A partir de agora, todas as matérias – principalmente – sobre música serão transferidas para o domínio “Revista Movin’ Up”, que agregará um novo conteúdo atualizado diariamente com notícias locais e internacionais, resenhas, entrevistas, enfim, sendo uma extensão da minha coluna no Whiplash!, bem como o endereço onde está reunido todos meus contatos e este novo projeto, ainda preliminar, tendendo a sofrer modificações com o tempo. Te vejo – também! – por lá!. Obrigado.
Jornalismo – Nas Entrelinhas Do Caos
Eu nunca tive ilusões com o jornalismo. Nunca achei que fosse encontrar um mercado fácil, um curso empolgante, que fosse me maravilhar e ter orgasmos múltiplos a cada aula, cada matéria. Jamais tive a esperança de adentrar uma redação, ter algum talento/esforço/dedicação/interesse reconhecidos, colocar em prática o ideal (suspeito) de “servir à sociedade” e salvar o mundo. Não dou pra super-homem. A realidade é – e sempre foi – um pouco menos colorida. Talvez o jornal não seja preto-e-branco à toa.
Também nunca “decidi” que seria jornalista. Não foi uma decisão mecânica nem um sorteio dentro de um guia do estudante qualquer. Processo natural que culminou num caminho estranhamento óbvio. Sou tarado por informação. Extremamente curioso. Com sede de saber, um pouco mais, daquilo que gosto. Desde novo, a partir dos 10 anos – que me lembro bem – viciado em games e, posteriormente, cinema e música, comprava religiosamente, todo mês, revistas relacionadas a estes assuntos.
E costumava sonhar com jornais prontos frequentemente. Quando ia dormir pensando muito em algo ou querendo saber o resultado de alguma coisa, ou mesmo de modo esporádico, visualizava, perfeitamente, no sonho, toda a matéria de um jornal ou revista, lendo atentamente e acordando achando que aquilo era real! Depois veio, mais forte, a música. E o profundo interesse por ela. Lia, pesquisava, descobria, ouvia, trocava, vivenciava. Paralelo à música, a literatura. Gordinho, tímido, introspectivo, calado, rato de biblioteca, gamer, fascinado por todo aquele universo novo que se desdobrava.
Daí, não sei como nem onde, porque, quem, quando, comecei a escrever. Sem nenhuma pretensão, passei a escrever texto sobre música. Tentando compreender, interpretar e analisar as bandas que ouvia. Para publicá-las na internet, foi um passo. Gradativamente, melhorei, amadureci e me formei na mesma medida em que praticava a escrita, ora, na prática. E aprendi coisas simples na brincadeira: jornalista não é formado, cria-se. E que interesse, pesquisa, curiosidade, cara de pau, leitura, confiança, humildade e determinação são mais do que fundamentais. A faculdade foi conseqüência. Escrever textos bestas como este, também. Aprendi que nada acontece se você não fizer com que aconteça.
Eu nunca tive ilusões. Portanto, nunca me decepcionei. Às vezes, cometo erros propositais, provoco, insisto e bato de frente. Se eu não tiver o prazer de me divertir e incendiar, não tem graça. O engraçado é que o jornalismo, muitas vezes, transita entre o profundamente aborrecido e insuportável, e a imensa satisfação e desejo. Sejamos francos, na mídia tradicional, o jornalismo está morto. Para não ser tão rigoroso, digamos que uns 10% do que é produzido vale – muito – a pena. E tudo aquilo de bom que é feito me faz continuar a acreditar nessa profissão tão maltratada.
Ninguém, em sã consciência, optaria por uma carreira dessa: má remuneração, muitas horas de trabalho, mercado saturado, inchado, insuportável, reino dos jabás, da democracia da cosa nostra, da puxação de saco, disponibilidade quase integral para o veículo, superiores tiranos, nenhuma regulamentação, consciência de classe inexistente e sindicato inoperante, código de ética totalmente desrespeitado, dificuldade de ascensão na carreira, meio infestado de amadores, possibilidades de emprego escassas, estágios não remunerados, mais de 30 mil profissionais formados no país, expectativa média de 10 anos de atuação para os bravamente persistentes, mão de obra gradativamente mais barata, pouco reconhecimento, alta rotatividade e o mercado local, pasmem, ainda mais ingrato e restrito que outros países do mundo.
Afinal, o que leva um ser humano em suas perfeitas faculdades mentais a se formar em jornalismo? Juro que não sei responder a esta pergunta. Talvez uma parte entre iludida com ideais de fama, glamour, sucesso, dinheiro (a realidade de 3% da classe). Outros apenas por ser uma das opções que tinha em mente, curiosidade, sorteio. Outros tantos, ainda, de fato bem intencionados, querendo fazer um bom trabalho dentro do “quarto poder”. E outros, simplesmente, porque não se imaginam fazendo outra coisa na vida – parcela dos quais me incluo. Mas sei que a possibilidade é simplesmente, real.
