” que não tiveram espaço por lá e o “tratamento” específico dado. Correio Braziliense>Aqui DF. Estado de Minas>Aqui MG. O Tempo>Super Notícia. A Gazeta> Notícia Agora. Além da fórmula, claro, não ser nossa: mas importada de outros ventos, como as dezenas de jornais populares do Peru, como lembrou a colega Lanna Morais.
Ou seja, os jornais populares foram uma maneira simples que as empresas encontraram de ganhar dinheiro fácil, sem esforço. Fazer com que as redações trabalhem por 2 jornais (e ainda atualizem os sites). É a “sinergia”. Todos os profissionais da casa trabalham para todas as publicações e veículos existentes. Quanto menos jornalistas e mais conteúdo, mais “ramificações”, mais sobrecarga e mais dinheiro, melhor. Já se disse por aí que o jornalismo foi uma das poucas profissões em que o advento massivo da tecnologia não fez melhorar o seu trabalho mas, ao contrário, gerou um acúmulo de atribuições e incremento na carga horária. Sintoma que os jornais populares representam apenas uma parte da história. Assunto para ser desenvolvido melhor em outro texto.
Acho até natural que colegas se empolguem com o Super. Muitas vezes, os “populares” são vistos como uma espécie de “resposta” aos jornalões. Não são. Por mais contaminados e/ou comprometidos que cada grande jornal pode estar com quem paga sua estrutura, tendenciosos ou não e de ideologia “subliminar”, perto da fórmula dos populares os tubarões soam como reduto exemplar de inteligência. Dada a quantidade de ótimos jornalistas que, enfim, trabalham para eles. Um clichê cabe bem aqui: “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.
Uma das principais virtudes de jornais como o Super seria conquistar leitores que não leriam nenhum jornal, em condições “normais”. Formar leitores, disseminar a leitura, chegar onde nenhum outro veículo impresso chega. Classes D e E, principalmente. Não dá para negar que isto realmente acontece. Mas não é possível, também, esquecer que este trabalho é muito mal-feito. Qual o sentido, afinal, em entregar aos seus leitores a deterioração de algo e de todos os temas que a TV já trata tão bem? A TV que, ao lado do rádio, são os únicos veículos realmente populares do Brasil. Quando digo “trata tão bem” quero sinalizar que melhor que os populares. O que já não é lá grande coisa.
Ao entregar um pastiche diário de coisas que o público já está saturado de ver e saber, o argumento de “formar leitores” e sua “importância” é no mínimo questionável. Aqui entra o preconceito central: a crença de que o povo gosta mesmo daquilo que lhe é empurrado. E só disso. O que acho um dos pensamentos históricos mais nefastos e perigosos que tenho notícia. O “interesse” do público passa necessariamente pelo custo. Por quanto quem mal tem dinheiro para pagar as contas pode desembolsar por informação e entretenimento.
“O povão só gosta de tosqueira, apelações e material de baixa qualidade”. Imagem, escândalos, impacto. Será? Me parece que quando a “alta cultura” se permite chegar até ele, a coisa muda. Que quando programas que normalmente tem um custo elevadíssimo passam a custar o mesmo que atrações “populares”, a resposta é parecida. Ficando em Belo Horizonte: os concertos de música clássica organizados no Parque Municipal, gratuito, aos domingos, estavam sempre lotados. Cheios da mesma forma que uma atração musical “popular” geralmente fica. Todo ano, a “campanha de popularização do teatro”, com ingressos a R$ 10, em média, atrai milhares e milhares de pessoas. Com o fim da campanha e os ingressos voltando ao preço normal, o teatro fica novamente restrito aos apaixonados e pessoas do meio. Se a programação de todas as emissoras abertas fosse levemente modificada, para coisas com um pouco mais de substância, o público deixaria de ver TV?
Meu ponto é simples: quando o que é bom – independente de classificações ultrapassadas e discussões débeis sobre “alta” e “baixa” cultura, o que é válido e o que não é, que simplesmente não cabem mais num mundo minimamente aceitável – chega até o público, quando isto chega até o que ele pode pagar, a resposta é sempre ótima. Será que um jornalismo com um pouco mais de caldo e reflexão, vendido a preço popular, não teria sucesso também? Jornalismo de verdade custa caro, sim. Nada que impeça alternativas comerciais e de conteúdo no meio do caminho. Falta interesse das empresas, sobra ranço, preconceito de classe e má vontade.
Não é de espantar que as elites – quem determina, publica, veicula o conteúdo jornalístico e de entretenimento – trate o “povo” com desdém e tenha a “crença” – quase uma necessidade – de que pra ser “popular” não é preciso grande coisa. Como sabemos, é realmente muito perigoso que o povo desenvolva a crítica e o pensamento. É mais inofensivo e mais confortável manter as coisas como sempre foram.