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A crítica covarde

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A internet tem um lado ruim. Aliás, vários. A crítica covarde, gratuita, ofensiva e “dona da verdade” que muitas pessoas, com a sensação de “anonimato”, se atrevem a fazer. A crítica sem rosto, sem nome. Seja nos comentários de blogs/sites ou nas redes de relacionamento, a facilidade com que é possível ocultar nomes, identidades, etc, estimula a observação covarde. O ataque pessoal. A chance de “aparecer” para os “coleguinhas” de fórum como um “expert”, “mais inteligente”, mais esperto, irônico, etc.

Coisa típica de adolescentes clamando por atenção – independente da idade. Sem a capacidade de produzir seus próprios textos, sem a coragem de se expor, de lançar o seu trabalho publicamente, a oportunidade de atacar quem quer que seja é irresistível. Um texto que não gostou, uma opinião que discorda. É extremamente fácil, sob um nome falso e um avatar sem rosto, dizer o que se bem entende. Impressiona, também, a quantidade de “mestres” que pipocam em fóruns internet afora. Adoram “corrigir” o autor do texto e clamar para si a “verdade absoluta”.

Dialética é palavra desconhecida. Respeito também. Argumentos válidos, construtivos e sem ataques gratuitos, idem. É tão previsível imaginar o que cada acéfalo pode deduzir a partir de um texto como esse, por exemplo, que chega a ser cômico. “Isto é coisa de quem não aceita crítica”, “não passa de desculpa de um escriba arrogante e limitado”, etc.

Até parece que quem escreve costuma não ter a mínima consciência de que não é infalível. De que muita bobagem é dita. De que seu texto tem lacunas, problemas, etc. Piada.

Sinceramente, não tenho como respeitar ninguém que se acha no direito de espinafrar gratuitamente um trabalho e não tem sequer rosto. Se a tecnologia e as comunidades trazem uma série de benefícios, também abrem espaço para um sem número de imbecis postarem o que bem quiserem. Iludidos com o anonimato, diga-se. Anonimato este longe da realidade – tudo na web deixa rastro, e é possível saber não só o IP da pessoa (sua localização), como o sistema operacional que usa, a resolução do monitor, a configuração completa da máquina, etc, etc, etc. Ou seja…

Discussão é coisa séria. Não dá pra considerar ninguém que não sabe sequer se expressar com respeito. Na vida “real” ou “online”, as regras de convivência e bom senso são as mesmas. Fora disso não há “opinião”. Não há “diálogo”. Resta somente uma massa de agressões que não interessa e não serve a ninguém.

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A eterna contagem regressiva para o fim do mundo

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Aquecimento global. El niño. La niña. Tsunami. Furacão Katrina. Desastres climáticos e ambientais cada vez mais frequentes em todas as partes do mundo. 11 de setembro de 2001. Guerra do Iraque. Presidente estadunidense negro e com nome muçulmano eleito. Coréia do Norte. Previsões de Nostradamus para 2012. Maior crise econômica dos últimos 80 anos em 2008. Conflitos em Israel. Irã.  Gripe aviária. Doenças contagiosas letais desconhecidas surgindo. Planos de uma moeda unificada para todos os países. A iminente volta de Jesus para os cristãos (…)

O apocalipse está aí, certo? Fato é que o “fim do mundo” fascina os seres humanos desde que passamos a existir na Terra. Parece um pensamento óbvio e natural imaginar que, se existiu um início – seja ele qual for – deve haver um fim. Nossa imaginação sempre tratou de anunciar o desastre último em diferentes épocas do tempo. No século XXI – ou por qualquer outro calendário que você siga – após a piada do “bug do milênio”, tudo parece se agravar por aquilo que nós mesmos inflingimos ao planeta. A imensa maioria dos desastres, desgraças, guerras, etc, foram criadas e alimentadas por nós, alcançando, claramente, seu ápice nos dias de hoje. E a tendência é piorar. Ou não.

A história dá mostras incríveis do quanto o ser humano é capaz de se superar e reconstruir, não importa o que aconteça. De fato, o quanto conseguimos sobreviver e renascer, sob as condições mais extremas possíveis, é surpreendente.

Quando se fala em “fim do mundo” cada religião (crença, seita, tendência, etc) tem a sua versão. Há muitas hipóteses para o apocalipse. Nenhuma muito agradável.

