Filmes

The Social Network – David Fincher

A era da informação, travestida há muito tempo na era da tecnologia, é uma época dominada pelos super-nerds. E o filme capta muito bem o espírito do nosso tempo neste aspecto, a já conhecida trajetória de “mente brilhante universitária lança projeto X que explode lentamente transformando-se no projeto Y até estourar no mundo todo” e valer bilhões de dólares. Atualmente, o Facebook vale mais de 500 bilhões. E nem fez sua oferta pública de ações ainda: a bolha/00 deixou lições e o Vale do Silício descobriu que ter controle total por um tempo maior não é lá exatamente ruim. O site ultrapassou os 500 milhões de usuários. Utilizando um termo caduco dos gurus da internet, é a autêntica “aldeia global” criada por aquilo que a rede oferece.

Como filme, é muito superior ao pavoroso “O Curioso Caso de Benjamin Button”, provavelmente o momento mais constrangedor da filmografia de David Fincher. Eisenberg está muito bem na pele de Zuckerberg e empresta boas tiradas ao roteiro repleto de ironias, provocações e raciocínio rápido. A película tem o mérito de retratar com propriedade o “case” mais relevante da web nos últimos anos, numa história com bons ingredientes – traições, juventude, negócios, relacionamentos, travessuras e genialidades – para a tela grande.

Mesmo assim, é cacete em boa parte do tempo e, no geral, não é grande coisa. A estrutura reunião com advogados/disputas judiciais/depoimentos mescladas com a ação do filme em si é uma solução fácil, chata e primária. Deveria passar de forma muito mais tímida em condições normais. “A Rede Social” será um bom filme para a Sessão da Tarde daqui uns 10 anos.

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Literatura

Easy Riders, Raging Bulls – Peter Biskind

Lançando em 1998 lá fora e no finalzinho de 2009 por aqui, em tradução de Ana Maria Bahiana, pela editora Intrínseca, “Easy Riders, Raging Bulls” conta os bastidores do surgimento de uma nova geração de cineastas e astros em Hollywood, na virada dos anos 60/70 e como eles transformaram a face da indústria para sempre. O livro deu origem também a um documentário. Este período é tido por imensa parte dos críticos e público como os melhores anos de Hollywood: é uma espécie de ápice do cinema estadunidense, a busca pelo controle maior dos diretores por seus filmes, da pretensão autoral aguda e também dos sucessos de bilheteria conquistados que acabaram financiando tudo aquilo.

Em certo momento, “O Poderoso Chefão” (1972), “O Exorcista” (1973) e “Tubarão” (1975) eram as três maiores bilheterias de todos os tempos, sem falar em “Star Wars”, de 1977, que redefiniu tudo. “The Godfather”, na época, ultrapassou em 6 meses a bilheteria que “E O Vento Levou” (1939) atingiu em 33 anos e vários relançamentos. Embora os valores ajustados para a inflação – e o número de tickets vendidos – mudem o jogo.

E por mais que seja arbitrário colocar os anos 70 como a melhor época do cinema USA, sem esquecer de nomes como William  Wyler, John Ford, Frank Capra, Hitchcock, Howard Hawks, George Cukor e tantos outros, o interesse maior de Biskind é contar os bastidores, a personalidade de cada um, as relações e os conflitos. Não faz uma análise profunda do cinema em si, aborda apenas superficialmente as influências do cinema europeu em toda nova trupe de diretores, muitas vezes tentando emular “in a american way” as inovações e o estilo da Novelle Vaugue, do realismo italiano, Bergman, etc. Biskind – e a revista que editava, a Premiere – não representam exatamente uma visão suficientemente crítica e inteligente do cinema.

Assim, muitas vezes o livro se perde em demasiados detalhes não exatamente relevantes, em intermináveis reproduções de brigas, reuniões, provocações, em cada namoradinha ou cada transa que cada um teve, em quem tomava mais drogas, era mais louco e insuportável, etc. Mas retirando todos estes excessos – que não são poucos – e omissões importantes, Biskind conseguiu fazer um bom caldo com os mais de 100 personagens que entrevistou: trabalho imenso que precisa ser valorizado, que enriquece e dá maior consistência ao livro. Em anexo, há uma lista de todas as entrevistas realizadas, todos os personagens e filmes citados no livro e filmografia recomendada dos diretores.

