Em dezembro tive a oportunidade de conferir parte do Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo, em 4 dias de debates, apresentações e reinvidicações. Quilombolas são os descendentes de escravos que formaram os agrupamentos de resistência de refugiados intitulados quilombos. Hoje, no Jornal da Cultura, que está fazendo um especial sobre o tema, foi denunciado a situação política delicada que muitas destas comunidades vivem.
Com o direito reconhecido desde a Constituição de 1988, as mais de 2.000 comunidades quilombolas do país têm direito adquirido à terra. Mas, até hoje, dada a tão notória burocracia das instituições, apenas 113 foram reconhecidas, ganhando o processo de titulação. As exigências dificultam o pedido, através de documentos comumente difíceis de se conseguir. Estes grupos, muitas vezes tratados como se a escravidão ainda não tivesse sido extinta (na verdade se transmutou em outras formas), a exemplo deste caso, penam sob o ineficiente e paquidérmico Estado brasileiro. Como se não bastasse, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB), de Santa Catarina, criou projeto de lei que “simplesmente” visa revogar o decreto presidencial 4.887, de 2003, que referendava a titulação e demarcação de terras quilombolas. Em seu site oficial o também engenheiro agrônomo afirma que “o que está em xeque é o direito constitucional de propriedade, pois legítimos donos de terras reivindicadas para os quilombolas correm o risco de perderem suas propriedades”.
Traduzindo: entenda “legítimos donos de terra” como latifundiários que muitas vezes adquiriram suas propriedades através de práticas, digamos, “pouco ortodoxas”, que fazem parte da imunda fundação e “desenvolvimento” deste país, paraíso das oligarquias e do mandatismo rural. Defender os interesses deste grupo de pessoas parece ser, naturalmente, a principal preocupação do deputado. Sem dúvida que os processos de reconhecimento de terra dos quilombolas devem ser rigorosos e sérios, visando beneficiar quem realmente merece e impedindo que aproveitadores se utilizem disto. Isto é o básico que toda ação do tipo deve ter. Daí a revogar o direito adquirido com sangue e exploração destes descendentes é algo que as oligarquias do campo sem dúvida almejam e não devem conseguir. Ainda em seu site, o deputado tem a chamada “já comeu hoje? agradeça a um agricultor”. Mensagem admiravelmente humanitária…(ironia aqui, por favor)…talvez devêssemos perguntar a ele, “desfruta de uma vida confortável hoje, com terras produtivas e boa situação financeira de sua família? agradeça aos quilombolas!”.
Reconhecer o direito à terra que estes povos têm é o mínimo que o Brasil deve. Já que devemos a construção deste país aos escravos, após séculos de exploração e desmando indevido, parece uma migalha dar a eles o que é de direito – e nem isto querem!
Tomar consciência desta situação e destas lutas é fundamental para cada um de nós, contribuindo com o possível.
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