Já se disse várias vezes que nós enxergamos aquilo que queremos ver. Ou seja, para quem acredita piamente nesta possibilidade, os fatos demonstrados no primeiro parágrafo desse texto são provas inequívocas de que o fim está por vir.

Independente de qualquer plano além terra (e mar), outro ditado popular sabiamente diz que colhemos o que plantamos. E basta olhar ao redor para ver os frutos que o nosso “estilo de vida” tem causado no mundo. Nenhum planeta aguentaria tanto abuso.

Parece-me um consenso dizer que o ser humano é a raça mais perniciosa, degradante, estúpida e destrutiva da natureza. Para o planeta, nós devemos ser um visitante tremendamente inconveniente. Ao mesmo tempo em que criamos tantas maravilhas e desenvolvemos coisas que eram impensáveis há pouco tempo atrás. Como a nanotecnologia, que promete resolver “magicamente” muitos dos problemas que criamos, além de esticar nossa expectativa de vida. Em suma, fazer milagres. Brincadeira perigosa.

A ciência prova que a “Terra” já passou por outros desastres globais no passado e que pode se reconstruir novamente, seja lá o que aconteça. Se nós vamos estar aqui ou não, é “detalhe”.

Independente de tudo, soa óbvio que estamos cavando a própria cova. Você decide ou não se concorda com Jim Morrison. (Ou se faz alguma coisa para evitar).

It`s the end, my friend.

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Aborto no Recife, estupidez, estado laico e Monty Python

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O bispo, curtindo seu momento de “worldwide faith star”

Neste momento, tudo que ronda o assunto da garota de 9 anos vítima de estupro no Recife já deve ser de conhecimento geral. Organizei vários links, da imprensa, de blogs, de “abortistas” (tsc) e “contra-abortistas” (tsc) e até do Reinaldo Azevedo, no Delicious. Tá tudo lá.

É o tipo de assunto que chega a deprimir pela tamanha estupidez expressa em toda parte. Minha posição é clara: pra mim, estupro é crime hediondo e deveria ser punido, no mínimo, com a prisão perpétua. Em caso de abuso infantil, pior ainda.

A menina, vítima dum ato inominável, parece ser o que menos preocupa imprensa, bispo e a maioria dos envolvidos no caso. Toda esta galhofa armada pela igreja me faz pensar o quanto um país não-laico é atrasado pela influência direta da religião na política. Seja o Brasil, seja os Estados Unidos. Ao lado da corrupção – e em muitos níveis as duas coisas estão mais que intimamente ligadas – considero esta a pior praga para uma nação.

O fato de doutrinas e “leis” (!?!?) religiosas interferirem diretamente na política (legislativo, executivo e judiciário) é, historicamente, um dos maiores motivos do atraso e da desgraça do mundo.

A Igreja Católica, com toda sua prepotência, ignora sumariamente a possibilidade mais que concreta de morte da menina em caso de levar a gestação adiante. Coisa que me parece de uma estupidez e absurdo sem tamanho. A lei brasileira permite, a operação foi bem realizada, a vida da menina foi salva. Que assim seja.  Isto é o que importa. Fim de papo.

Em última instância, e para quem defende o sexo apenas para procriação, todo esperma “desperdiçado” é um assassinato em potencial. Santa ignorância.

O que, claro, me leva a lembrar de um dos melhores esquetes do grupo inglês Monty Python, em “O Sentido da Vida”. Extremamente adequado, com o perdão do humor, para tudo que se criou em cima. Se você conseguir compreender a letra em inglês (abaixo) fica muito, muito melhor:

httpv://www.youtube.com/watch?v=U0kJHQpvgB8

DAD:
There are Jews in the world.
There are Buddhists.
There are Hindus and Mormons, and then
There are those that follow Mohammed, but
I’ve never been one of them.

I’m a Roman Catholic,
And have been since before I was born,
And the one thing they say about Catholics is:
They’ll take you as soon as you’re warm.

You don’t have to be a six-footer.
You don’t have to have a great brain.
You don’t have to have any clothes on. You’re
A Catholic the moment Dad came,

Because

Every sperm is sacred.
Every sperm is great.
If a sperm is wasted,
God gets quite irate.

CHILDREN:
Every sperm is sacred.
Every sperm is great.
If a sperm is wasted,
God gets quite irate.

GIRL:
Let the heathen spill theirs
On the dusty ground.
God shall make them pay for
Each sperm that can’t be found.