Tomando como o início da quebra de paradigmas “Bonnie & Clyde”, de 67 e “Easy Rider”, de 69, os capítulos se dividem em mostrar como Warren Beatty, Dennis Hopper, Arthur Penn, Bert Schneider, Bob Rafelson, Martin Scorsese, Robert Altman, William Friedkin, Francis Ford Coppola, Roman Polanski, Hal Ashby, Brian De Palma, George Lucas, Steven Spielberg, Paul Schrader, Terrence Mallick, Robert Towne, Peter Bogdanovich e atores como Jack Nicholson, Harvey Keitel, Al Pacino e Robert De Niro, entre tantos, transformaram Hollywood, conquistaram poder e prestígio jamais vistos e ao mesmo tempo criaram o cenário para seu próprio declínio. Woody Allen, Milos Forman e Stanley Kubrick são citados apenas eventualmente.

O livro em si é incapaz de ajudar a entender as mudanças ocorridas no mundo naquele período e este nem é seu objetivo, afinal. A liberação sexual, a politização, a entrada maciça das drogas na sociedade, a angústia e os anseios de uma geração: tudo isso está nos filmes que estes nomes realizaram. O livro foca nas mudanças da indústria – seja técnica, de equipamentos pesados para mais leves, com maiores possibilidades – seja administrativo, com os velhos figurões dos estúdios saindo de cena, dando lugar a outros nomes e os diretores tendo mais voz de decisão frente os produtores. A espera pelo sucesso ou fracasso de um filme é comum a todos, especialmente num tempo em que estavam apenas começando e o sucesso e a mitificação instantânea causaram pesados danos.

A competição extrema e os egos inflados paralelamente com a amizade e o esquema de ajuda mútua entre os diretores, frequentemente um participando e opinando no trabalho do outro. A fundação e os problemas da American Zoetrope fundada por Coppola e Lucas. As rusgas e disputas eternas entre diretores-roteiristas-produtores-atores-mídia. Pauline Kael, o nome mais famoso da crítica estadunidense, é citada exaustivamente e tida com enorme poder e influência, capaz de garantir o sucesso ou fracasso de alguns filmes. Algo a se contestar. O período marcou também a mudança no processo de distribuição – de poucas salas específicas para grandes esquemas simultâneos e do início do marketing na TV (que “Tubarão” tratou de intensificar).

Há boas histórias entre toneladas de cocaína, ácido, álcool, traições, explosões de fúria, delírios de grandeza e traições diversas – Dennis Hopper e William Friedkin são retratados como as personalidades mais insuportáveis, com Coppola chegando lá no auge do prestígio. Francis, aliás, não queria dirigir “O Poderoso Chefão” de jeito algum, topando por fazer uma troca, uma espécie de passaporte para os filmes realmente “autorais” que queria fazer, como “A Conversação”, de 74. Certo da recepção fria até a estreia, Coppola chegou a declarar: “acho que fracassei, peguei um livro popular, supercomercial, lascivo e transformei-o num bando de caras sentados em quartos escuros, falando”. Desnecessário reafirmar o impacto que o filme teve na cultura popular, no cinema e na vida de Coppola. E é interessante em, mesmo assim, a sua relutância em dirigir a segunda parte: além de continuações não serem comuns na indústria aquela época, seu receio é que, se falhasse, boa parte do crédito do primeiro filme iria para Marlon Brando. Está aqui, também, toda a histórica produção e filmagem catastrófica de “Apocalypse Now” em três fases nas Filipinas, incluindo o ataque cardíaco de Martin Sheen, as tempestades tropicais que varreram sets inteiro, as dezenas de doenças pegas por membros da equipe, etc.

Do outro lado da turma, Spielberg foi o único que acreditou em “Star Wars”: todo os outros debocharam, ridicularizaram e duvidaram do projeto de Lucas: o inferno no set e a pouca habilidade de Lucas para lidar com atores, descritos no livro, afastaram George da direção durante 22 anos, até o “Episódio I”. Como Spielberg previu, foi o maior sucesso de todos os tempos até então, gerando mudanças profundas no modus operandi de Hollywood e culpado pelo declínio do “cinema autoral” daquela época para a era dos blockbusters. Não à toa, Spielberg e Lucas são descritos como o que sempre foram: um caso a parte dos outros diretores, criados com a televisão, de mentalidade muito mais pop e comercial, sem pudores de chegar até lá. A diferença dos dois é óbvia e explica porque continuaram juntos por toda a década de 80 e além, produzindo jóias pop como “Indiana Jones”.

