Filmes

Sombras de Goya

Goya’s Ghost – Milos Forman – 2007 – ****

Traduzido no Brasil como “sombras de Goya” – no caso eu preferiria a tradução literal “fantasmas de Goya” – este filme do cineasta tcheco Milos Forman foi estranhamente ignorado pela crítica e pela Academia (merecia, no mínimo, várias indicações ao Oscar). Forman tem carreira bem peculiar dentro do cinema estadunidense. Desde “Um Estranho No Ninho” (vencedor absoluto em 1975), passando por “Hair”, “Amadeus”, “O Povo Contra Larry Flynt” e “O Mundo de Andy” – não vi “Ragtime” e “Valmont” – o diretor tornou-se um dos nomes mais relevantes do cinema.

“Sombras de Goya”, ambientado na Espanha em 1792, tem uma direção de arte primorosa e fotografia eficiente, criando as texturas adequadas para os diversos cenários da estória. Além disso, os três protagonistas, Javier Bardem, Natalie Portman e Stellan Skarsgard estão ótimos. É impressionante a transformação que fizeram em Portman após anos no cativeiro (a menina está se acostumando a passar por torturas em filmes, como vimos em “V De Vingança”).

Como um escorregão histórico imperdoável, a película tem o vício de ser falada em inglês (isso na Espanha de 1792!). Óbvio que a opção facilita não só para os atores mas para o circuito comercial do filme nos Estados Unidos e mundo afora, mas não dá para ignorar. Focado na Inquisição da Igreja Católica, conflitos de poder, familiares e questões internas dos personagens, “Sombras de Goya” ilustra o quanto a Igreja Católica é a instituição mais asquerosa, hipócrita, corrupta e abjeta da história humana (como se fosse necessário). Para mais detalhes recomendo o livro “Escandâlos Reais”, de Michael Farquhar, que tem fatos contundentes sobre alguns papas, como também de várias linhagens reais – detalhes ligados diretamente ao filme de Forman, portanto.

Vasculhando novamente na obra de Farquhar, achei, na página 279, trechos do “Livro Dos Mortos”, o “guia para os inquisidores” da Igreja Católica na época. Reproduzo aqui as passagens, importantes para a ambientação de uma das principais partes de “Goya’s Ghost”:

“Ou o sujeito confessa e tem sua culpa comprovada por força de sua própria confissão, ou não confessa e é igualmente culpado mediante a evidência dos testemunhos. Se alguém confessa a totalidade daquilo que é acusado, sua culpa por tal totalidade é inquestionável: contudo, se confessa apenas uma parte, deve ainda sim ser considerado culpado de tudo, uma vez que o que confessou prova sua capacidade de ser culpado dos demais pontos da acusação. (…)

“A tortura corporal sempre foi considerada o mais salutar e eficiente meio de levar à penitência espiritual. Assim sendo, a escolha da forma mais conveniente de tortura cabe ao Juiz da Inquisição, que deve determiná-la conforme a idade, o sexo e a constituição do réu. (…)

“Se, não obstante todos os meios empregados, o infeliz miserável insistir em negar sua culpa, deverá ser considerado vítima do demônio – e, como tal, não merece a menor compaixão por parte dos servos de Deus, nem a piedade e a indulgência da Santa Madre Igreja; trata-se de um filho da perdição. Deixem-no perecer em meio aos condenados.”

Creio que o conteúdo fala por si…

Pesado, “Goya’s Ghost” tem algumas reviravoltas atravessadas, num roteiro mal-acabado e edição confusa. Ainda assim, são falhas que não comprometem o todo, sendo outro grande filme de Forman, que merece muito mais atenção do que a que recebeu.

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Esportes

Análise do Flamengo no Brasileirão 2008 (até agora)

Feita a crônica da minha relação com o Flamengo e um panorama do futebol em si, é hora de irmos direto ao Brasileirão 2008.

