Literatura

Jornalismo – Nas Entrelinhas Do Caos

Eu nunca tive ilusões com o jornalismo. Nunca achei que fosse encontrar um mercado fácil, um curso empolgante, que fosse me maravilhar e ter orgasmos múltiplos a cada aula, cada matéria. Jamais tive a esperança de adentrar uma redação, ter algum talento/esforço/dedicação/interesse reconhecidos, colocar em prática o ideal (suspeito) de “servir à sociedade” e salvar o mundo. Não dou pra super-homem. A realidade é – e sempre foi – um pouco menos colorida. Talvez o jornal não seja preto-e-branco à toa.

Também nunca “decidi” que seria jornalista. Não foi uma decisão mecânica nem um sorteio dentro de um guia do estudante qualquer. Processo natural que culminou num caminho estranhamento óbvio. Sou tarado por informação. Extremamente curioso. Com sede de saber, um pouco mais, daquilo que gosto. Desde novo, a partir dos 10 anos – que me lembro bem – viciado em games e, posteriormente, cinema e música, comprava religiosamente, todo mês, revistas relacionadas a estes assuntos.

E costumava sonhar com jornais prontos frequentemente. Quando ia dormir pensando muito em algo ou querendo saber o resultado de alguma coisa, ou mesmo de modo esporádico, visualizava, perfeitamente, no sonho, toda a matéria de um jornal ou revista, lendo atentamente e acordando achando que aquilo era real! Depois veio, mais forte, a música. E o profundo interesse por ela. Lia, pesquisava, descobria, ouvia, trocava, vivenciava. Paralelo à música, a literatura. Gordinho, tímido, introspectivo, calado, rato de biblioteca, gamer, fascinado por todo aquele universo novo que se desdobrava.

Daí, não sei como nem onde, porque, quem, quando, comecei a escrever. Sem nenhuma pretensão, passei a escrever texto sobre música. Tentando compreender, interpretar e analisar as bandas que ouvia. Para publicá-las na internet, foi um passo. Gradativamente, melhorei, amadureci e me formei na mesma medida em que praticava a escrita, ora, na prática. E aprendi coisas simples na brincadeira: jornalista não é formado, cria-se. E que interesse, pesquisa, curiosidade, cara de pau, leitura, confiança, humildade e determinação são mais do que fundamentais. A faculdade foi conseqüência. Escrever textos bestas como este, também. Aprendi que nada acontece se você não fizer com que aconteça.

Eu nunca tive ilusões. Portanto, nunca me decepcionei. Às vezes, cometo erros propositais, provoco, insisto e bato de frente. Se eu não tiver o prazer de me divertir e incendiar, não tem graça. O engraçado é que o jornalismo, muitas vezes, transita entre o profundamente aborrecido e insuportável, e a imensa satisfação e desejo. Sejamos francos, na mídia tradicional, o jornalismo está morto. Para não ser tão rigoroso, digamos que uns 10% do que é produzido vale – muito – a pena. E tudo aquilo de bom que é feito me faz continuar a acreditar nessa profissão tão maltratada.

Ninguém, em sã consciência, optaria por uma carreira dessa: má remuneração, muitas horas de trabalho, mercado saturado, inchado, insuportável, reino dos jabás, da democracia da cosa nostra, da puxação de saco, disponibilidade quase integral para o veículo, superiores tiranos, nenhuma regulamentação, consciência de classe inexistente e sindicato inoperante, código de ética totalmente desrespeitado, dificuldade de ascensão na carreira, meio infestado de amadores, possibilidades de emprego escassas, estágios não remunerados, mais de 30 mil profissionais formados no país, expectativa média de 10 anos de atuação para os bravamente persistentes, mão de obra gradativamente mais barata, pouco reconhecimento, alta rotatividade e o mercado local, pasmem, ainda mais ingrato e restrito que outros países do mundo.

Afinal, o que leva um ser humano em suas perfeitas faculdades mentais a se formar em jornalismo? Juro que não sei responder a esta pergunta. Talvez uma parte entre iludida com ideais de fama, glamour, sucesso, dinheiro (a realidade de 3% da classe). Outros apenas por ser uma das opções que tinha em mente, curiosidade, sorteio. Outros tantos, ainda, de fato bem intencionados, querendo fazer um bom trabalho dentro do “quarto poder”. E outros, simplesmente, porque não se imaginam fazendo outra coisa na vida – parcela dos quais me incluo. Mas sei que a possibilidade é simplesmente, real.