Scorsese, que mal usava drogas, se afundou na cocaína e chegou a beira da morte por uma hemorragia interna entre “New York, New York”, de 77 e “Raging Bulls”, de 80. Simbolicamente, “O Portal do Paraíso” – que custou 50 milhões e faturou 1,5 mi – de Michael Cimino, é tido como o fim da “Nova Hollywood” e a retomada total do poder pelos estúdios, pelo ambiente que eles próprios criaram, o que levou a desaguarem todas as brigas e inimizades feitas nos anos 70 na derrocada brutal de quase todos os diretores nos anos 80. (Também) por uma espécie de troco que levaram. E grande parte não só por terem propiciado o esquema dos blockbusters mas por eles mesmo terem envelhecido e se distanciado do público sem saber direito o que fazer, pelo preço que as drogas e os abusos cobraram, por tantas vidas destruídas no período e pelo o que a fama, o dinheiro e o status de gênios e deuses que consquistaram levaram junto o talento e a paixão pelo cinema.

Por mais falho e excessivamente centrado na fragilidade, nos egos e delírios de todos eles, “Easy Riders, Raging Bulls” é fundamental para entender não só o cinema e o espírito daquela época mas tudo que aconteceu com a indústria até hoje, mergulhando na vida de tanta gente essencial e, por consequencia, nos aproximando do cinema de todos eles: que é o que realmente importa.

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há um bom embate entre Rafael Galvão e Luiz Biajoni sobre o livro, aqui e aqui.

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Jornalismo

Com quanto dinheiro se combate a estupidez no trânsito?

Exemplar esta matéria do Correio Braziliense sobre a redução de verba para a educação no trânsito em 2011. Exemplar porque mostra como é fácil um jornalista manipular números para vender a ideia que ele e o veículo que representa quer. Das “sutis” diferenças entre o texto apresentando na versão impressa e online, estão omitidos alguns dados. No papel o título alardeia “um trânsito ainda mais mal-educado”. E completa: “orçamento para programas de prevenção, campanhas pedagógicas e capacitação de agentes é cortado em 60% de 2010 para 2011, apesar de a frota brasileira e o número de mortes terem aumentado nos últimos anos”.

Um absurdo, não? Não. Ao mesmo tempo que mostra que a frota passou de 29,5 milhões de veículos em 2000 para 54,5 milhões em 2008, há também um quadro que revela que a verba para educação no trânsito passou de 65 milhões em 2007 para 106 milhões em 2008 e – repare – 534 milhões em 2009. Dobrou de um ano para o outro e quintuplicou entre 08 e 09, ficando em 499 mi em 2010. Com o corte no orçamento, a verba foi fixada em 197 milhões para 2011. O que representa 91 milhões a mais que em 2008, mesmo com o aumento extremo que tivemos no intervalo: algo totalmente ignorado pela reportagem. Isso que eu chamo de subestimar a inteligência do leitor.

Pra piorar, os “personagens” que criticam a “redução” de verba são o diretor da ONG Rodas da Paz, tipo sempre suspeito e uma garota que perdeu a irmã num acidente. Trágico, exceto pela história: irmã vai resgatar amigo bêbado da boate, estando igualmente bêbada e o amigo consegue bater numa árvore o que faz com que a menina, por estar sem cinto, seja arremessada para fora do veículo, morrendo de traumatismo craniano 6 dias depois. Com todo respeito que a desconhecida merece e longe de querer levar o moralismo no limite, se você dirige bêbado, tem o dom de bater numa árvore e ainda está sem cinto, desculpa, mas você não pode criticar absolutamente nada.

Com quanto dinheiro você vai evitar esse tipo de estupidez? Nem com todo o orçamento da União. As pessoas bebem, dirigem e fazem besteiras porque querem, porque assumem o risco e algumas não tem condição de dirigir sequer sóbrio, quiçá alcoolizadas. As pessoas morrem no trânsito porque são imprudentes, abusadas, não tem respeito por nada nem por si mesmo, porque acidentes também acontecem, por estupidez, descuido, azar, babaquice alheia, etc, etc, etc. É triste, mas é assim. Você pode fazer tudo que quiser, desde que arque com as consequencias disso. Simples. O governo, grosso modo, não pode ser responsabilizado por tudo. Exceto por oferecer estradas adequadas, etc e tal.

