Filmes

In The Name Of The Father

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Em Nome Do Pai – Jim Sheridan – 1993 – *

Tentando repetir o mesmo sucesso alcançado 5 anos antes com “Meu Pé Esquerdo”, o diretor Jim Sheridan e o ator Daniel Day-Lewis (ressalta-se, de longe um dos melhores nomes surgidos da década de 80 pra cá), baseando-se novamente numa história real, o resultado foi um filme pavoroso, óbvio e piegas. Apelando continuamente à “emoção” do espectador, algo desnecessário já que a história por si só se encarregaria disto, possui argumento fraco, desenvolvimento previsível e uma mediocridade geral que incomoda. Não se prestaram sequer a explorar melhor os conflitos políticos-religiosos-sociais entre as duas Irlandas e a Inglaterra, a atuação do grupo terrorista IRA, etc. Tema que poderia render boas passagens.

Diálogos deprimentes e um histerismo coletivo que irrita – uma das piores atuações de Daniel Day Lewis. O único objetivo, parece-me, foi retratar uma injustiça que, segundo os próprios parecem acreditar, seria suficiente para fazer um grande filme. Não é. Incrível que uma bomba destas tenha conquistado sete indicações ao Oscar, incluindo as principais categorias. Não à toa foi somente indicado. Trama rasa, condução ridícula e um sentimentalismo irritante. Recomendado somente para curiosos.

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Filmes

C’era una volta il West

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Era Uma Vez No Oeste – Sergio Leone – 1968 – ******

Diretor seminal e imprescindível, é fascinante que um italiano tenha filmado alguns dos melhores westerns da história, elevando o gênero à condição de arte. Responsável por nada menos que quatro obra primas em 5 anos, consagrando-se com a “trilogia dos dólares”, C’era Una Volta Il West foi o western definitivo de Leone. Reunindo dois atores que desejava há muito: Charles Bronson e Henry Fonda. Há filmes que crescem no decorrer. “Once Upon A Time” impõe-se como uma obra-prima desde os primeiros minutos. Não há nada mediano aqui, nada que esteja fora do lugar, sobrando, nada que não seja técnica e conceitualmente admirável, além das maravilhosas atuações de todo o elenco. Leone possui uma direção segura, firme, autoral…respirando em cada quadro. Ennio Morricone, por sua vez, companheiro inseparável, como também um dos maiores gênios, mais prolífico, respeitado e venerado nome da história do cinema, compõe uma de suas melhores, mais envolventes e memoráveis trilhas – se é que isto pode ser mensurado. Mestre precoce, com pleno domínio e ciência de seu ofício, e talento. Milimetricamente certeiro e irrepreensível.

Há muito o que se dizer de Leone. Para mim, foi, sem dúvida, um dos maiores diretores de todos os tempos. “Era Uma Vez No Oeste”, assim como quase tudo de sua obra, é obrigatório e inesquecível.

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Literatura

Bloom

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Não se engane…terás o melhor companheiro que pode existir. Te darei todo o carinho que um homem é capaz, toda compreensão, amizade, respeito, intensidade. A melhor vida sexual que se pode imaginar. Ficarás orgulhosa, bela, mimada, convencida. Te aninharei quando sentires medo, ou frio. Na verdade, te aninharei sempre, mesmo que não estejas sentindo nada. Ouvirás as palavras mais doces, intensas, rebuscadas, piegas. Terás a certeza que ninguém pode ser tão encantador, completo, bem humorado, cara de pau, convencido, família, protetor, bobo, surpreendente.

Mas a irei sufocar com minhas cobranças, incertezas, ciúmes, insegurança. Projetarei todos meus medos sobre ti. Terá que lidar com atitudes intempestivas, impulsivas, inconstantes. As maiores e mais inexplicáveis alternâncias de humor. A sensibilidade extrema. Desarmarei e anteciparei cada joguinho, cada desculpa, cada ardil psicológico. Inventarei outros. Verei coisas onde não existe. Identificarei rapidamente os que são, de fato. Discutirei e argumentarei incansavelmente, de modo draconiano, duro, rápido, irônico, perspicaz. Insuportavelmente arguto. Irás se cansar, exaurir, repensar. Terás o melhor e o pior. Não sirvo para ninguém, e não é questão de não servir para mim, antes. You’re too heavy, boy. Não sei pegar leve. Nunca peça calma à um espírito impetuoso.