Friamente, o Flamengo irá perder para si mesmo. E não, isto não é uma constatação de um torcedor fanático que não admite a derrota pura e simples. Após a torcida ter carregado o time nas costas em 2007, levando-o a conquistar uma vaga na Libertadores, o Flamengo começou o campeonato em 2008 avassalador, com a melhor campanha de uma equipe no Brasileirão de pontos corridos até 11º rodada, quando venceu o rival Vasco no Maracanã por 3 x 1 e deixou os analistas com a certeza de ser o favorito ao título. Até aquele momento o time tinha 8 vitórias, 2 empates e uma derrota, tendo o melhor ataque e sendo líder absoluto da competição com 5 pontos de vantagem sobre o segundo colocado.

O time, redondo, estava sólido na defesa, no meio e no ataque – mas faltavam peças de reposição. E isto ficou evidente com as saídas de Marcinho, artilheiro da equipe, em ótima fase e um dos principais responsáveis pela campanha, e, em menor grau, de Souza, o trombador eficiente, e Renato Augusto, meia de enorme talento revelado na casa que andava cabisbaixo. Como o futebol brasileiro é fraco, amador, financeiramente limitado e refém dos clubes de fora, a janela de transferência castigou principalmente o Flamengo, que perdeu jogadores fundamentais e, mais importante, demorou muito a contratar substitutos. Pra piorar, um dos melhores meias defensivos, Klebérson e um atacante não dispensável, Diego Tardelli, se machucaram, com o segundo ficando fora até 2009.

A equipe caiu em desgraça: conseguiu a proeza de passar 7 rodadas sem vencer, com 5 derrotas e 2 empates. Muitas vezes jogava bem (como contra Palmeiras, Goiás e Botafogo), mas errava finalizações em demasia e se atrapalhava nas próprias bobagens. Podem anotar: a pontaria jogou o título pro espaço, e nestas 7 rodadas o Flamengo rasgou o hexacampeonato que, senão fácil, estava plenamente possível. O empate em 2 x 2 com a Portuguesa, por exemplo, com Ibson desperdiçando um pênalti aos 44 do segundo tempo (e o time vindo de derrotas para Coritiba e Vitória), não apenas somaria mais 2 pontos como interromperia a má fase e daria outra perspectiva para as partidas futuras.

Após passar semanas e semanas sonhando com Felipe, no Oriente Médio, e Vagner Love, na Rússia (com incontáveis viagens tentando concretizar o negócio), a diretoria passou a contratar em peso: vieram Marcelinho Paraíba, meia muito bom mas já em fim de carreira, Eltinho e Evérton, do Paraná, Dininho, pra zaga, Vandinho, do Avaí, um dos artilheiros da temporada até então, Josiel, da França, e os estrangeiros Sambueza, do River Plate, considerado muito habilidoso e Gonzalo Fierro, do Chile, outra promessa da mesma geração de Valdívia. Foi o time que mais contratou.

Além de todo o tempo necessário para estes jogadores serem regularizados, entrarem em forma e poderem ser aproveitados no time, houve algumas contusões, como a de Vandinho, e convocações para as seleções do Chile (Fierro) e Brasil (Juan), o último peça fundamental da equipe.

Mesmo fazendo uma das melhores campanhas do segundo turno, com apenas uma derrota, dentro da normalidade, para o São Paulo, o Flamengo mostrou a dependência de Fábio Luciano e Juan ao perder de forma vexatória para o Atlético Mineiro no Maracanã (17.10.08) lotado com 80 mil pessoas (maior público da competição), jogando a sua pior partida no ano e praticamente enterrando as chances de título num momento chave do campeonato. O jogo, aliás, pode ser tranquilamente comparado a outro vexame semelhante, os 3 x 0 para o América do México: mesmo Maraca, mesmo placar, mesmo público, mesma atuação pífia e inexplicável.