Pior. No jornalismo, muitas pessoas atuam porque acham que podem fazer o trabalho que um profissional faria. Afinal, escrever, está aí, ao alcance de todos. Um release, uma notícia, uma “crítica”, uma matéria, uma entrevista…todos acham que com um pouco de interesse consegue “dar conta”, levando muita gente que passou longe de uma formação acadêmica a atuar na área e roubar vagas de quem, em tese, deveria as estar ocupando. Há um problema sério nisso: jornalismo, realmente, não se aprende na universidade. Ela não chega a ser inútil, mas o principal, a parte funcional da profissão, que nos é ensinado na teoria e na prática, não chega a ser um mistério. É inconcebível (e a sociedade não aceita, bem como os conselhos de cada profissão não permitem, órgão inexistente no jornalismo) que um engenheiro, médico, professor, advogado, economista, etc, atuem sem terem um diploma. Além de ser uma profissão que se regulamentou tarde, herdando muitos profissionais antigos, formados na prática, todo mundo acha que pode fazer o trabalho que um jornalista faz.

Vai piorar: muitos cursos superiores, seguindo as mudanças das normas do MEC, passarão a ser de apenas 2 anos, englobando somente a parte técnica do jornalismo e excluindo as disciplinas “humanas”, de formação, reflexão, teoria, cultura. Além de isto aumentar a velocidade com que supostos “profissionais” são jogados no mercado, ainda destrói a já precária formação acadêmica de um repórter. Se ter a capacidade de pensar e refletir, o arcabouço teórico e o background cultural já são predicados escassos, os verdadeiros macacos que sairão destas instituições conseguirão a proeza de estar incontáveis níveis abaixo dos símios que hoje são formados. O grosso, as “técnicas” do jornalismo são tão óbvias e fáceis que muitas vezes, pra mim, tornam-se insuportáveis. É preciso descer alguns níveis, transmutar-se num ser um pouco mais burro do que já é para fazer tal matéria. E isto é difícil. Parece engraçado, ou exagero, mas não é. A inteligência, no jornalismo, não é muito bem vinda (muito menos do que seria saudável ou se gostaria de admitir).

Se o prospecto é ruim, e tende a se agravar, só me resta parafrasear o REM: este é o fim do mundo, como o conhecemos, e eu NÃO me sinto muito bem.

Mas não é só apocalipse que resta.

Na verdade, além de utópico e um pouco masoquista, o jornalista encontra alguns benesses na profissão, mas, sobretudo, há o prazer de escrever, conhecer, divulgar, encontrar coisas novas, excitantes, desafios diários entre a pressão, o mau humor, os goles de café, a saúde que vai pro ralo e o salário risível no fim do mês. Mesmo com tudo, consegue ser uma profissão fascinante, divertida, curiosa, recompensadora.

Há pessoas que tem isso no sangue. Que nasceram com palavras correndo em suas veias. Com uma sede impetuosa de conhecimento, informação, cultura…e de compartilhar isto. Como sempre, o que não encontra muita racionalidade, a paixão explica. Uma parte de inclinação, também.

Vivemos em dias estranhos, disse Jim Morrison há mais de 40 anos atrás. Atualmente, isto parece mais “verdadeiro” do que nunca. Há que se ter persistência, desejo, ímpeto, força…e competência, ânimo. Crescer dando murro em lâmina. E melhorar com isso. Não sei como a equação se resolve, repito, “é como se você pegasse o ontem, o hoje, e o amanhã”. Não dá pra dizer o que irá acontecer. E esta, afinal, é a graça da vida.

“Strange days have found us
Strange days have tracked us down
Theyre going to destroy
Our casual joys
We shall go on playing
Or find a new town

Yeah!

Strange eyes fill strange rooms
Voices will signal their tired end
The hostess is grinning
Her guests sleep from sinning
Hear me talk of sin
And you know this is it

Yeah!

Strange days have found us
And through their strange hours
We linger alone
Bodies confused
Memories misused
As we run from the day
To a strange night of stone”

Padrão
Música

Rufus em BH e o fracasso do mundo – Pílula Pop

Foto: Daniel Oliveira / Pílula Pop

Ao contrário da minha nota jornalística sobre o show, básica, Daniel Oliveira, colaborador do site Pílula Pop, conseguiu captar toda a essência de beleza e melancolia, ironia e dor, presente no show de Rufus Wainwright em Belo Horizonte. E porque eu adoro reconhecer o trabalho de quem tem talento. Confira a resenha do rapaz:

Como eu festejei o fracasso do mundo – Rufus Wainwright ao vivo no Freegells Music – BH

Padrão
Artigos/Matérias/Opinião, Política & Economia

Comunidades Quilombolas Negligenciadas

Foto do último Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais Quilombolas e Religiosos de Matriz Africana Serra da Barriga, União dos Palmares, em Alagoas, 18 e 20 de novembro de 2007

Em dezembro tive a oportunidade de conferir parte do Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo, em 4 dias de debates, apresentações e reinvidicações. Quilombolas são os descendentes de escravos que formaram os agrupamentos de resistência de refugiados intitulados quilombos. Hoje, no Jornal da Cultura, que está fazendo um especial sobre o tema, foi denunciado a situação política delicada que muitas destas comunidades vivem.