CHILDREN:
Every sperm is wanted.
Every sperm is good.
Every sperm is needed
In your neighbourhood.

MUM:
Hindu, Taoist, Mormon,
Spill theirs just anywhere,
But God loves those who treat their
Semen with more care.

MEN:
Every sperm is sacred.
Every sperm is great.
WOMEN:
If a sperm is wasted,…
CHILDREN:
…God get quite irate.

PRIEST:
Every sperm is sacred.
BRIDE and GROOM:
Every sperm is good.
NANNIES:
Every sperm is needed…
CARDINALS:
…In your neighbourhood!

CHILDREN:
Every sperm is useful.
Every sperm is fine.
FUNERAL CORTEGE:
God needs everybody’s.
MOURNER #1:
Mine!
MOURNER #2:
And mine!
CORPSE:
And mine!

NUN:
Let the Pagan spill theirs
O’er mountain, hill, and plain.
HOLY STATUES:
God shall strike them down for
Each sperm that’s spilt in vain.

EVERYONE:
Every sperm is sacred.
Every sperm is good.
Every sperm is needed
In your neighbourhood.

Every sperm is sacred.
Every sperm is great.
If a sperm is wasted,
God gets quite iraaaaaate!

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O lucro recorde da Petrobras (e quem o sustenta)

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Não é de espantar que, num ano em que tivemos a pior crise mundial dos últimos 80 anos e o preço do barril de petróleo caiu de U$$ 140 para U$$ 37 a Petrobrás tenha registrado lucro recorde de 33 bilhões de reais?

Melhor que fazer suposições é recorrer diretamente à fonte do link citado, deixando o próprio Almir Barbosa (diretor financeiro da empresa) assumir. Segundo ele:

“Esse lucro representa um aumento de 53% em relação ao ano passado.  O resultado veio a partir da produção e do aumento dos preços”.

É claro que as descobertas do pré-sal em 2008 representaram um incremento no valor das ações da companhia. Embora estando em profundidades abissais (de até 8.000 km abaixo do nível do mar) e portanto de extração extremamente cara (e complicada), o pré-sal pode conter, numa estimativa razoável, mais de 100 bilhões de barris, o que colocaria o Brasil entre os 10 maiores produtores mundiais. Entenda tudo sobre o pré-sal neste link.

A Petrobras também atingiu o recorde de 2.012.654 barris por dia, superando em 12 mil a marca anterior.

Os dados divulgados entregam que “os reajustes de 10% e 15% nos preços da gasolina e do diesel, em maio do ano passado, levaram o preço médio de realização dos derivados a aumentar 13%.”

Ou seja, o preço dos derivados tiveram aumento de 15% em maio, sob o valor já alto cobrado. E mesmo após a crise e a queda brusca do barril de petróleo em setembro, o que levaria a uma natural redução do preço, o valor do combustível no Brasil continuou o mesmo. Um dos principais fatores para o lucro recorde da empresa.

É claro que a Petrobras não é a única responsável pelo valor abusivo e indecente cobrado no país. Vamos ao cerne. O site da BR mostra como é composto o preço final da gasolina na bomba:

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E do diesel:

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Traduzindo: na média, de 15 a 20% do valor é adicionado na distribuição e revenda. O preço base, estabelecido pela Petrobras, vai de 32 a 62%, constituindo a principal fatia, junto com os impostos, notadamente abusivos. Se considerarmos que boa parte das distribuidoras também são da BR, a intervenção da Petrobras no valor pode ir de 70 a 80%.

Não precisamos ir longe. Basta olhar para os vizinhos da América do Sul. A Argentina, que importa petróleo do Brasil, vende, na fronteira, o litro da gasolina a R$ 1,75 e do diesel a R$ 1,30, sem adição de alcóol, enquanto do outro lado o mesmo produto chega a custar R$ 2,85 e R$ 2,08, respectivamente. Isto na fronteira. A média do preço da gasolina na Argentina é de R$ 1,20 a 1,30 o litro, atualmente. Na América do Sul, os únicos países que cobram valores absurdos como o Brasil são o Chile e o Uruguai. Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, cada um com sua particularidade, vendem o produto a valores muito mais baixos até chegarmos ao extremo da Venezuela, onde o litro custa, pasmem, 05 centavos (a mais barata do mundo, sem reajuste desde 1997 e que é subsidiada pelo governo, como nos EUA).