Dada este tiro na alma da magnética rubro-negra que iria suar sangue para lotar o estádio e levá-lo ao título milagroso, o que resta são migalhas ante o investimento feito. Das contratações, Everton teve boas atuações mas não se firmou, Vandinho é mediano e esforçado, Sambueza não foi aproveitado como deveria, Fierro não teve chances, Dininho é uma peneira, e Josiel, além de (muito) limitado está fora de forma. O único que realmente fez a diferença foi Marcelinho Paraíba, dando qualidade para um setor desestruturado. Pra piorar, Caio Júnior não é um técnico tão bom assim, fazendo pataquadas dignas de uma estupidez flagrante e Ibson lembrou que joga menos do que falam que joga.

Faltando 8 jogos e na 5º colocação com 52 pontos, a 4 do líder Grêmio, o título é algo possível mas que o time, em campo, não joga o suficiente para merecê-lo. Contra o Vasco, por exemplo, vitória por 1 x 0 diante de péssima atuação. Sendo assim, confira análise sobre o elenco e pitacos sobre as pelejas que estão por vir.

Goleiros

Bruno – Bom jogador que foi fundamental para a equipe em 2007 e também em 2008, mas com panes mentais dignas do pior frangueiro do mundo. Temporada razoável. Falha nas saídas do gol, posicionamento e reposição de bola.

Diego – Excelente goleiro reserva que deve estar cansado de amargar a posição, após anos relegado.

Zagueiros

Ronaldo Angelim – Monstro: eficiência, boa forma física e leal nas abordagens (apenas um cartão amarelo na competição).

Fábio Luciano – Capitão, imprescindível. Liderança e domínio do setor.

Leonardo – Uma piada. Quase não jogou.

Thiago Sales – Jovem. Tem potencial. Faz gols (esse ano já foram 4).

Dininho – Lamentável, afundou o time todas as vezes que entrou.

Laterais

Juan – Melhor lateral esquerdo do Brasil.

Leonardo Moura – Quando quer, joga muito. Tem dias “menos inspirados” com maior freqüência do que o desejado.

Eltinho – Risível.

Luizinho – É “inho” de mais na equipe. Futebol equivalente ao nome diminutivo.

Volantes

Toró – Ás vezes acha que está no “futebol americano”. Quando não quer aparecer e matar alguém, funciona.

Jonatas – Contratado como estrela, desapareceu. Bom jogador que nem no banco fica mais e deve estar chorando pelos cantos.

Jaílton – A besta, único remanescente da colônia desastrada do Ipatinga que veio para o Flamengo. Apesar dos pesares, foi (e é) importante mesmo com as suas limitações.

Aírton – Tem futuro. Marca bem e sabe jogar.

Meias

Erick Flores – 18 anos. Sua participação mais marcante foi um bonito drible no jogo contra o Atlético Mineiro no primeiro turno. Sem mais.

Kléberson – Devia ser mais regular. Dá segurança ao setor e sabe sair com a bola, quando necessário.

Sambueza – Mostrou que tem o que oferecer, mas ainda tímido. Não deve entrar nas loucuras de Milhouse ao ir jogar na lateral (!?!?!).

Fierro – Praticamente não teve chances. Está demorando a ser aproveitado no time.

Ibson – Jogador mediano que passou a mostrar que não joga tanto quanto acha que joga. Em dias ruins (freqüentes) é um desastre. Faltando seriedade e determinação.

Evérton – Jovem habilidoso que naturalmente tem seus altos e baixos.

Atacantes

Maxi – O primo paraguaio do Messi. Joga exatamente o que a descrição entrega.

Marcelinho Paraíba – Apesar de causar desconfiança pela idade avançada (33), foi o principal responsável pela melhora do time no segundo turno. Chegou com vontade e qualidade, tomou conta do ataque, cria, dá o sangue e marca gols. Se não bobear vira ídolo da torcida.

Vandinho – Alguma competência na finalização. Esforçado, técnica mediana.