A reportagem omite que na verdade o orçamento aumentou mais que 8 vezes entre 2007 e 2009, passando agora para um patamar razoável em 2011. Educação e boas condições no trânsito são importantes, mas curar estupidez, abuso e despreparo é um pouco demais.

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Literatura

“Elvis & Madona”, de Luiz Biajoni

Por mais barulho que tenha feito com seus livros anteriores – “Buceta” e “Sexo Anal” (download aqui) – foi somente em 2010 que conheci o trabalho de Luiz Biajoni, começando justamente pelo Sexo Anal (opa!), que contabiliza mais de 10 mil downloads na internet. Li num pulo só. Em poucas horas tinha devorado integralmente aquela estória policial peculiar. É Rubem Fonseca, Bukowski e Henry Miller. Três nomes de várias referências possíveis. Difícil imaginar alguém que consiga ler Biajoni sem ser desta maneira: dum gole só.

Biajoni não alivia. Não usa meio-termos. É bruto e escancarado com frequencia, vai direto no nervo. Tudo com um humor afiado, observações cortantes e uma aparente simplicidade enganosa. É cru, mas bem temperado. Traça retratos secos, desilusões genuínas, desgostos e pequenos prazeres. Investiga a mente humana com uma lupa de boteco. No melhor sentido possível. É aquele bar popular, lotado, com cerveja trincando, petiscos fumegantes e papos inflamados. É o flerte aberto. A passada de mão sacana. O swing com um canivete na mão.

“Elvis & Madona” é inspirado no filme de mesmo nome de Marcelo Laffitte, recém-lançado em festivais e que tem Igor Cotrim fazendo o travesti Madona e Simone Spoladore como a lésbica Elvis. É essa estória de amor improvável (eufemismo), passada nos becos, nos inferninhos, apartamentos e na orla de Copacabana que o livro aborda. Primeiro, inverte o caminho tradicional migratório da literatura pro cinema. É realmente assustador como o argumento de Laffitte casa tão bem com a atmosfera de Biajoni.

Falar só em “estória de amor” é reducionismo. Tráfico de drogas, corrupção policial, jornalismo, vidas amargas e cambaleantes, tabus diversos. Uma mente sangrando na sarjeta. Biajoni é urbano, pesado, tão ácido quanto doce e bem-humorado. Passagens leves e românticas convivem com uma linguagem hardcore e uma tensão constante.

Bia expõe na nossa cara todo nosso preconceito, acomodação, mediocridade. Toda a personalidade tacanha e hipócrita da burguesia – que, afinal, somos nós. Direta ou indiretamente, é um desafio. E por mais fora do normal que seja, dá para imaginar plenamente a vida de Elvis e Madona num Rio de Janeiro propositadamente caricato do submundo. O traveco bobalhão que já fez muita besteira e vive de salão de beleza e shows esporádicos na noite. A lésbica que veio do interior,  trabalha de entregadora e quer ser fotógrafa. O nome dos personagens, que remete à glamour e fama, não é uma ironia gratuita.

Não espere nada trivial. Biajoni mexe com o que é ordinário e cacete da maneira mais interessante, azeitada e direta possível. Sempre bom ter alguém que seja capaz disso por perto.

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Política & Economia

De volta à barbárie

Foto: Bruno Domingos/Reuters/The Big Picture

Situações extremas acabam revelando o pensamento mais íntimo e sincero das pessoas. Neste contexto, os recentes acontecimentos no Rio de Janeiro serviram para revelar a mentalidade canhestra e de barbárie de muita gente. Defesas eloquentes da higienização social, o massacre puro e simples, o mais perigoso e rasteiro senso comum possível. Pretexto para um sem fim de atrocidades.

A invasão autoritária do Complexo do Alemão pelas forças policiais do estado do Rio de Janeiro, com apoio dos militares, é sintomática. “Vamos revistar todas as casas e o morador que se negar a nos receber é mais suspeito ainda, porque foram eles mesmos que pediram uma resposta nossa”. Foi a frase que ouvi de um comandante da polícia tentando justificar a invasão. Uma “lógica” asquerosa, distorcida, que destrói a constituição, as leis, o bom senso e séculos de luta pelo respeito ao ser humano.