Com o direito reconhecido desde a Constituição de 1988, as mais de 2.000 comunidades quilombolas do país têm direito adquirido à terra. Mas, até hoje, dada a tão notória burocracia das instituições, apenas 113 foram reconhecidas, ganhando o processo de titulação. As exigências dificultam o pedido, através de documentos comumente difíceis de se conseguir. Estes grupos, muitas vezes tratados como se a escravidão ainda não tivesse sido extinta (na verdade se transmutou em outras formas), a exemplo deste caso, penam sob o ineficiente e paquidérmico Estado brasileiro. Como se não bastasse, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB), de Santa Catarina, criou projeto de lei que “simplesmente” visa revogar o decreto presidencial 4.887, de 2003, que referendava a titulação e demarcação de terras quilombolas. Em seu site oficial o também engenheiro agrônomo afirma que “o que está em xeque é o direito constitucional de propriedade, pois legítimos donos de terras reivindicadas para os quilombolas correm o risco de perderem suas propriedades”.

Traduzindo: entenda “legítimos donos de terra” como latifundiários que muitas vezes adquiriram suas propriedades através de práticas, digamos, “pouco ortodoxas”, que fazem parte da imunda fundação e “desenvolvimento” deste país, paraíso das oligarquias e do mandatismo rural. Defender os interesses deste grupo de pessoas parece ser, naturalmente, a principal preocupação do deputado. Sem dúvida que os processos de reconhecimento de terra dos quilombolas devem ser rigorosos e sérios, visando beneficiar quem realmente merece e impedindo que aproveitadores se utilizem disto. Isto é o básico que toda ação do tipo deve ter. Daí a revogar o direito adquirido com sangue e exploração destes descendentes é algo que as oligarquias do campo sem dúvida almejam e não devem conseguir. Ainda em seu site, o deputado tem a chamada “já comeu hoje? agradeça a um agricultor”. Mensagem admiravelmente humanitária…(ironia aqui, por favor)…talvez devêssemos perguntar a ele, “desfruta de uma vida confortável hoje, com terras produtivas e boa situação financeira de sua família? agradeça aos quilombolas!”.

Reconhecer o direito à terra que estes povos têm é o mínimo que o Brasil deve. Já que devemos a construção deste país aos escravos, após séculos de exploração e desmando indevido, parece uma migalha dar a eles o que é de direito – e nem isto querem!

Tomar consciência desta situação e destas lutas é fundamental para cada um de nós, contribuindo com o possível.

Conheça mais sobre a história e a situação dos quilombolas:

Fundação Cultural Palmares

Observatório Quilombola

Comunidades Quilombolas

Quilombo.org

Projeto Quilombos

Consciência NET

Padrão
Artigos/Matérias/Opinião

Gosto se discute

(Artigo escrito em 20.12.2005 e publicado originalmente no site Duplipensar – www.duplipensar.net)

 

Continuando nossa série de “conceitos simples que trazem confusão”, vamos elucidar a terrível catacrese axiomática de que “gosto não se discute”. Na verdade, variante do seguinte dito popular (desculpem-me a transcrição literal): “opinião é igual bunda, todo mundo tem” ou “criticar qualquer um critica”.

 

Tomada no âmbito rasteiro pelo qual se popularizou, a crítica é encarada como manifestação intelectualmente confortável e de cunho puro e simplesmente destrutivo. Uma heresia gigantesca.

Diante de seu imensurável poder empírico, a crítica é uma elevadíssima arte que exige perscrutação apurada do objeto abordado. Construtivamente inigualável, sempre foi – e continua sendo – requisito básico para a compreensão do mundo em que vivemos. Só ela fornece matéria confiável e adequada para a indispensável interpretação daquilo que nos cerca, configurando-se como resultado de incessantes e profundas absorções reflexivas (em sua manifestação mais séria e rebuscada, pelo menos).