Josiel – O tradicional trombador que, quando dá sorte, marca. O Flamengo sempre tem um desses (ou vários). Fora de forma, foi nulo até o momento.

Paulo Sérgio – Jovem, poucas chances, fraco.

Diego Tardelli – Frágil e dorminhoco, deu a sua contribuição e era opção interessante para o setor. Lesão ajudou a levar o time pro buraco.

Obina – Folclórico. 80% carisma, 20% sorte. Finalizador pífio, desperdiçou uns 115 gols feitos na competição. Apesar de, às vezes, entrar em campo com seriedade e lutar ao máximo para fazer o possível (é um brigador), sua técnica atabalhoada e principalmente a finalização sofrível estraga tudo. Devia ter sido sacado do time há muito. Sobrevive pelo carinho da torcida (já abalada). Dá sorte e de tanto insistir, acaba marcando. Apesar de tudo, é um dos principais jogadores da temporada, com 11 gols e 10 assistências.

Caio “Milhouse” Júnior (Técnico) – Perdido e desorientado, até hoje não definiu um padrão de jogo e um esquema básico para o time, principalmente no ataque, como já admitiu. Atrapalhado pela lentidão da diretoria, teve que montar o grupo durante o campeonato, fazendo mais experiências do que o saudável. Não sabe o que fazer quando Juan está fora, chegando ao absurdo de improvisar Sambueza (deixando uma avenida que contribuiu para a derrota histórica). Conseguiu descartar Jonatas, escalar Josiel sem condições e demorar a achar um espaço no time para Fierro. Não tem coragem para sacar Ibson definitivamente. Insiste em Obina pelo carisma, não pelo futebol, como disse há pouco. Um brincalhão. Dá a sorte de, mesmo não passando de um treinador mediano, preguiçoso e sem pulso, não ter ninguém no mercado brasileiro melhor que ele. Está ganhando mais do que deveria.

Márcio Braga (Presidente) e Kléber Leite (Diretoria) – Dois patetas. Maiores responsáveis pela quase certa perda do título. Sabotaram o time ao demorarem uma eternidade na contratação de reforços. Envolveram-sem em duas palhaçadas: a primeira com a Nike e a Olympikus, numa confusão digna de amadores e a outra com a Petrobras, numa relação já conturbada há tempos. Incapazes de conseguir novos e lucrativos parceiros. Nenhum dos dois poderiam estar no Flamengo, especialmente o pirotécnico Kléber, que teve um dos mandatos mais pífios e ridicularizantes da história do clube, contratando mais de 100 jogadores, estragando o centenário, se afundando em dívidas e ganhando apenas um campeonato carioca em 4 anos de administração. E Márcio Braga fala muito e trabalha pouco, além de tudo. A dupla é um câncer a ser extirpado.

Previsão dos próximos jogos

Flamengo x Coritiba (Casa) – Juan e Fábio Luciano fora a exemplo de contra o Atlético Mineiro. Considerando a peneira que o time vira nestas circunstâncias e se Caio Júnior não inventar muito, pode sair um empate. Vitória será milagre.

Vitória x Flamengo (Fora) – Precisa (e pode) vencer, devolvendo a derrota do primeiro turno.

Flamengo x Portuguesa (Casa) – Vitória. Tem obrigação de ganhar. Se não, pode fechar o clube.

Botafogo x Flamengo (Maraca) – Ganha se jogar sério.

Flamengo x Palmeiras (Casa) – Altamente motivado, deve ser um dos melhores jogos do returno. Vitória é fundamental.

Cruzeiro x Flamengo (Fora) – Jogo muito difícil, deve perder. Empate é bom resultado.

Flamengo x Goiás (Casa) – Vitória.

Atlético PR x Flamengo (Fora) – Depende da situação que chegar nesta rodada (se com chances para o título, para libertadores ou nenhum dos dois). Mas ganhar do ridículo time do Atlético PR é obrigação.