Resumindo: os brasileiros pagam um valor irreal e abusivo pelo combustível, tendo o mesmo produto, saindo daqui e exportado para a Argentina, vendido lá por menos da metade do preço. O lucro recorde da Petrobras sai, em grande parte, do seu bolso. Não é motivo para comemoração. Mesmo com o barril caindo a U$$ 37, a margem de lucro foi mantida, até para cobrir as “perdas” com a queda brusca da commodity.

O brasileiro, muitas vezes sem entender a fundo o panorama, é levado a comemorar resultados recordes de empresas que o roubam legalmente há anos. E aqui não há nenhum discurso ideológico – o argumento mais imbecil e frágil que pode ser levantado. Os fatos e declarações, dados pela própria empresa, entregam o roubo, puro e simples, a que somos submetidos. É de se ponderar que, se neste quadro, com o preço do litro variando de R$ 2,20 a R$ 2,80 nos diferentes estados do Brasil (custa R$ 2,68 na capital federal), qual será o rumo da gasolina nos próximos anos,  caso surja qualquer coisa que sirva de desculpa para um reajuste? (como se isto fosse necessário).

O petróleo, definitivamente, não é nosso. E nada indica que a ideia de pagar um preço “justo” pelo que se consome no Brasil chegue a ser possível. Alguém duvida de novo lucro recorde em 2009? Da Petrobras, Vale, companhias energéticas, telefônicas, de abastecimento…

Pra estas empresas, não existe crise. Mas, infelizmente, isto não é nada que signifique um aumento da qualidade de vida real para a população. O que esperar de um país onde querer respeito parece utopia? Pouco, muito pouco.

Confira todas as fontes desta matéria e outros artigos nas tags “gasolina” e “petrobras” no Delicious.

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Noam Chomsky – Acerca do pós-modernismo, teorias, modas

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Noam Chomsky é um dos maiores intelectuais do último (e deste) século. No texto abaixo – que li há alguns anos e me tocou de imediato – Chomsky desmascara boa parte da prosa “hermética” e inútil do “pós-modernismo”. Coloca em xeque muitas teorias, adorações, práticas e discussões que muitas vezes carecem de total sentido e são incapazes de servir para algo. Derrida, Foucault e cia, com quem o próprio Chomsky travou um longo embate, são criticados com competência e domínio. Não só a empolação dos intelectuais franceses e suas “teorias” fundadas no puro floreio desnecessário de fatos históricos que outros fizeram antes, melhor e de modo mais claro, como a própria e deliberada alienação dos ditos intelectuais de esquerda dos problemas práticos e das arenas populares. A lucidez de Chosmky é um alívio.

Acerca do pós-modernismo, teoria, modas, etc.

Alguns trechos selecionados:

  • Devemos voltar-nos para teoria, filosofia, construções teóricas e similares para remediar esta deficiência nos nossos esforços para compreender e abordar o que acontece no mundo. Não quero falar por Mike. A minha resposta até agora tem sobretudo consistido em reiterar algo que escrevi há 35 anos, muito antes do pós-modernismo ter irrompido na cultura literária e intelectual: se há um corpo de teorias, bem testadas e verificadas, que se aplicam à condução dos assuntos externos ou à resolução de conflitos domésticos e internacionais, a sua existência tem sido um segredo bem guardado, apesar de muita pose pseudocientífica.
  • O que mudou no ínterim, tanto quanto julgo saber, foi uma imensa explosão de auto-elogio e elogios mútuos entre aqueles que propõem o que chamam teoria e filosofia, mas pouco que eu possa detectar além de uma pose pseudocientífica. Esse pouco é, como escrevi, algumas vezes bastante interessante, mas sem conseqüências para os problemas do mundo real que ocupam o meu tempo e energias.
  • Os proponentes da teoria e filosofia têm uma tarefa muito fácil se quiserem estabelecer o seu ponto de vista. Façam-me simplesmente conhecer o que era e continua a ser um segredo para mim: terei todo o gosto em ver. Perguntei muitas vezes antes e ainda espero uma resposta que deveria ser fácil dar: dêem simplesmente alguns exemplos de um corpo de teorias, bem testadas e verificadas, que se aplique aos gêneros de problemas e assuntos em que Mike, eu, e muitos outros de fato, a maior parte da população mundial que, julgo, está fora dos limitados e, notavelmente, autocontrolados círculos intelectuaisestão ou deveriam estar interessados: os problemas e assuntos de que falamos e escrevemos, por exemplo, e outros semelhantes.
  • Mais uma vez, estas são exigências simples. Fi-las antes e continuo no meu estado de ignorância. Tirei igualmente algumas conclusões disso.
  • Mas em vez de tentarem fornecer uma resposta a estas exigências simples, a resposta consiste em gritos de cólera: levantar estas questões mostra elitismo antiintelectualismo e outros crimes – embora aparentemente não seja elitista pertencer a sociedades de auto-elogio e elogios mútuos de intelectuais que falam apenas uns para os outros etanto quanto seinão entram no gênero de mundo em que prefiro viver.
  • É possível que esteja simplesmente a não conseguir ver algo, ou que me falte a capacidade intelectual para compreender as profundidades que foram desenterradas nos últimos 20 anos pelos intelectuais de Paris e pelos seus seguidores. Tenho o espírito completamente aberto, e tive-o durante anos, quando acusações similares me foram feitas – mas sem responderem às minhas questões. Uma vez mais, são questões simples e, se existe uma resposta, deveriam ser fáceis de responder. Se não estou a ver algo, então mostrem-me o que é em termos que possa compreender. Claro que se está para além da minha compreensão, o que é possível, sou uma causa perdida e serei obrigado a dedicar-me a coisas que pareço ser capaz de compreender, e a associar-me com o gênero de pessoas que também parecem por elas interessar-se e compreendê-laso que me deixa muito feliz fazer, uma vez que não tenho nenhum interesse, agora e sempre, nos sectores da cultura intelectual que se ocupam destas coisas.
  • Uma vez que ninguém conseguiu mostrar-me o que não estou a ver, resta-nos a segunda opção: sou incapaz de compreender. Desejo certamente admitir que isso pode ser verdade, embora receie que terei de manter alguma suspeita, por razões que parecem boas. Há muitas coisas que não compreendo – digamos, os últimos debates sobre se os neutrinos têm massa ou a forma como o último teorema de Fermat foi aparentementedemonstrado, recentemente. Mas em 50 anos neste jogo, aprendi duas coisas: 1) posso pedir a amigos que trabalham nestas áreas que mo expliquem a um nível que possa compreender, e eles podem fazê-lo sem grandes dificuldades; 2) se estou interessado, posso tratar de aprender mais de modo a vir a compreendê-lo. Ora, Derrida, Lacan, Lyotard, Kristeva, etc. – mesmo Foucault, que conheci e de quem gostei, e que de algum modo é diferente do resto – escrevem coisas que não só não compreendo, mas a que 1) e 2) não se aplicam… ninguém que diga que compreende pode explicar-mo e não tenho uma indicação de como proceder para vencer as minhas incapacidades. Isso deixa uma de duas possibilidades… a) ocorreu algum novo avanço na vida intelectual, talvez alguma mutação genética súbita, que criou uma forma de teoria que está para além da teoria quântica, topologia, etc., em profundeza e profundidade; ou b) … não o direi.
  • Peguemos então em Derrida, que é um dos gurus. Penso que devo pelo menos ser capaz de compreender a sua Gramatologia pelo que tentei lê-la. Deveria poder perceber parte dela – por exemplo, a análise crítica dos textos clássicos que conheço muito bem e sobre os quais escrevi durante anos. Achei a proficiência acadêmica aterradora, baseada numa patética leitura errada; e os argumentos, tal como estavam, eram incapazes de se aproximarem do gênero de padrões a que estou acostumado praticamente desde a infância. É possível que não tenha visto algo: pode ser; mas a suspeita mantém-se, como já notei. Uma vez mais, peço desculpa por fazer comentários que não demonstro, mas fizeram-me perguntas, e por isso estou a responder.