Pior. No jornalismo, muitas pessoas atuam porque acham que podem fazer o trabalho que um profissional faria. Afinal, escrever, está aí, ao alcance de todos. Um release, uma notícia, uma “crítica”, uma matéria, uma entrevista…todos acham que com um pouco de interesse consegue “dar conta”, levando muita gente que passou longe de uma formação acadêmica a atuar na área e roubar vagas de quem, em tese, deveria as estar ocupando. Há um problema sério nisso: jornalismo, realmente, não se aprende na universidade. Ela não chega a ser inútil, mas o principal, a parte funcional da profissão, que nos é ensinado na teoria e na prática, não chega a ser um mistério. É inconcebível (e a sociedade não aceita, bem como os conselhos de cada profissão não permitem, órgão inexistente no jornalismo) que um engenheiro, médico, professor, advogado, economista, etc, atuem sem terem um diploma. Além de ser uma profissão que se regulamentou tarde, herdando muitos profissionais antigos, formados na prática, todo mundo acha que pode fazer o trabalho que um jornalista faz.
Vai piorar: muitos cursos superiores, seguindo as mudanças das normas do MEC, passarão a ser de apenas 2 anos, englobando somente a parte técnica do jornalismo e excluindo as disciplinas “humanas”, de formação, reflexão, teoria, cultura. Além de isto aumentar a velocidade com que supostos “profissionais” são jogados no mercado, ainda destrói a já precária formação acadêmica de um repórter. Se ter a capacidade de pensar e refletir, o arcabouço teórico e o background cultural já são predicados escassos, os verdadeiros macacos que sairão destas instituições conseguirão a proeza de estar incontáveis níveis abaixo dos símios que hoje são formados. O grosso, as “técnicas” do jornalismo são tão óbvias e fáceis que muitas vezes, pra mim, tornam-se insuportáveis. É preciso descer alguns níveis, transmutar-se num ser um pouco mais burro do que já é para fazer tal matéria. E isto é difícil. Parece engraçado, ou exagero, mas não é. A inteligência, no jornalismo, não é muito bem vinda (muito menos do que seria saudável ou se gostaria de admitir).
Se o prospecto é ruim, e tende a se agravar, só me resta parafrasear o REM: este é o fim do mundo, como o conhecemos, e eu NÃO me sinto muito bem.
Mas não é só apocalipse que resta.
Na verdade, além de utópico e um pouco masoquista, o jornalista encontra alguns benesses na profissão, mas, sobretudo, há o prazer de escrever, conhecer, divulgar, encontrar coisas novas, excitantes, desafios diários entre a pressão, o mau humor, os goles de café, a saúde que vai pro ralo e o salário risível no fim do mês. Mesmo com tudo, consegue ser uma profissão fascinante, divertida, curiosa, recompensadora.
Há pessoas que tem isso no sangue. Que nasceram com palavras correndo em suas veias. Com uma sede impetuosa de conhecimento, informação, cultura…e de compartilhar isto. Como sempre, o que não encontra muita racionalidade, a paixão explica. Uma parte de inclinação, também.
Vivemos em dias estranhos, disse Jim Morrison há mais de 40 anos atrás. Atualmente, isto parece mais “verdadeiro” do que nunca. Há que se ter persistência, desejo, ímpeto, força…e competência, ânimo. Crescer dando murro em lâmina. E melhorar com isso. Não sei como a equação se resolve, repito, “é como se você pegasse o ontem, o hoje, e o amanhã”. Não dá pra dizer o que irá acontecer. E esta, afinal, é a graça da vida.
“Strange days have found us
Strange days have tracked us down
Theyre going to destroy
Our casual joys
We shall go on playing
Or find a new town
Yeah!
Strange eyes fill strange rooms
Voices will signal their tired end
The hostess is grinning
Her guests sleep from sinning
Hear me talk of sin
And you know this is it
Yeah!