Como se vê, apesar de todos os pesares, as chances ainda são boas (não há nenhum time no Brasil, atualmente, melhor que o Flamengo). Para isso, precisam parar de errar passes, pois parece que desaprenderam (os erros aumentaram muito). Mesmo assim, o título a equipe já fez questão de jogar fora. Acredito na vaga para a Libertadores. Próxima análise após o término do campeonato. Veremos.

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Esportes

O ser Flamengo e a magnética do futebol

Eu sou Flamengo. E estas coisas não se explicam. Paixão verdadeira por um clube de futebol não tem motivo aparente. Desde que me reconheço no mundo, sou Flamengo. Ainda (muito) moleque, lembro de ter comemorado o penta brasileiro em 1992 pelas ruas de uma cidadezinha no interior do Espírito Santo, ainda sem saber direito o que estava acontecendo.

Ter um sentimento tão forte por uma equipe de futebol é uma daquelas coisas idiotas e sem sentido que você não consegue se livrar. Afinal, em tese, pela razão, não tem influência nenhuma na sua vida. E, como diria o meu avô, você se mata por meia dúzia de milionários que ficam lá correndo atrás de uma bola. Ele tem razão. O salário de um mês de um grande jogador do Flamengo atual deve ser o equivalente aos ganhos de milhares de flamenguistas juntos num único ano.

É o time do povo. Da favela que desce em peso pro Maracanã. Do cara humilde com dois dentes na boca que leva o filho pra ver um clássico no domingo. De gente que tem como sentido da vida deles o Flamengo. Literalmente, o Flamengo é a vida do cara. Temos a maior torcida do mundo: 35 a 40 milhões de pessoas. Tombada pela prefeitura do Rio de Janeiro como patrimônio cultural da cidade. Já viram isto? Repito: a torcida do Flamengo foi tombada pela prefeitura do Rio como patrimônio cultural do município. Homenagem mais que merecida.

Muitas vezes, esta é uma relação de amor não correspondido. O torcedor sofre, se importa, acompanha, colabora…e o time não corresponde, não consegue transformar isto em vitórias, em respeito a quem está no estádio. Sobretudo, porque o futebol é só um esporte. E o perder e o ganhar é parte inerente – longe de uma equação simples ou factual – da essência do jogo. Você fica puto, fica feliz, desiste, volta a acompanhar, se revolta, finge não se abater, vibra, xinga, se conforma, gasta horas pensando nisso, não assiste mais aos jogos, vai ao estádio…no clichê pelo clichê, é a montanha russa de fases e emoções que todo relacionamento possui. Com a certeza de que será pra vida toda. “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”.

Na verdade, torcedor “vira-casaca”, pra mim, não é torcedor. Nunca foi e nunca será. Dou risada quando me perguntam: “ok, e em Minas você torce pra que time? E em São Paulo?”. Hã? Como assim? Como, que diabos, num estado X ou em outro, pra que time eu torço? Eu sou F-L-A-M-E-N-G-O. No Espírito Santo, onde nasci, em Minas, onde moro, no Sri Lanka ou na Venezuela. O resto é o resto.

Já diriam os anais da crônica esportiva nacional que o futebol é o momento onde todo brasileiro é igual. É a hora quando, não importa que classe social você pertença, seu “intelecto”, profissão, cor ou o que quer que seja, você se torna mais um hipnotizado pelo magnetismo de uma paixão, uma torcida, um estádio, um clube e uma bola rolando. Verdade inegável.

Até por isso, eu tenho pena não só de nós, torcedores, como do futebol brasileiro em si. Não dá para imaginar quanto dinheiro é roubado, quanta sujeira se esconde nos bastidores e quanto a péssima administração de cartolas e conselheiros caducos e sangue-sugas entranhados nas dependências dos clubes jogam o esporte pra baixo. Em termos de mercado, desconheço algo mais forte que o futebol em nosso país. E o modelo de administração do século XIX, somado ao óbvio desvio de verbas e a pura e simples incompetência e amadorismo, jogam no abismo os clubes locais, que ganhariam horrores se profissionalizando.