  • Encontrei-me com algumas das pessoas destes cultos que é o que me parecem: Foucaulttivemos mesmo uma discussão de várias horas, que está publicada, e passamos umas quantas horas numa conversa muito agradável, sobre temas reais usando uma linguagem perfeitamente compreensível – ele em francês, eu em inglês; Lacan com quem me encontrei várias vezes e considerei um charlatão divertido e perfeitamente consciente charlatão, embora os seus primeiros trabalhos, pré-culto, fossem inteligentes e os tivesse discutido em textos publicados; Kristeva com quem me encontrei apenas brevemente durante o período em que ela era uma ardente maoísta; e outros. Não encontrei muitos deles porque estou bastante afastado destes círculos, por minha escolha, preferindo círculos bastante diferentes e bastante mais amplos – o gênero onde dou palestras, sou entrevistado, tomo parte em atividades, escrevo dezenas de longas cartas todas as semanas, etc. Mergulhei no que escrevem por curiosidade, mas não fui muito longe, pelas razões já mencionadas: o que encontro é extremamente pretensioso, mas quando examinado, uma boa parte é simplesmente iletrado, baseado numa extraordinária leitura errada de textos que conheço bemalgumas vezes textos que eu escrevi argumentos que são aterradores na sua casual falta de elementar autocrítica, muitas afirmações triviaisembora revestidas de uma verborréia complicadaou falsas; e uma boa quantidade de evidente algaraviada. Quando procedo como faço noutras áreas que não compreendo, caio nos problemas mencionados em ligação com 1) e 2) acima. Eis então a quem me refiro e por que razão não vou muito longe. Se não for óbvio posso indicar mais uns quantos nomes.
  • (Essas formulações) E não tem o mesmo impacto (que artigos em jornais de grande circulação e outros meios), uma vez que se dirige apenas a outros intelectuais nos mesmos círculos. Além disso, que eu conheça não há qualquer esforço para torná-lo inteligível às grandes massas da população – digamos, para as pessoas para quem falo constantemente, com quem me encontro, para quem escrevo cartas, que tenho em mente quando escrevo, e que parecem entender o que digo sem qualquer dificuldade particular, embora geralmente pareçam ter as mesmas incapacidades cognitivas que eu tenho quando enfrentam os cultos pós-modernos. E também não conheço nenhum esforço para mostrar como se aplica a algo no mundo no sentido que mencionei anteriormente: estabelecendo conclusões que não fossem já óbvias. Uma vez que não estou muito interessado no modo como os intelectuais inflacionam as suas reputações, ganham privilégios e prestígio, e se libertam da participação efetiva na luta popular, não gasto nenhum tempo com isso.
  • Trabalhei de forma razoavelmente extensa nalgumas destas áreas, e sei que a proficiência acadêmica de Foucault não é aqui exatamente fidedigna, pelo que não confio nela, sem uma investigação independente, nas áreas que não conheço – isto foi vagamente abordado na discussão de 1972 que está publicada. Penso que há trabalhos acadêmicos muito melhores sobre o século XVII e XVIII e uso-os na minha investigação. Mas ponhamos de lado o outro trabalho histórico, e voltemo-nos para as construções teóricas e as explicações: que houve uma grande mudança de mecanismos cruéis de repressão para mecanismos mais subtis pelos quais as pessoas acabam por fazer, mesmo entusiasticamente, o que os poderosos querem. De fato, isso é mais que verdade: é um completo truísmo. Se é uma teoria, então todas as minhas críticas estão erradas: também tenho uma teoria, uma vez que andei a dizer exatamente isso durante anos, dando também as razões e o background histórico, mas sem a descrever como uma teoria porque não merece tal designação sem retórica ofuscante porque é tão triviale sem pretender que é nova porque é um truísmo. Reconheceu-se durante muito tempo que à medida que o poder para dominar e coagir ia declinando, era cada vez mais necessário recorrer ao que os praticantes na indústria de relações públicas do princípio do século – que perceberam tudo isto muito bem – chamaram dominar a mente pública. Como Hume observou no século XVIII, as razões são que a submissão implícita com que os homens renunciam aos seus sentimentos e paixões pelos dos seus governantes depende em última instância do domínio das opiniões e atitudes. Por que razão é que este truísmo deveria subitamente tornar-se uma teoria ou filosofia, terão outros de explicar; Hume ter-se-ia rido.
  • O meu problema é que as intuições parecem-me familiares e não existem quaisquer construções teóricas, exceto que idéias simples e familiares foram revestidas com uma retórica complicada e pretensiosa.
  • Há coisas mais importantes a fazer, na minha opinião, do que investigar as peculiaridades das elites intelectuais empenhadas em diversos modos de promoção da carreira e outras ocupações nos seus limitados e pelo menos para mimdesinteressantes círculos.
  • Verifiquei repetidas vezes que quando a audiência é mais pobre e tem menos formação, posso omitir boa parte das questões de background e de estrutura de referência porque são já óbvias e aceites por todos, e posso avançar para questões que nos interessam a todos. Com audiências com mais formação, isto é muito mais difícil; é necessário deslindar montes de construções ideológicas.
  • É certamente verdade que muitas pessoas não podem ler os livros que escrevo. Mas isso não é porque as idéias ou a linguagem sejam complicadas – não temos quaisquer problemas na discussão informal, até com as mesmas palavras, de exatamente dos mesmos pontos. As razões são diferentes, talvez parcialmente por causa do meu estilo de escrita, parcialmente em resultado da necessidade que eu sinto, pelo menosde apresentar documentação consideravelmente abundante, o que torna a leitura penosa.
  • Tem havido uma notável mudança no comportamento da classe intelectual nos últimos anos. Os intelectuais de esquerda, que há 60 anos teriam estado a ensinar nas escolas das classes trabalhadoras, a escrever livros como matemática para milhões que tornam a matemática inteligível a milhões de pessoas a participar e a falar em organizações populares, etc., estão hoje completamente afastados dessas atividades, e embora lestos a dizerem-nos que são muito mais radicais do que nós, não se encontram disponíveis, ao que parece, quando há uma necessidade óbvia e crescente e até uma procura explícita do trabalho que poderiam fazer no mundo das pessoas com problemas e preocupações reais. Isto não é um problema pequeno. Na minha opinião, isto tem implicações sinistras.
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Ocas: um dos melhores projetos de revista do país

