Esportes

Pra torcida do Sport e pro eterno chororô (dos adversários) sobre o “penta”

Essa pra quem adora discutir, sem saber p * nenhuma, a eterna questão do campeonato brasileiro de 87, vencido pelo Flamengo. No post anterior aqui no blog, do ano passado, explicando a querela, a torcidinha do minúsculo leão esturricado do norte, adora comentar baboseira.

O colega Rica Perrone detonou, brilhantemente, de uma vez por todas, essa história. Completinha aqui. Sem mais.

SRN.

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Artigos/Matérias/Opinião

A busca da pureza (e a cadeia alimentar)

Em tempos pretensiosamente “modernos”, onde tudo é fundido, misturado, remixado, falar em “pureza”, por si só, soa arcaico. Óbvio que não se fala aqui de qualquer busca da “pureza moral”, sexual, de caráter, etc, algo que cheira a conservadorismo extremo, além de no mínimo estúpido e infrutífero.

A pureza do título é, principalmente, do consumo e da alimentação. Outra vez, a ideia não é cair no papo “ecochato”, vegan chiita nem nada do gênero. Longe de mim. Vade retro. Fato é que quase nada do que comemos e bebemos é puro. Desde os iogurtes, recheados de conservantes, gomas, essências, coloríficos até a cerveja, igualmente imersa em cereais não maltados (milho, arroz e o que mais se puder imaginar), aditivos e corantes medonhos. Comida industrializada é um show de sódio, açúcar, gorduras saturadas e trans, farinhas “especiais”, conservantes que mantém a “validade” por meses a fio.

Independente de se gostar ou não dessa história, de simpatizar com essas preocupações ou não, é a sua vida. Simples assim. Uma escolha que você faz absolutamente todos os dias, por diversas vezes. E que pode definir a qualidade da sua existência, sua imunidade, fator de risco para doenças, dores, influi no funcionamento total do seu corpo: física e mentalmente. Não quero com isso dizer que precisamos todos ser ultra esportistas, manter uma dieta regrada passada por um nutricionista e só comer alimentos A ou B. Não é por aí.

Tentar equilibrar as porcarias que inevitavelmente ingerimos com outras melhores, mais naturais, integrais, puras, etc, faz bem. Sempre que comecei a cuidar da alimentação, tudo melhorou. Tornei a relaxar e o impacto é imediato. Para além das questões pessoais, é bom lembrar porque tudo que comemos é tão entupido de veneno…

Por que? Porque é barato. A escala industrial do capitalismo impôs, necessariamente, meios extremos de baratear o produto para se obter o maior lucro final. A obviedade da obviedade. E os alimentos seguem a risca esta receita, reproduzida em absolutamente tudo que conhecemos e consumimos. Com a diferença de que roupas, carros, utensílios, etc, não ingerimos. Ou seja…sempre faço questão de tentar sugerir que, pelo menos, crie-se o hábito de conferir os rótulos dos produtos. Está ali descrito, muitas vezes sob mentiras, termos confusos e sinônimos malandros, todo o lixo que mandamos para dentro com a maior felicidade.

Se é no bolso que dói mais, basta observar que tudo que é industrial é mais barato, ralo, de baixa qualidade. Alimentos naturais, integrais, etc, mais caros. Mesmo que, às vezes, sendo cultivados e produzidos por métodos mais em conta que o “tradicional”. Podemos substituir muita coisa da nossa escala de produção com inúmeros benefícios: econômicos, para a natureza e para quem consome. Parece um bom negócio, não?

Você pode não gostar, mas a diferença é nítida cada vez que se põe algo na boca. Muita gente “adora” cerveja, é consumidor contumaz há anos e nunca tomou uma de verdade. Quando toma, pode até estranhar. Pode ser que, no fundo, a pessoa nem goste de cerveja, mas daquela outra coisa que ela acostumou e foi adestrada a “apreciar”.

De todos os clichês e obviedades do mundo, um é indiscutível: enquanto estivermos fundados sob a escala industrial, o padrão de consumo extremo, a velocidade, a potência, a plena indiferença ante os mínimos direitos do outro e no desrespeito mútuo, no maniqueísmo e na exploração alheia (base da maioria das relações profissionais e até pessoais), tudo só vai piorar.