Strange days have found us
And through their strange hours
We linger alone
Bodies confused
Memories misused
As we run from the day
To a strange night of stone”
Rufus em BH e o fracasso do mundo – Pílula Pop
Foto: Daniel Oliveira / Pílula Pop
Ao contrário da minha nota jornalística sobre o show, básica, Daniel Oliveira, colaborador do site Pílula Pop, conseguiu captar toda a essência de beleza e melancolia, ironia e dor, presente no show de Rufus Wainwright em Belo Horizonte. E porque eu adoro reconhecer o trabalho de quem tem talento. Confira a resenha do rapaz:
Como eu festejei o fracasso do mundo – Rufus Wainwright ao vivo no Freegells Music – BH
Rufus Wainwright faz ótima apresentação intimista em BH
Nascido nos Estados Unidos e residente no Canadá, Rufus Wainwright, filho dos músicos folk Loudon Wainwright III e Kate McGarrigle, ícone pop, “gay messiah”, reverenciado por inúmeros artistas de renome da música mundial, com cinco álbuns no currículo, trouxe a Belo Horizonte na noite de ontem sua turnê “solo performance”, presenciada por um diminuto mas empolgado público no Freegells Music Hall.
Após tocar no Rio de Janeiro e São Paulo em companhia de sua irmã Martha, e da mãe, Kate, Rufus se desculpou por não poder trazê-las a solo mineiro. Suas canções “pop” com forte acento erudito, buriladas com sensibilidade e letras melancólicas de um trovador moderno encaixaram-se perfeitamente no formato do show: somente ele alternando-se entre um piano e um violão. Quem esperava uma estrela antipática, demasiado afetada (num mal sentido), com o pior comportamento possível que os pop-stars costumam ter, Rufus surpreendeu. Extremamente bem-humorado, fazendo piadas de um humor fino e comentários inspirados a todo tempo, soube entreter, divertir e tocar a todos os presentes, vidrados nas mãos e na voz única desta “diva” incomum. Num dos momentos mais engraçados, ele disse, revelando sua leveza e ironia precisa “esta música é muito, muito entediante, espero que gostem”.
Pontos altos não faltaram. Mostrando-se muito a vontade e com pleno domínio de suas próprias canções, o repertório foi do primeiro, auto intitulado, de 1998, até o último, “Release The Stars”, de 2007, incluindo a inédita “Who Are You, New York”. Peças de rara beleza como “Not Ready To Love”, a ácida “Going To A Town” e a esplêndida “Cigarettes & Chocolate Milk” foram momentos que o afirmam como um dos maiores songwriters da atualidade.
O set final teve ainda a indispensável “Poses” e a sua versão levemente acelerada de “Hallelujah”, de Leonard Cohen, presente no filme Shrek, além do clássico “Somewhere Over The Rainbow”. Após uma hora e meia de apresentação, Rufus se despediu aplaudido de pé.
O músico encerra a turnê brasileira amanhã, dia 13/05/08, em Brasília – DF.
Official Site: www.rufuswainwright.com
MySpace: www.myspace.com/rufuswainwright
Gosford Park
Assassinato em Gosford Park – Robert Altman – 2001 – ***
O mérito de “Gosford Park”, o filme inglês de Altman, não está na história, clichê e com a receita pronta desde o início, como o próprio longa anuncia “Chá às quatro. Jantar às oito. Assassinato à meia-noite.”, mas sim no modo como o diretor aborda a comédia de situações e o intrínseco ridículo da sociedade ali presente, caracterizada com maestria em seus pormenores.
Preciso, mas não brilhante, Altman explora o variado leque de personagens com uma sutil aproximação a cada um, suficiente para nos ambientar em seu mundo e como as relações funcionam. Conta também com a boa atuação de todo o elenco. Filme de estrutura convencional, porém com um núcleo interessante. Vale a pena.
O Som e o Silêncio
Minha relação com o som, talvez, seja a coisa mais importante e vital que existe. [Este é o meu hiperbolismo falando alto]. Mas um hiperbolismo nem tão exagerado assim. Minha mãe diz que cantou para mim desde os primeiros dias de vida. Que contava histórias quando ainda estava no ventre. E, não só estudos científicos comprovam o quanto isto influencia positivamente e tem influência sobre um bebê, como eu acredito e sinto isto, intensamente. Minha vida, sem som, não existiria. E não é só porque “gosto muito” – eufemismo – de música. Não falo somente de notas musicais, de estruturas, arranjos e harmonias diferentes que suscitam as mais variadas sensações, gostos e impressões.
Talvez o parágrafo mais feliz que eu tenha escrito foi este, quando tentei “resumir”, brevemente, o que “música” significa:
Música, para mim, é extensão do corpo, dos sentidos, da mente, das angústias, desejos, aspirações. É inquieta por natureza. É uma linguagem ampla, poderosa e universal. É puramente matemática ao mesmo tempo que abstrata. Rígida porém livre. Organizada em sua estrutura apenas para ser decomposta e digerida por cada um de maneira peculiar. Mexe com o racional e as emoções. O cérebro e a alma. Traz infindas possibilidades, deixando sempre um impacto por onde passa. É nossa face mais metódica, mas também indefinível e ilimitada. É D’us, em sua essência. É a maior força que tenho notícia.