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A população de rua é um problema grave no Brasil. Fato. Mas longe de cair em velhos (e falidos) esquemas sociológicos de análise, ou no assistencialismo cristão puro e simples, há gente que consegue ir muito além, criando projetos que se destacam. A Revista Ocas é um deles. Lançada em julho de 2002, e com distribuição em São Paulo e Rio de Janeiro, a publicação já superou os 250 mil exemplares em circulação, auxiliando mais de 1.500 pessoas. O preço de capa é R$ 3,00, dos quais 2,00 vão direto para o vendedor. Ressalte-se que o preço de capa é incrivelmente baixo, comparado às revistas brasileiras atuais, que custam em média R$8. Uma sugestão, inclusive, é aumentar o preço para R$ 5, o que ajudaria a manter os custos e daria ainda mais retorno para quem vende.

Fazendo um resumo breve da entidade: a revista é vendida exclusivamente por pessoas em situação de rua e aborda cultura, política, artes e problemas sociais diversos. Recomendo fortemente uma visita ao site oficial, completíssimo, com todas as informações, detalhes da instituição, proposta, histórico, parceiros, etc.

Devo dizer que comprar a revista não é um ato de solidariedade. Não é favor. Não é esmola. Não é se forçar a comprar algo ruim, ou que você não quer, para ajudar, como muitas vezes acontece. O conteúdo da revista em si é excelente. Jornalismo de ótima qualidade, com reportagens diferenciadas e entrevistas muito bem feitas. Compre, leia e comprove. Desde o primeiro contato que tive com a Ocas fiquei absolutamente impressionado com a qualidade do conteúdo, editoração, e a importância do trabalho.

Amanhão, 07/02, acontece um sarau da revista em parceria com o projeto O Autor Na Praça. Segue detalhes do evento e, também, importante, a campanha para arrecadação de verbas para a manutenção da revista.

Serviço:

O Autor na Praça apresenta o Sarau da Revista OCAS.

Dia 07 de fevereiro, sábado, a partir das 14h.

Espaço Plínio Marcos – (Tenda na Feira de Artes da Praça Benedito Calixto – Pinheiros).

Info: Edson Lima – 3746 6938 / 9586 5577 – oautornapraca@oautornapraca.com.br

Realização: Edson Lima e AAPBC.

Apoio: Max Design, Jornal da Praça, Ponto de Fuga Cultura, Cinema e afins, Gula Goumert, Pablo Orazi Webdesign, Restaurante Consulado Mineiro e Cantinho Português.