Você pode não gostar, mas vivencia tudo isso diariamente: no que come, no trânsito infernal, na sua relação com seu chefe, nas filas e nas mais variadas situações de convivência social transgredidas, na falta de educação e do respeito, na violência, nas querelas financeiras com os pais, os filhos, os parceiros, talvez até com os amigos. Um querendo se impor sob o outro pela “autoridade” que o dinheiro dá.

Para usar uma expressão popular: tá tudo dominado.

A solução? É aquela que todos nós conhecemos. Mas a verdade é que ninguém quer abrir mão de nada. Eu inclusive. Especialmente aqueles que saem da pobreza/classe média baixa agora. Quando chegam na festa alguém vira e diz que já acabou?

Traduzindo: quanto mais o capitalismo gera “desenvolvimento”, nos moldes que ele mesmo introduziu, mais o mundo caminha para o colapso. Quanto mais gente começa a alcançar o padrão de consumo dos estadunidenses e até europeus, mais rápido as coisas se deterioram. O “progresso” é seu próprio predador.

Do outro lado, não conheço nenhum “alternativo” que já não esteja com sua vida estabelecida, as coisas ganhas, os filhos encaminhados, que já não desfrutou do que bem quis. Repare. As “soluções” propostas, 90% paliativas, não encontram eco (ironia) em quem, no fundo, não tá nem aí pra isso. Parte por falta de formação, parte porque quer “tudo que tem direito” mesmo e o resto que vá para o inferno.

Agora é que tudo começa a ficar cada vez mais rápido, potente, destruidor, espetaculoso. Do jeitinho que nós adoramos. Prepare a pipoca. “Aproveite” o show.

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Política & Economia

Como investir em ações: ótimo negócio na crise (e fora dela)

Para boa parte das pessoas investir em ações ainda é um negócio mais complicado que mulher: confuso, difícil, arriscado e dispendioso mas que quando funciona dá excelente retorno. Boa parte dos mitos são enganosos. Na internet há diversos guias de como investir, onde investir, etc. A começar pelo próprio site da Bovespa, com um guia completo sobre o assunto. Resumindo, além do básico, você deve saber que:

  • Não existe mágica: alto retorno a curtíssimo prazo é praticamente uma lenda. Ninguém dobra seu capital de modo rápido e fácil.

  • Entre pensando em aplicações razoavelmente demoradas. 5 anos, no mínimo. Como eles advertem: As estatísticas mostram que o investimento a longo prazo em uma carteira selecionada de ações é bastante rentável. Portanto, não se preocupe com o dia-a-dia da bolsa: subiu, caiu, ficou estável, etc. Quem atua no curto prazo são os “profissionais de mercado”. Isto não quer dizer que a sua carteira de ações deva ficar parada. Cuide dela com zelo. Faça movimentos (compra e/ou venda) nos momentos adequados. Às vezes, uma ação que já lhe deu grande lucro deve ser trocada por outra com perspectivas melhores. Nessas ocasiões é até admissível deixar de ganhar um pouco.

  • Não é obrigatório colocar valores elevados na bolsa. Apesar de não existir restrição quanto ao investimento inicial, algo em torno de 2 mil reais pode ser uma boa cifra para começar.

  • Divida os seus recursos inteligentemente. Pulverizar as ações em empresas de diversos ramos de atuação e de diferentes níveis de risco (alto, médio e baixo) é indicado.

  • Para ajudá-lo nesta tarefa, você conta com uma corretora especializada e – sempre – autorizada pelo Banco Central a fazer estas operações. Há uma lista delas no site da bolsa. Um exemplo é a Win.

  • É mais simples do que parece: bem informado, atento a todos os detalhes das operações em si, com dinheiro sobrando – e que você não vai precisar a curto prazo – e ciente do que quer fazer, as corretoras auxiliam, e muito, no dia-a-dia. Relatórios frequentes sobre o que de mais relevante acontece e todos os dados estatísticos são disponibilizados para você de forma inteligível para quem não é especialista.

Além de tudo isso, a crise é, sim, um bom momento para investir. Considerando que o pior já passou, a natural tendência de lenta recuperação e o prazo de 5 anos, escolhas pontuais e cautelosas agora podem ser um ótimo negócio. Somente este ano, por exemplo, até meados de junho, a Bovespa acumula alta de mais de 35%.