É inadmissível que algo desse tipo aconteça sem o menor embate da mídia e da sociedade. Mais: pra mim, por mais que seja uma questão do estado do Rio, o presidente Lula (ou quem lá estivesse), como chefe maior da nação e pelo apoio concedido, deveria ser contra. E se desrespeitado, deveria deixar bem claro sua postura. Nada disso aconteceu. Tudo é feito com a chancela dos representantes políticos.

Parece que a ânsia de dar uma resposta para a população passa por cima de todo o arcabouço legislativo e do respeito que deveríamos ter. Para atender a vontade do “bandido bom é bandido morto” permitimos que o estado cometa crimes. E aplaudimos isto. Simples assim. Já disse aqui e repito: a discussão sobre segurança pública tem uma capacidade única de cair em soluções fáceis, rasas, opiniões grosseiras, absurdos e clichês fartos. Vide o que o twitter proporcionou nos últimos dias. É um desfile de descalabros. Alimentado pela mídia, em seu show costumeiro, prestando um desserviço à polícia e ao povo, contaminando com seu discurso banal, seu mundo de Polyanna, seu ufanismo barato.

O “consenso” parece ser que a “solução” é invadir, aniquilar, ocupar. Se os direitos de cidadãos forem violados por causa disso, se civis morrerem no confronto, é apenas um “mal necessário”. Não é de se espantar que o desejo da classe média seja o uso da violência irrestrita para combater o tráfico e outras mazelas mais. Muitos deles, inclusive, pouco se importariam se as favelas fossem literalmente destruídas. Tudo que é distante da realidade de alguém – por mais que o tráfico e a violência estejam integradas totalmente aos grandes centros urbanos – tem a separação necessária para acontecer. É legitimado. Seria aceitável que a polícia decidisse revistar todas as casas de um bairro de classe média? Não, porque não há justificativa pra isso. Da mesma maneira que não há no Alemão. E mesmo com a comparação forçada, sabemos bem que encontrar drogas e armas ilegais em bairros fora das favelas não seria nada difícil.

Eu já morei por alguns anos no Vista Alegre, em Belo Horizonte, que fica entre o Cabana e o Nova Cintra, duas das maiores favelas da capital mineira. O Vista Alegre é, por si, uma favela. Tenho familiares e amigos que moram lá até hoje. Em caso semelhante, seria perfeitamente possível que eu tivesse minha casa revistada e violada, bem como da minha família e amigos, pela zona em que se encontra o bairro. Falo isso não para me colocar como vítima, mas apenas para ilustrar que o abuso é muito mais próximo e real do que pode parecer. E certas coisas, infelizmente, só sentimos quando podemos nos conectar de alguma forma com aquilo. Quando nos atinge direta ou indiretamente.

Sabemos muito bem que a “revista” da polícia não é feita de forma “educada” e “respeitosa”. Como o relato deste homem, roubado e com a casa destruída. Não posso afirmar que é 100% verdade mas tampouco questionar o seu caráter. E a experiência diz que coisas assim acontecem, mesmo. É legitimo agredir e cometer todo tipo de abuso possível para pegar meia dúzia de traficantes e apreender grandes quantidades de droga? Será mesmo que o Alemão foi “devolvido” aos seus moradores? Até quando? Até que ponto a situação foi resolvida?

É de uma ilusão grosseira cair em contos de fada. A mídia alardear que “apenas em 2 horas a polícia devolveu aos moradores a região que durante décadas foi tomada pelo tráfico”, como os apresentadores do Jornal Hoje fizeram. Aceitamos tudo com uma voracidade irracional iludidos com a promessa do “bem maior”. Estamos de volta à barbárie. Como diz uma passagem de Rousseau de 1761 que já citei aqui “tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo (…)”.

Ao aplaudir o uso irrestrito da força abandonamos toda conquista que levamos muito tempo para alcançar. Apoiamos crimes, massacres, torturas, espetáculos de catarse irracional coletiva. E com muito pouco em troca. Não há nada maior a se temer do que o autoritarismo do ser humano. Ao que parece, não aprendemos nada com a história.