Imagine o que uma boa diretoria, profissionais qualificados nas diferentes áreas administrativas e um departamento de marketing decente não fariam com um contingente de 40 milhões de torcedores? É impossível um patrimônio assim, se bem gerido, dar prejuízo. O Flamengo seria o clube mais rico do mundo, e tem nítido potencial para ser.

O futebol, na pior e na melhor faceta, é, realmente, a síntese do Brasil. O que temos de mais vivo e mais podre. O único lugar onde existe memória – nas outras coisas o passado é ignorado e o que lembramos raramente vai até o ano anterior (política, economia, artes, etc, etc, etc).

Não dá pra ser brasileiro ignorando o futebol. Seria um contra-senso inexplicável. Um atestado de estrangeirismo e estupidez (tanto quanto deixar a paixão por ele o tornar cego e fanático).

Não é nisto, o futebol, que um povo e um país se resumem. Mas é impossível compreender o Brasil de hoje e sempre sem passar pelo relvado – como diria o português antigo. Eu sou Flamengo. E continuarei sendo não importa o que aconteça. Vocês, outros, que se degeneraram, que continuem torcendo para o clube que torcem. E que ajudem a melhorar o esporte – com todos os benefícios que vêm com isso.

Pouco temos de tão belo e essencial.

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Esportes

Brasil conquista o hexa do mundial de Futsal

Foto: Terra/AFP

Em jogo nervoso, como era de se esperar, cheio de cautela, o Brasil conquistou o hexa campeonato mundial de futsal, considerando os dois títulos ganhos na época em que o torneio era organizado pela Fifusa. Franklin, goleiro reserva e jogador mais experiente da equipe, defendeu dois penaltis e foi considerado o grande “herói” da vitória contra a Espanha – quebrando a hegemonia européia conquistada na última década.

Além da óbvia recuperação do prestígio que o título proporciona, consagrando a geração de Falcão e cia, o hexa, em casa, serve de grande impulso para o incentivo do esporte no país, tanto dos praticantes mas principalmente midiático e, quem sabe, para uma nova liga nacional melhor organizada. É torcer.

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Listas/Citações, Literatura

David Foster Wallace, leitura e suicídio

Capa da revista Onion Weekender de 21 de maio de 2006, este post é uma homenagem à obra de David Foster Wallace, um dos maiores escritores estadunidenses dos últimos tempos. Foster cometeu suicídio há pouco mais de um mês. Que isto não cause estranheza: as relações do suicídio com a literatura e a arte são intensas desde sempre. Os Estados Unidos, por exemplo, têm tradição em grandes escritores suicidas: Ernest Hemingway, Sylvia Plath, Hunter Thompson…

DFW se foi precocemente, deixando uma obra pequena porém vasta. O suficiente para gerar anos e anos de estudos e se firmar na história. A capa da revista não foi escolhida a toa. Nela, Foster diz: “Eu nunca aprendi a ler”.

Isto é o principal. Um escritor da sua magnitude admitir algo assim apenas revela o que sempre disse: saber ler é muito diferente de ser alfabetizado. E as pessoas, 95% delas, acham que sabem ler. Não sabem. É algo infinitamente mais delicado e complexo do que parece. Conheço poucos que conseguem. Eu mesmo passarei toda a minha vida tentando aprender.

Recomendados:

Revista Piauí – Despedida – A liberdade de ver os outros (texto belíssimo – e sintomático – do próprio DFW, publicado na revista).

David Foster Wallace e Infinite West (ótimo ensaio sobre o autor e sua principal obra).

Nota de suicídio de Hunter S. Thompson (pai do jornalismo gonzo).