Atento a todas as informações indicadas aqui (acesse os links para expandir os assuntos), você tende a reduzir ao máximo os riscos.

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Esportes

Previsões para as últimas rodadas do Brasileirão

Sem maiores comentários, acredito que o título ficará entre Flamengo e São Paulo. Para isso, no entanto, o Flamengo terá que vencer os 4 jogos restantes. Qualquer empate ou derrota quase entrega o tetra nas mãos do tricolor paulista, considerando que o SPFC empata os dois jogos fora: contra Botafogo e Goiás.

Fiz as previsões levando em conta resultados possíveis, nada além da curva. Não me preocupei também com o placar exato, apenas o que eu acredito que pode acontecer em cada jogo: vitória, empate ou derrota.

Acreditando no Flamengo, deu Fla campeão, SPFC sem segundo, Atlético e Palmeiras na Libertadores, e…Botafogo e Fluminense escapando do rebaixamento! O que seria o melhor fim de ano possível para o futebol carioca. Veremos.

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Artigos/Matérias/Opinião

O que importa na educação

“O mais interessante é a exatidão do título. O tema fundamental dos Discursos era a educação. O “mundo novo” donde viria a salvação para a nação alemã, devia nascer pela transformação absoluta do sistema de educação até então em vigor.

“Tudo perdemos, diz Fichte, mas resta-nos a educação.”

Educação nova que – segundo a linha geral da filosofia idealista de Fichte – desprenderá a “Idéia”, verdadeira realidade, “terra prometida humanidade”; assegurará, pela clareza do entendimento, a pureza da vontade; expulsará o egoísmo, fonte de todas as desgraças da Alemanha. Porque a antiga educação é, segundo Fichte, totalmente desclassificada. Apela exclusivamente para a memória: pode povoa-la de certas palavras, de certas locuções, pode impregnar a imaginação fria e insensível com algumas imagens vagas e pálidas, mas nunca alcançou pintar a ordem moral do mundo com suficiente calor, a fim de despertar nos alunos o amor ardente, a nostalgia da ordem moral, a emoção profunda perante a qual desaparece o egoísmo, como folhas secas ao sopro do vento. Por conseguinte, essa educação jamais penetrou até a raiz real da vida psíquica e física. E tal raiz, negligenciada…, desenvolveu-se ao acaso.

A educação antiga só guiou a criança pela esperança ou pelo receio de resultados materiais. Numa palavra, nunca foi, nem podia ser, “a arte de formar homens’. Em especial porque só era concedia a uma ínfima minoria, por isso mesmo chamada de classes cultas.

A educação nova, ao contrário, dirigir-se-á à grande maioria, ao povo. Educação não “popular”, mas “nacional”.

Será a arte de formar homens, Penetrará até a raiz real da vida psíquica e física. Fará da cultura não um bem qualquer, exterior ao homem, mas um elemento constitutivo do próprio homem. Desenvolverá verdadeiramente no aluno a atividade do espírito criador, ao mesmo tempo que as aptidões corporais e a destreza para os trabalhos manuais. Nele criará uma vontade em que se poderá ter a mais tranqüila confiança: ele se comprazerá na verdade e no bem, considerados em si mesmos. Dar-lhe-á o verdadeiro sentido religioso, ensinando-a a “considerar e respeitar sua própria vida, e qualquer outra vida espiritual , como um eterno anel na cadeia da revelação da vida divina”. E todas estas noções, religiosas, morais, intelectuais, longe de permaneceram “frias e mortas”, haverão de achar, a cada instante, sua expressão na vida real do aluno. Cada um dos seus conhecimentos se tornará vivo, desde que a vida o “requeira”.

Tais resultados, porém, exigem certas condições. A mais necessária é a de que as crianças formem uma comunidade á parte, autônoma, sem contato com a sociedade dos adultos corrompidos pelo egoísmo. Seus mestres, bem entendido, vivem com elas, mas os pais são cuidadosamente separados. Os dois sexos são educados em conjunto. É no seio dessa comunidade reduzida e ciosamente isolada que as crianças podem transformar-se me homens, nos quais se gravará automaticamente a imagem da ordem social comunitária.