 

É comum que os críticos musicais, literários, cinematográficos, políticos, sociais e das artes em geral sejam sempre tratados como “o inimigo”. Um ser metido e execrável, disposto sempre a espinafrar gratuitamente o objeto avaliado em função de seu ego e suas preferências exóticas. É inegável que tais seres existem aos montes, reforçando a validade do estereótipo (ou talvez o cinema iraniano seja mesmo o melhor do mundo), contudo, estão longe de serem a maioria. Não raro a receptividade do público e da crítica difere entre si, o que é absolutamente natural. Ainda que aprove tal obra, o crítico sempre faz suas ressalvas, considerações, observações e notas, relacionando-se, de fato, com o objeto abordado, não podendo se restringir ao simples e vazio “gostei ou não gostei”, “é bom ou não é”. Ele precisa justificar o porquê de sua avaliação, explicar razoavelmente suas conclusões, denotar respeito através de suas palavras, submetendo-se ao público, que testará seu conhecimento. É de tais imperativos que se deriva grande parte do fastio e da dificuldade de tal ofício.

 

O título deste texto foi a maneira mais eficaz que encontrei para chamar a atenção para a questão. Na verdade, gosto não se discute. O que se discute são técnicas, qualidades, execução, criatividade, legado, inovação, aplicabilidade, ética, enfim. Cada arte, cada coisa que é passível de crítica possui seus próprios fundamentos, história, regras e preceitos, os predicados e as falhas, identificadas logo numa primeira instância. Coisa que o público comum, geralmente, não possui a capacidade de avaliar. Não se trata de corporativismo, ou seja, de um crítico chato querendo justificar a chatice de seus companheiros e a alegada superioridade intelectual de avaliação, que, diga-se, não é inata, mas fruto de aprimoramento e experiência. Também é desnecessário discutir se o crítico é ou não “superior” à média do público, a opção não existe, ele simplesmente tem que ser dotado de maior capacidade – não necessariamente intelectual. Ele tem que ter um diferencial, um acuro técnico, senso apurado de observação, organização e grandiosidade. O verdadeiro crítico tem que ter estes predicados, tem que se configurar como alguém acima do normal, porque esta é uma imposição da função, nada mais. E isto, óbvio, não significa que ele “está sempre certo” ou que “sua palavra é a lei” e qualquer besteira do tipo.

 

Gosto é gosto. Crítica é crítica. Eu posso aprovar tal coisa mesmo sem gostar dela, sem apreciá-la, sem tê-la, pessoalmente, como algo adorável. Aí que entra a imparcialidade. Pude comprovar nos últimos tempos, através de debates, discussões, pesquisas e matérias, que o conceito de imparcialidade anda muito desgastado, desacreditado e até desencorajado, ou seja, em baixa. Profissionais experientes dizem que ela é uma farsa, iniciantes a ridicularizam. Para tais, é impossível dissociar qualquer análise – por maior que seja a boa intenção e o distanciamento do crítico – de sua própria história e gostos pessoais. Entrando na famigerada dualidade razão-emoção, paixão-sobriedade. A parcialidade nos seria inerente. O olhar individual, por excelência, seria duvidoso, errôneo, incompleto, passional.

Verdades obscuras, falsas sínteses.

Será tão difícil separar a vida profissional da vida pessoal, os gostos da opinião crítica?

É aceitável que um jornalista esportivo tenda a olhar com mais carinho para o seu time do coração? Ou que um crítico musical favoreça suas bandas preferidas?

Ainda que defendamos uma posição, uma ideologia sobre determinado assunto – logo, estaríamos assumindo claramente uma das partes – ainda nestes casos é possível sair ileso. Isto não impede que sejamos imparciais, confiáveis e críticos. Pelo contrário, a crítica reina suprema sob tudo.

O que você é enquanto individuo não deve servir de desculpa para a tendenciosidade. Devemos utilizar nossas ideologias e gostos para sermos ainda mais pungentes em nosso ofício, ou mesmo no dia-a-dia. Nossa história deve influir de forma contributiva para este aspecto, pois, afinal de contas, o background cultural, seja ele qual for, é requisito básico para a crítica.

 

Acima das idiossincrasias há uma arte, um estudo, um padrão de avaliação que não provém da pessoa em si, mas do aspecto cronológico em que tal coisa está inserida. Desprezar a história e subestimar a capacidade de reflexão e estabelecimento de grandezas é um erro inadmissível. Não é possível pautar-se apenas pelo que se gosta, assim, o crítico que tece comentários negativos em relação a tudo que ele não aprecia não passa de um mentecapto insignificante. Respeito. Prudência. Pesquisa. Observação. Ser moderado mas intenso, razoável mas pungente, é deveras complicado. Exige várias qualidades que necessitam serem aperfeiçoadas continuamente. Cair na verborragia, e, por conseqüência, no amadorismo, é muito fácil. Oxalá que a imunidade a isto existisse.

 

Gosto se discute. É divertido. Crítica também. A segunda é infinitamente mais séria e dolorosa do que parece.

 

 

Padrão