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A farra dos royalties do petróleo no Brasil

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Matéria da Exame, baseada num estudo da Macroplan, mostra o que está acontecendo nas principais cidades que receberam os royalties do petróleo no Brasil na última década. Surpresa: podendo fazer o que bem entendem com o recurso, explodem casos de corrupção pura e simples, de desvio de verbas, de dinheiro mal aplicado, de nenhuma distribuição social da riqueza, de índices precários de infra-estrutura, educação, emprego, etc.

A matéria da Exame está aqui. E o estudo completo da Macroplan, fundamental para o entendimento amplo da situação, aqui.

O tema me é especialmente caro por um motivo simples: sou do norte do Espírito Santo, região de grande atividade petrolífera.

Mas o importante é o quadro geral das 25 cidades analisadas que ela mostra. Foram 16 do Rio de Janeiro, 4 de São Paulo e 5 do Espírito Santo. Segundo a Macroplan, a seleção dos municípios seguiu dois critérios: municípios com receita anual de royalties e participações especiais acima de R$ 20 milhões e a receita de royalties per capita acima de R$300, em 2010. O período de análise é a década de 2000. As cidades foram escolhidas pela importância dos royalties em suas contas públicas e da atividade petrolífera em suas economias, além de apresentarem diferentes grandezas demográficas e estarem distribuídas nos três estados participantes do estudo.

Chama atenção essa análise:

“Em geral, o modelo de gestão utilizado não apresenta inovações. Não foi evidenciada a utilização das modernas ferramentas de gestão para ampliar a capacidade institucional e melhorar a elaboração, execução e monitoramento dos projetos prioritários, em particular de infraestrutura, educação e saúde, para atender às exigências impostas pela necessidade de ampliar e melhorar a disponibilidade da oferta de qualidade dos serviços prestados.

É reduzida a transparência na alocação dos recursos e os mecanismos de controle são precários. No campo da gestão financeira não há evidências da formação de fundos permanentes de poupança e investimento, para mitigar problemas decorrentes da evolução cíclica dos royalties ou de seu declínio no futuro. Os municípios analisados também não apresentam estratégias consistentes de desenvolvimento sustentável no longo prazo. A existência de planos de governo voltados para a construção do futuro não foi detectada nestes municípios. O direcionamento dos recursos para políticas públicas que viabilizem a diversificação produtiva e o desenvolvimento sustentado das economias não ocupa um espaço significativo na agenda dos governos municipais, com raras exceções.”

De modo geral, os municípios aumentaram o gasto com receitas de pessoal, investiram mal ou ainda reduziram o nível de investimento, comprometendo os recursos dos royalties com folha de pagamento e ignorando completamente a infra-estrutura. O crescimento populacional trago em função da indústria do petróleo não representou desenvolvimento local como deveria, já que a maior parte da mão de obra qualificada precisou vir de fora. Ao contrário, o desemprego aumentou nestas cidades.

Chama a atenção o caso de Campos, no Rio de Janeiro, que recebeu quase 2 bilhões de royalties na última década, ficando em primeiro no ranking de recursos. A reportagem destaca a construção de um sambódromo que consumiu R$ 80 milhões, enquanto escolas da cidade sofrem com a estrutura precária e a falta de contratação de professores. Atualmente, Campos é governada por Rosinha Garotinho, esposa de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro, investigado por inúmeros casos de corrupção.

Especificamente sobre educação, o estudo afirma:

“A grande maioria das cidades tem um desempenho educacional, medido pelo Índice da Educação Básica (IDEB) 3, abaixo do brasileiro e do estadual. Em termos de evolução deste indicador dos anos finais do Ensino Fundamental, avanços mais lentos do que a média dos Estados foram verificados em 9 municípios, sendo que 3 registraram queda no indicador: São João da Barra, Silva Jardim e Cachoeiras de Macacu. Observa-se resultado positivo e superior aos Estados em 16 municípios, com destaque para os municípios do ES (com exceção de Presidente Kennedy).

A situação é mais crítica nos anos finais do ensino fundamental. Como representado no gráfico, 7 cidades apresentaram variação negativa e em 3 municípios o índice ficou estagnado (todos no Estado do Rio de Janeiro e Presidente Kennedy). São também os que apresentam menores índices.

A taxa de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos, medida pelo Censo (IBGE) para o ano de 2010, mostrou, em 20 das 25 cidades, um patamar mais elevado do que seus respectivos Estados (as exceções são Rio das Ostras, Macaé, Mangaratiba, Aracruz e Anchieta).”

O resultado é considerado igualmente crítico em saúde, segurança, desenvolvimento sócio-econômico, percentual de pobreza extrema mais alta que a média dos estados, acesso à tecnologia e informação, cultura, lazer e meio-ambiente, serviços básicos e estrutura.

Em suma, o estudo deixa claro o quanto os recursos dos royalties do petróleo vem sendo desperdiçados, mal investidos ou simplesmente desviado na imensa maioria dos municípios. Perante o atual debate da nova distribuição sobre os royalties entre estados produtores e não produtores e os novos cálculos, parece urgente estabelecer regras rígidas e fiscalização permanente sobre a maneira como os municípios devem investir esses recursos.

A parte final do estudo contém propostas de melhorias possíveis para as cidades que recebem royalties, listando algumas medidas a serem implementadas e também tenta pensar o futuro dessas cidades, do pré-sal e dos royalties.

A presidenta Dilma e o ministro da educação, Aloizio Mercadante, defendem a aplicação de 100% dos royalties em educação para cumprir o compromisso de investimento de 10% do PIB do Brasil na área até 2020. Estabelecendo diretrizes claras e mecanismos eficazes para a prestação de contas, parece uma das soluções possíveis para a farra sem nenhum controle que é praticada nessas cidades atualmente. Riqueza finita que não pode ser desperdiçada.

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