Este aforismo exemplifica, em parte, aquilo que é a essência dessa relação tão íntima, bem como do modo como enxergo, hoje, o “trabalho” de “crítico”. É absurdo, inimaginável e incompreensível, para Maurício Gomes Angelo, ficar limitado a um único estilo. Ter, em seu cardápio, seus momentos, sua vida, tipos limitados de manifestação sonora. Se criamos rótulos, não só por uma necessidade humana de compreensão, organização, manipulação e parâmetros mínimos de referências, bem como para a indústria, é apenas para nos guiar, para “dar um nome” aquilo.
Há tanta coisa para ser explorada, tanto para se descobrir, degustar, sentir. Uma música para cada tempo. Muitos sentimentos para cada música. Há que se ter cuidado em se ouvir determinadas obras: elas mudam, drasticamente, de acordo com o momento, a hora, a iluminação, as cores, os sentimentos prévios, o aparato técnico usado para, se de olhos fechados ou abertos, se de fone de ouvido ou não, se mecanicamente ou ao vivo, se sozinho ou acompanhado. É impressionante o quanto ela se altera, se transforma, se revela, se esconde, demonstra suas inúmeras e praticamente inesgotáveis facetas. Não seria assim com tudo? Cada coisa, cada momentum de nossa vida não teria suas condições, suas mudanças e seu próprio universo sensível? Creio que sim. Na maioria das vezes, a música serve apenas como um complemento para uma situação qualquer. Está ali, ponto. Em outras, conseguimos ouvi-la. E em outros casos, raros, penetramos e vivemos nela.
Creio que eu tenha aprendido a desfrutar, respeitar e descobrir, a meu modo, a brutalidade de um metal extremo, o suingue de um samba, o virtuosismo do jazz, as inúmeras texturas do “pop”, o rock explodindo em tesão, tensão e atitude, a amplitude de uma peça clássica, a alma do blues, o balanço do funk, a desintoxicação do soul, a beleza de uma mpb, a transcendência corporal do trance, o universo multifacetado e em erupção da música eletrônica, a experimentação e o envolvimento do progressivo, a urgência do hip-hop, a força sensível das divas e trovadores solitários, a adrenalina e o estalar de um metal “tradicional”, o aconchego da bossa nova e a capacidade infinda que todos estes citados, além de inúmeros outros “estilos”, fundidos ou não, colaborando entre si ou radicalmente convencionais, o poder que eles tem de gerar algo novo, ou de apenas embalar-nos em suas entranhas.
Ao mesmo tempo que o som, em si, é como o ar para mim, o silêncio também o é. Como que o silêncio, ou seja, a ausência total de qualquer ruído, tem a sua sonoridade especifica, a sua forma de atuar, também faz parte da música, da vida, é necessário e pungente, pode ser mais agressivo e implacável que qualquer manifestação furiosa. O silêncio ecoa. Completa. Faz-se presente. É sensível, forte, intenso. Destaca-se. Às vezes, penso que desconheço coisa mais poderosa que ele.
O mundo é barulhento demais. O barulho destrói nossa capacidade de pensar. As pessoas falam muito, falam sem pensar, por falar, forçosa e desnecessariamente. Profundo desperdício de energia vital. O barulho, a grosso modo, simboliza o contrário de introspecção. E, para refletir, ela é necessária. A introspecção é, portanto, inflamável. Processando e florescendo a experiência. O único lugar onde suporto uma multidão ruidosa é em shows de música. Se parássemos de falar tanto, talvez viveríamos melhor, teríamos a oportunidade de perceber coisas que nunca antes percebemos.
Se parássemos de falar…ouviríamos. Seríamos capazes de notar maiores nuances do som, do ambiente, das coisas. Até mesmo as cores, a natureza, os sentimentos…o outro. A nós mesmos. Observar melhor o que nos rodeia. O silêncio torna o barulho perceptível. Permite repensar, criticar, refletir, analisar, graduar, sentir.
Somente aprendendo a respeitar e admirar o silêncio teremos a capacidade, mínima, de compreender nosso íntimo e o mundo circundante. De olhar para o outro sem pressa, analisando as sutilezas e peculiaridades da vida humana. Bem como de absorver a música em toda sua essência e possibilidades. Onde, por um lapso, o “sentido” passa a existir. Ou a ausência dele.
Abençoado seja.
Hable Con Ella
Fale Com Ela – Pedro Almodóvar – 2002 – *****
Genial encadeamento dramático com suas metáforas sobre a falta de comunicação – um fetiche do cinema reflexivo. Almodóvar o faz com seu talento costumeiro.