Me lembrarei de cada palavra, cada gesto, cada plano, cada momento, cada respiração. E os jogarei sobre ti, se for necessário. A palavra é sagrada. A intenção, além. Tudo está marcado indelevelmente em meu ser. Gravado na carne, no sangue. Não tente brincar. Eu faço meu próprio tempo. Construo minha própria vida. Levo rigorosamente cada coisa que demonstro. Eu ponho à prova para verificar se mereces, se pode suportar, se faz por onde receber tudo que ofereço. Minha inconstância não se presta a ser traiçoeira. Sou um paradoxo ambulante, uma besta fera, um lobo da estepe…muito mais lobo que homem. Sou tomado por forças que rasgam meu desejo, meu orgulho, minha intimidade, meu valor. Quieto, prestes a atacar. Desprezo imensamente a mim mesmo, o que dirá do restante da humanidade.

Isto não é um texto. Não fui eu quem escreveu. Você não sabe o que acabou de ler. Sou milhares em um só. Um garoto acanhado necessitando de carinho. Um homem faminto prestes a devorar.  Isto é só uma golfada na cara da vida. Um dedo na garganta. One of my turns. Encerrado em seu próprio momento. Reverberando esporadicamente. Pulsando, escondido. A mostra, em combustão. É a pior coisa que já saiu de meus dedos. Assim como cada nova o é. Mentira. Eu sou um blefe. Um ponto de interrogação. Um engano da natureza. Babaca, louco, careta. O maior imbecil que poderás encontrar. Como o melhor deles.

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Filmes

The Killing Of A Chinese Bookie

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The Killing Of A Chinese Bookie – John Cassavetes – 1976 – ****

Neste filme, destaca-se a música de Bo Harwood, misturando temas clássicos da época com uma narrativa tensa e de texturas/climas nitidamente musicais e a belíssima fotografia de Mitch Breit e Al Ruban, conseguindo a façanha de conceber um pseudo-noir tremendamente elegante e equilibrado em plena era disco. A estória, tola e clichê, é apenas um argumento necessário para que Cassavetes explore seu fascínio pelo corpo, os sentimentos e expressões, brincando nitidamente com o conceito de “o show tem que continuar, não importa como/o que custe”, humana, psíquica e financeiramente.

O mundo das aparências prevalecendo sob qualquer outra coisa. Nenhum personagem é invulnerável: todos são atingidos, seja pelo “spotlight”, seja pela falta dele, física ou emocionalmente, ou ambos. A trama, no fundo, esconde sutilezas e questões vistas apenas num segundo olhar. O mundo do cineasta, “clitocentrista”, digamos assim, ao colocar sempre a mulher como centro de suas ações/consequências, partindo delas e atingindo a tudo e a todos, não deixa de sê-lo nem no tom policial que este carrega. Exemplar interessante da filmografia de Cassavetes.

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Filmes

Akira

Atenção: O texto abaixo NÃO contém spoilers.

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Akira – 1988 – Katsuhiro Otomo – *****

Akira é um dos melhores animes já criados. Publicado em forma de mangá entre 1982 e 1993, somando mais de 2.000 páginas, a criação de Katsuhiro Otomo permanece atual e revolucionária até hoje.

O filme a que este texto trata, lançado em 1988, tornou-se um clássico indispensável para todo apreciador de animes.


No mundo da grandiloqüente e empedernida NeoTokyo de 2019 (repare que as simbólicas datas antigamente previstas em filmes, livros, músicas, etc, para a decadência total da humanidade, estão chegando a seu momento atual, preste atenção que descobrirá vários exemplos) que têm suas ruas dominadas por gangues motorizadas travando guerras entre si, fanáticos religiosos preconizando a chegada de um salvador e a população estupidificada pela miséria, tudo isso em meio às ultra-avançadas indústrias, corporações misteriosas e coronéis autoritários.