Campanha para arrecadar verba continua – “A OCAS, que desde 2002 proporciona à população em situação de risco social meios para alcançar uma vida digna, como já noticiamos em dezembro de 2008, continua num período de entressafra de apoios e ainda necessita da sua ajuda para não interromper as atividades. Agradecemos a todos que já colaboraram e reforçamos que toda contribuição será bem-vinda. Se puderem repassar esta mensagem a seus amigos e conhecidos, talvez tenhamos mais chance de sair da desconfortável situação financeira, afinal, quanto mais pessoas conhecerem o projeto, mais chances teremos de receber apoio. Quando iniciamos a campanha de arrecadação, fixamos um valor de R$ 22 mil, com prazo até 5 de janeiro, porque estávamos numa corrida contra o tempo para evitarmos endividamento e juros bancários. Infelizmente não conseguimos alcançar nossas metas e tornamos a pedir ajuda de todos. Continuamos otimistas, crendo que a partir de abril parcerias se renovarão e novas surgirão. Até a presente data, contabilizando entradas e saídas para pagamento de despesas de praxe, já foram levantados R$ 8.535,90, valor ainda insuficiente para cobrir todas as despesas até abril. Apesar das dificuldades a edição de janeiro/fevereiro já está disponível com os vendedores”.

Para doar qualquer quantia, gentileza fazer depósito em nome da:

Organização Civil de Ação Social CNPJ nº 04.847.090/0001-01

Banco Itaú S/A. / Agência nº 0187 / Conta-corrente nº 44.013-6

O valor arrecadado é atualizado semanalmente no Blog da OCAS.

Além de doações, as pessoas podem contribuir comprando a revista dos vendedores, em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Se houver dúvidas sobre como adquiri-las escreva para ocas@ocas.org.br solicitando informações.

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O cliente NUNCA tem razão

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O brasileiro ainda está aprendendo muito lentamente que, como consumidor, ele tem direito a receber um atendimento em todos os níveis muito melhor do que o que ele recebe hoje. Ainda ficamos espantados sempre que conseguimos resolver algum problema sem maiores empecilhos: o que devia ser a regra torna-se exceção. Para ter sempre a mão, aí está o código. Útil porque, sob ele, não tem discussão.

A sensação que temos é que, sempre que contratamos um serviço ou realizamos uma compra, estamos vendendo parte da nossa alma. A verdade é que as empresas fazem o que querem e o consumidor tem que se virar para arcar com o que vier. Só depois, quem sabe, a custa de muita dor de cabeça e muito vai-e-vem, conseguir ressarcimento de algo.

Empresas de telefonia continuam no pódio: cobranças indevidas, atendimento deficitário, dificuldade para cancelar uma conta ou trocar de plano, etc. Mesmo com a nova lei sobre o call-center, problema que tinha se tornado uma piada de mau gosto há tempos, ainda vai levar alguns meses (com sorte) pra que isto fique minimamente aceitável. Saudade do 0800. Hoje, é difícil uma empresa ter um número gratuito com que o cliente possa falar com ela. O primeiro desrespeito. Além de pagar (e caro) pelo o que você contratou, você também tem que pagar novamente pra resolver um problema que a empresa originou, de responsabilidade dela. Não é ótimo?

A área é vasta e os absurdos se amontoam. Coisa que me faz pensar seriamente em me dedicar ao jornalismo investigativo/cidadão. Tem muita coisa pra ser denunciada, todos os dias. Empresas que abusam da paciência e do bolso do seu cliente. Ou seja, ao contrário do que diz o dito (popular?), o cliente nunca tem razão.

Desde para realizar a troca de um produto mais caro, até aquela conta no bar, que o garçom curiosamente sempre erra pra mais, nunca pra menos, é extremamente difícil ter o mínimo de respeito enquanto consumidor no Brasil. Coisas que são normais em países decentes, como ter o seu dinheiro de volta ou até não pagar a comida em um restaurante se você não gostou da qualidade do que lhe foi oferecido, aqui soa como absurdo, fantasia ou “esperteza”.

Não é novidade que o “jeitinho” e a malandragem brasileira, no fim das contas, ferra com todo mundo. As raízes disto são flagrantes. Sem se aprofundar muito, basta olhar para o povo português ou entender o básico da formação do Brasil.

Neste caso, sou um pessimista. Acho que teríamos que nascer de novo enquanto povo, enquanto nação, para as coisas mudarem de fato. Como é impossível, o mínimo que devemos fazer é exigir nossos direitos, brigar por tudo que as empresas fazem de errado, denunciar, questionar e nunca aceitar calado o que nos é imposto.

Não dá pra consertar tudo, mas dá para não ser feito de palhaço e evitar que outros sejam.

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