Quem, pois, senão o Estado, pode por em prática tal novo plano de educação “ativa”!? O Estado, porque os pais resistirão e será preciso exercer certa violência, ao menos para educar a primeira geração: depois, tendo a nova educação produzido os seus primeiros frutos, não mais haverá resistência. O Estado, porque se precisará de imensos recursos para enfrentar imensas despesas. Mas pode existir mais vantajosos investimento? O Estado lucrará gerações formadas no amor da coletividade, no labor, na disciplina moral; recuperará suas despesas iniciais “ao cêntuplo”.

Trecho do livro “Discursos a Nação Alemã”, publicado em 1808 pelo filósofo Johann Gottlieb Fichte. O trecho acima foi retirado de ““As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a Nossos Dias” de Jean-Jacques Chevallier, daí os comentários iniciais.

Fora a duvidosa noção de “moral”, “ética”, a religião e alguns objetivos “pouco nobres”, digamos, que cerca o livro de Fichte, impregnado de xenofobia e outras coisas no mínimo passíveis de discussão, a ideia central dessa passagem de Fichte sempre me perturbou. Desde 2004, quando a li pela primeira vez. Sua ideia central parece-me o que realmente importa na educação.

Escrevi um artigo inflamado em 2005 (e que recomendo com algumas ressalvas) sobre  o tema, aqui.

No entanto, 200 anos depois que o livro de Fichte foi publicado, analisando a proposta básica do alemão, como o Brasil está?

“Arcaico” é um termo que não define com precisão a barbárie (mental, física, psíquica, humana) das nossas escolas. Parte do caminho para mudar isto está nessa passagem do filósofo, sempre (e infelizmente) atual.

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Literatura

A liberdade de ver os outros – David Foster Wallace

Lembrei desse texto agora, que aprecio bastante. Já falei de DFW e havia linkado o texto neste post aqui. Como fui conferir e a Piauí passou a exigir cadastro para lê-lo, achei por bem publicar. Vale a pena. E, ah, este foi “apenas” um texto preparado por ele para dar uma palestra que, se não me engano, era a formatura de alguma faculdade (a qual fugiu o nome agora). Imagino a reação da molecada…

A liberdade de ver os outros
por David Foster Wallace
Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:

– Bom dia, meninos. Como está a água?

Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:

– Água? Que diabo é isso?

Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa -forma, a frase soa como uma platitude – mas
é fato que, nas trincheiras do dia-a-dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.

Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.

Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras “virtudes”. Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.

Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica – pelo menos no meu caso – é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.

Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de “ensinar os alunos como pensar” é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. “Aprender a pensar” significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva.

Lembrem o velho clichê: “A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível.” Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho. Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão – a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.

Isso também parece outra hipérbole, mais uma abstração oca. Sejamos concretos então. O fato cru é que vocês, graduandos, ainda não têm a mais vaga idéia do significado real do que seja viver um dia após o outro. Existem grandes nacos da vida adulta sobre os quais ninguém fala em discursos de formatura. Um desses nacos envolve tédio, rotina e frustração mesquinha.

Vou dar um exemplo prosaico imaginando um dia qualquer do futuro. Você acordou de manhã, foi para seu prestigiado emprego, suou a camisa por nove ou dez horas e, ao final do dia, está cansado, estressado, e tudo que deseja é chegar em casa, comer um bom prato de comida, talvez relaxar por umas horas, e depois ir para cama, porque terá de acordar cedo e fazer tudo de novo. Mas aí lembra que não tem comida na geladeira. Você não teve tempo de fazer compras naquela semana, e agora precisa entrar no carro e ir ao supermercado. Nesse final de dia, o trânsito está uma lástima.

