A internet e tudo que ela trouxe ao seu redor, como campo consideravelmente novo de estudo e experiência prática, carrega na sua história uma tonelada de previsões ao longo do tempo. É curioso observar como os intelectuais, jornalistas, pensadores (etc) tentaram antecipar algumas das mudanças cruciais que estavam para acontecer. Muitas dessas previsões, claro, passavam como delírio ou erraram feito em pontos importantes. Normal.
Alguns, no entanto, acertaram bastante. Como Robert Kaiser, em 1992. Na época editor-administrativo do Washington Post, Kaiser foi convidado pela Apple a pensar sobre as transformações que poderiam acontecer e como isso impactaria toda a mídia, a forma de se fazer jornalismo, a interatividade com o usuário e como obter lucro. Kaiser apresentou seu artigo numa conferência no Japão.
O texto, disponível completo aqui, faz 20 anos este mês.
Em meio a diversas considerações, chamo atenção para duas. Kaiser pondera:
“It is widely assumed among computer people that the public will love the idea of playing editor — of organizing the information stream around personal needs and preferences to create individualized “newspapers.”
Familiar, não? Incrível observar como isso se manifestou literalmente de uma infinidade de maneiras, seja nos próprios blogs, nas redes sociais, nos agregadores de RSS, em ferramentas como o Digg, o Delicious, o Paper.li e por aí afora.
Em outro trecho, Kaiser lembra algo fundamental que muitos (muitos) veículos ainda não sabem aplicar corretamente na migração do papel para o online, na maioria das vezes replicando parcamente a estrutura do jornal no site e ignorando, afinal, muito do que foi feito e implantado até hoje. Embora isso tenha mudado bastante.
“Many at the conference talked about the way we tend to use new media first to replicate the products produced by old media — so early TV consisted of visible radio shows, for example. With this in mind, our electronic Post should be thought of not as a newspaper on a screen, but (perhaps) as a computer game converted to a serious purpose. In other words, it should be a computer product.”
Numa tacada, Kaiser lembra o principal: o jornal online é um produto novo. Não é uma réplica do papel. Daí lembramos da alegada “sinergia” que a maioria das empresas de comunicação faz, colocando seu site apenas como “algo a mais”, uma cópia de luxo e cheia de penduricalhos do jornal impresso, do fato de colocarem, muitas vezes, a mesma equipe para fazer as duas coisas, o que mostra não só a penúria geral do profissional e a pobreza (também) de mentalidade dos patrões.
Mas Kaiser, talvez numa analogia mais espontânea que técnica, de certa forma antecipa o conceito de newsgames, que somente hoje tem começado a ser aplicado de maneira mais extensiva e inteligente.
E ele também pondera sobre como ter lucro nesse novo meio, nesse novo jornalismo. Afirma:
“More interesting are packages of text, photos and film that could be used to create customized news products at many different levels of sophistication. At the top end, such a product might contain the text (or spoken text) of a Post story on the big news of the day, accompanied by CNN’s live footage and/or Post photographers’pictures, plus instantly available background on the story, its principal actors, earlier stories on the same subject, etc. All of this could be read on segments of a large, bright and easy-to-read screen (screens are also being improved at a great rate). Of course the prophets also foresee a lot of advertising on this new medium, predicting that it will have great power because of its ability to give consumers exactly what they want — all the ads for used 4-wheel-drive vehicles, or all the women’s-wear stores having sales today, or all the theaters showing “Hook,” etc. And there are countless ideas for entertainment and games. One that struck my fancy would allow kids (of all ages) to put themselves into familiar movies, actually adding new characters, new dialogue, etc.”
É recomendável ler o artigo todo para uma compreensão total. Coisa que é difícil de superar até hoje: a preguiça intelectual do leitor, na internet ou fora dela.
Ainda cambaleante, a mídia tenta descobrir qual a melhor maneira de lucrar com os seus produtos online, interativos, etc. Nenhuma fórmula única de sucesso foi – ou será – descoberta. O caminho óbvio parece, antes de tudo, conteúdo original e realmente pensado para o online. Depois, estratégias híbridas de anúncios e geração de receitas, explorando as diversas potencialidades disponíveis.
Fechar o site para acesso restrito, deixando apenas um número X de textos gratuitos para o público em geral, modelo que foi adotado recentemente pelo New York Times e Folha de São Paulo, parece mais uma tentativa desesperada de conseguir receita do que propriamente algo benéfico para veículo e público. Bom jornalismo custa caro, é fato. Ao mesmo tempo, diante da quantidade absurda de boas fontes de conhecimento gratuitas na web, o público me parece pouco disposto a pagar por informação.
Exceto quando você consegue realmente oferecer um pacote único e que valha a pena para o leitor. Ainda vamos tropeçar bastante no caminho até chegar numa solução razoável.
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