A megalópole, por si própria, é um personagem a parte na película: viva, pulsante, colorida, imponente e perfeitamente verossímil.

Neste cenário se desenrolam intrincadas conspirações políticas, questões sobre ética, modernidade, dominação, poder, força, filosofia, psicologia e um ardente thriller humano. Obscuras experiências governamentais com crianças acabam por deformar a aparência física das mesmas (uma espécie de envelhecimento precoce) e, mais do que isso, desenvolvem estranhos poderes psíquicos.


É aí que surge a figura de Tetsuo, subalterno membro da gangue de Kaneda, historicamente menosprezado por seus colegas em virtude de sua pouca idade e parcos atributos físicos. Tetsuo acaba se envolvendo com uma das crianças do experimento e termina por ser igualmente alvo das pesquisas. A partir daí sua vida começa a mudar…dando início à sua própria vendetta.


Durante toda a projeção a sombra de Akira paira onipresente sobre tudo que envolve o filme, não nos é revelado quem ou o que é Akira, ainda que obtusas pistas sejam dadas gradativamente.

O mundo criado por Katsuhiro Otomo é um emaranhado de questões apocalípticas, metafísicas e transcendentais (repare que não há pleonasmo aqui), envolvidas em densas camadas de sociologia, religião, história e ciência. Todavia, Akira é fraco filosoficamente (bem mais fraco que “Ghost In The Shell” por exemplo), incrivelmente frágil no que se propõe a tratar, abordando tudo superficialmente (ao menos no longa metragem, pois no mangá a história é outra). Fragilidade e relapsidade evidente nos dois primeiros atos, no último, há uma tentativa desesperada de preencher as lacunas deixadas, num súbito aprofundamento que não alcança os resultados desejados.

Apesar dessa falha, Otomo é um esteta respeitável, exalando fluidez e cenários arrojadíssimos, flertando com o noir e o cyberpunk. Toda essa exuberância estética fica ainda melhor na versão remasterizada do filme lançada em DVD pela Pioneer em 2002, resultado de investimento em torno de 1 milhão de dólares.Outro ponto fortíssimo é a trilha sonora. Instrumentos étnicos, percussão metálica e toques eletrônicos extremamente pertinentes fazem da soundtrack de Akira uma das mais belas já criadas.

Estória adulta e fascinante, que tornou-se uma das maiores instituições da arte da animação. Apesar de não alcançar a perfeição inquestionável, é sem dúvida uma obra recomendadíssima.

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Filmes

Faces

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Faces – John Cassavetes – 1968 – ***

Brilhante em alguns momentos – como nos 15 minutos iniciais – mas demasiado aborrecido em boa parte. A premissa “cassavetiana” de escancarar a hipocrisia e o odor da sociedade burguesa (a nossa, eu, você) é válida e bem realizada porém perde-se em obviedades. Um corte de 30 minutos em sua duração faria muito bem a “Faces”. O roteiro acaba raso e previsível, em situações-diálogos-construções tensas e pungentes, às vezes, mas nada que mostre tantas texturas quanto pretende. Na última parte do terceiro ato, recupera o fôlego. Porém, acaba terminando de forma risível. Obra estimada mais do que merece. Ainda assim, vale, e muito, a sessão.

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Filmes

I’m Not There

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I’m Not There – Todd Haynes – 2007 – *****

Revisto no Usiminas Belas Artes, Belo Horizonte, 24.03.08.

Um dos melhores filmes do ano passado e, naturalmente, desde já, um dos melhores lançados em circuito comercial no Brasil em 2008.

Pôster escolhido em homenagem ao maravilhoso Heath Ledger, que foi cedo, muito cedo.

Limito a dizer somente que a película capta, de maneira genial, e com uma edição bastante eficaz, as inúmeras facetas de Dylan e tudo que remonta ao mundo e a atmosfera em torno dele, conseguindo ir além, num roteiro absolutamente brilhante e memorável. Obrigatório.

“It’s like you got yesterday, today and tomorrow, all in the same room. There’s no telling what can happen. “

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