Dicionário de Suicidas Ilustres – excelente artigo sobre o tema

Porque um escritor se suicida? – matéria especial do jornal El País

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Filmes

Fargo

Fargo – Joel & Ethan Coen – 1996 – ****

Provavelmente a obra mais reverenciada dos irmãos Coen, vencedora dos Oscar’s de melhor roteiro original e melhor atriz para Frances McDormand (ótima no papel mas sem nada absolutamente genial que justificasse a estatueta, um exagero). Para quem possa se enganar, o filme não é baseado em fatos reais, como os irmãos avisam no começo – trata-se somente de uma pegadinha típica dos Coen. Roger Deakins, um dos maiores nomes de Hollywood, entrega sua costumeira e irretocável fotografia, trabalhando muito bem sob o inverno e o branco/cinza da paisagem, criando o contraste com o ambiente quente e aconchegante dos cenários internos (casas, restaurantes, etc) – dualidade sempre presente na obra: vida/morte, carência/apego, frieza/calor, silêncio/ruído e assim por diante. Curiosamente, quem menos fala – Gaear Grimsrud, interpretado por Peter Stormare, na melhor atuação da película (pra mim) – é o causador de boa parte das desgraças e das mortes.

O roteiro é engenhoso e bem amarrado, apesar de alguns furos e exageros ficcionais. O subtítulo nacional “uma comédia de erros” define bem o que é Fargo. Bom filme superestimado pela crítica.

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Esportes

O Brasil e o Futsal

Foto: Antonio Scorza/AFP

O Mundial de Futsal, que está sendo realizado no Brasil, é ótima oportunidade para verificarmos as peculiaridades deste esporte em nosso país. Infinitamente reduzido perante que o futebol de campo, o futsal é, arrisco dizer, o esporte mais praticado no Brasil. Os jovens não crescem jogando no campo, mas na quadra – que toda escola pública e privada possui. É no futebol de salão que as crianças e adolescentes crescem jogando e se formando, seja sua paixão pelo futsal seja a própria prática. Posteriormente, algumas migram para o futebol de campo, incomparavelmente mais rico e celebrado.

O mundial recebeu investimentos de R$ 9 milhões da prefeitura do Rio e incríveis R$ 54 milhões da CBFS, num custo total, dividido com a FIFA, de RS 100 milhões. Para se ter uma idéia da importância comercial e prática da modalidade, basta dizer que, dos 31 bilhões de reais movimentados anualmente por artigos esportivos no Brasil, o futsal responde por 80% deste valor, contra 12% do futebol soçaite e 8% do futebol de campo. Daí a Topper, tradicional marca representativa da categoria, investir todos seus esforços no futsal e obter um retorno muito mais alto, dividindo um mercado disputado por DalPonte, Adidas, Nike, entre outras.

Transmitido para mais de 150 países, o Mundial é a oportunidade de o Brasil (tricampeão em 89, 92 e 96) recuperar a hegemonia perdida para a Espanha, vencedora em 2000 e 2004 (e que se classificou para a atual final sob muita polêmica).

Praticamente ignorado pela maioria da mídia em edições anteriores, o evento é bem coberto apenas porque se realiza no Brasil – o que entrega a nossa extrema incompetência e descaso em acompanhar, divulgar e dar importância a outras modalidades que não o futebol de campo, mesmo em se tratando do futsal. O quanto a “pátria de chuteiras” ignora outros esportes não é nem preciso dizer.

Não temos sequer uma liga profissional equilibrada e bem estruturada: ano a ano as disputas se modificam e os times são reféns de investimentos de prefeituras e marcas, que colocam seus nomes nas equipes. A transmissão fica restrita a canais a cabo.

Incompreensivelmente ainda não oficializado como esporte olímpico (assim como o futebol de areia), o futsal é tratado tão somente como um irmão infinitamente mais pobre que o de campo, por várias razões. Mas para o mercado e na prática esportiva, ele se mostra maior e mais importante.

Cada país tem os campeões que merece.

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