Quando você finalmente chega lá, o supermercado está lotado, horrivelmente iluminado com lâmpadas fluorescentes e impregnado de uma música ambiente de matar. É o último lugar do mundo onde você gostaria de estar, mas não dá para entrar e sair rapidinho: é preciso percorrer todos aqueles corredores superiluminados para encontrar o que procura, e manobrar seu carrinho de compras de rodinhas emperradas entre todas aquelas outras pessoas cansadas e apressadas com seus próprios carrinhos de compras. E, claro, há também aqueles idosos que não saem da frente, e as pessoas desnorteadas, e os adolescentes hiperativos que bloqueiam o corredor, e você tem que ranger os dentes, tentar ser educado, e pedir licença para que o deixem passar. Por fim, com todos os suprimentos no carrinho, percebe que, como não há caixas suficientes funcionando, a fila é imensa, o que é absurdo e irritante, mas você não pode descarregar toda a fúria na pobre da caixa que está à beira de um ataque de nervos.

De qualquer modo, você acaba chegando à caixa, paga por sua comida e espera até que o cheque ou o cartão seja autenticado pela máquina, e depois ouve um “boa noite, volte sempre” numa voz que tem o som absoluto da morte. Na volta para casa, o trânsito está lento, pesado etc. e tal.

É num momento corriqueiro e desprezível como esse que emerge a questão fundamental da escolha. O engarrafamento, os corredores lotados e as longas filas no supermercado me dão tempo de pensar. Se eu não tomar uma decisão consciente sobre como pensar a situação, ficarei irritado cada vez que for comprar comida, porque minha configuração padrão me leva a pensar que situações assim dizem respeito a mim, a minha fome, minha fadiga, meu desejo de chegar logo em casa. Parecerá sempre que as outras pessoas não passam de estorvos. E quem são elas, aliás? Quão repulsiva é a maioria, quão bovinas, e inexpressivas e desumanas parecem ser as da fila da caixa, quão enervantes e rudes as que falam alto nos celulares.

Também posso passar o tempo no congestionamento zangado e indignado com todas essas vans, e utilitários e caminhões enormes e estúpidos, bloqueando as pistas, queimando seus imensos tanques de gasolina, egoístas e perdulários. Posso me aborrecer com os adesivos patrióticos ou religiosos, que sempre parecem estar nos automóveis mais potentes, dirigidos pelos motoristas mais feios, desatenciosos e agressivos, que costumam falar no celular enquanto fecham os outros, só para avançar uns 20 metros idiotas no engarrafamento. Ou posso me deter sobre como os filhos dos nossos filhos nos desprezarão por desperdiçarmos todo o combustível do futuro, e provavelmente estragarmos o clima, e quão mal-acostumados e estúpidos e repugnantes todos nós somos, e como tudo isso é simplesmente pavoroso etc. e tal.

Se opto conscientemente por seguir essa linha de pensamento, ótimo, muitos de nós somos assim – só que pensar dessa maneira tende a ser tão automático que sequer precisa ser uma opção. Ela deriva da minha configuração padrão.

Mas existem outras formas de pensar. Posso, por exemplo, me forçar a aceitar a possibilidade de que os outros na fila do supermercado estão tão entediados e frustrados quanto eu, e, no cômputo geral, algumas dessas pessoas provavelmente têm vidas bem mais difíceis, tediosas ou dolorosas do que eu.

Fazer isso é difícil, requer força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão fazê-lo, ou simplesmente não estarão a fim. Mas, na maioria dos dias, se estiverem atentos o bastante para escolher, poderão preferir olhar melhor para essa mulher gorducha, inexpressiva e estressada que acabou de berrar com a filhinha na fila da caixa. Talvez ela não seja habitualmente assim. Talvez ela tenha passado as três últimas noites em claro, segurando a mão do marido que está morrendo. Ou talvez essa mulher seja a funcionária mal remunerada do Departamento de Trânsito que, ontem mesmo, por meio de um pequeno gesto de bondade burocrática, ajudou algum conhecido seu a resolver um problema insolúvel de documentação.

Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível. Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação “inferno do consumidor” não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.

Relevem o tom aparentemente místico. A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.

Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como “não venerar”. Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar – seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos – é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio – e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.

No fundo, sabemos de tudo isso, que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.

O insidioso dessas formas de veneração não está em serem pecaminosas – e sim em serem inconscientes. São o tipo de veneração em direção à qual você vai se acomodando quase que por gravidade, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem ter plena consciência de que está fazendo uma escolha.

O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.

Esse tipo de liberdade tem méritos. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros – no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita.

Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: “Isto é água, isto é água.”

É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.

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