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Tecnologia & Internet

Technorati State Of The Blogosphere 2010

Maior pesquisa sobre a blogosfera mundial, o “State Of The Blogosphere” do Technorati divulgou recentemente seus resultados de 2010. Realizada desde 2004, a pesquisa é aberta para todos os blogueiros que desejam respondê-la. O questionário, longo, leva pelo menos 15 minutos para ser respondido e aborda dezenas de aspectos relevantes sobre os blogs. Respondi este ano e convidei outros tantos a fazê-lo. Infelizmente, poucas pessoas se dispõe e isso talvez explique a baixa representatividade de países fora dos Estados Unidos/Europa, onde a pesquisa é mais conhecida, além do fato de ser feita em inglês.

Resultados deste ano mostram a natural convergência crescente entre os blogs e as redes sociais, o avanço da web móvel, a intensa influência feminina, os blogs como fonte de informação e conhecimento cada vez maior (e respeitada). Apesar de ainda limitada (7.200 pessoas responderam, maior índice até agora), é a melhor fonte que reflete a blogosfera mundial. Recomendo a leitura completa do relatório e dos dados, disponível neste link.

Alguns dados principais:

  • Two-thirds of bloggers are male.
  • 65% are age 18-44.
  • Bloggers are more affluent and educated than the general population:
    • 79% have college degrees / 43% have graduate degrees
    • 1/3 have a household income of $75K+
    • 1/4 have a household income of $100K+
  • 81% have been blogging more than 2 years.
  • Professionals have an average of 3.5 blogs.
  • Professionals blog 10+ hours/week.
  • 11% say blogging is their primary income source.

  • Há dados sobre tópicos como qual a principal influência de informação para os blogs, suas relações com a mídia, marcas, peridiocidade, assuntos abordados, etc. Vai lá.


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    Política & Economia

    Além de Lula

    Parece impossível refutar que Luiz Inácio Lula da Silva fez um dos melhores governos da história do Brasil. Infinitamente melhor que seu antecessor. Os números estão aí e comprovam. Números que se observam na prática, no dia-a-dia, na vida de milhões de pessoas. Os principais feitos:

    • Dobrou a média de crescimento do PIB, passando de 2,3% no governo FHC para 4% no governo Lula, chegando a 7,2% em 2010.
    • Aumentou expressivamente a renda média do brasileiro (PIB per capita): o crescimento médio no governo FHC foi de 3,5% e passou para 33,5% no governo Lula (sim, isto mesmo), chegando ao valor atual de 18.601.
    • Deu novo impulso ao crédito: passando de 24% em relação ao PIB em 2003 para 48% em 2010.
    • Redefiniu a pirâmide social do Brasil, inserindo milhões de pessoas na Classe C e tirando milhões da pobreza:

    (clique para ampliar – revista Exame, 06.10.2010)

    • Dobrou o poder de consumo das famílias: passando de 1 bilhão em 2003 para 2,2 bilhões em 2010 em relação ao PIB.
    • Gerou 15 milhões de empregos formais (3 x mais que o governo FHC), deixando a taxa de desemprego como a menor da história: 6,7% atualmente.
    • Venceu a pior crise econômica mundial desde 1929, reduzindo ao máximo seus efeitos e conseguindo taxa de crescimento muito acima da média mundial.
    • Expandiu como nunca a Petrobrás, alavancada pelo descobrimento do pré-sal, que mostra investimento em pesquisas e inovação.
    • Transformou a educação superior com o Pro-Uni, inserindo 700 mil estudantes de baixa renda nas faculdades e universidades. Alunos estes que tem média de avaliação de 85%, muito superior aos demais. Criou dezenas de escolas técnicas em todo o país. Melhorou o nível das universidades federais.
    • Número de pessoas na universidade cresceu 57% de 2002 para cá. Hoje temos 5,8 milhões de universitários. O perfil também mudou. Há oito anos esse público era formado por 25% de pessoas da classe A, 30% da classe B, 39% da classe C, 5% da classe D, e 1% da E. Hoje, temos nas universidades, 7% de pessoas da classe A, 19% da classe B, 58% da classe C, 15% da classe D e 1% da classe E. (Época Negócios/24.11/2010)
    • Colocou o país como nunca no centro das atenções mundiais, passando a ter peso decisivo na política, economia, relações externas, etc.
    • Reduziu o desmatamento, o risco brasil, a dívida externa, acabou com a dependência do FMI.
    • Levou a taxa de juros ao menor nível histórico em abril de 2010 (8,75% ao ano), elevando depois para os 10,75% atuais. A taxa de juros para pessoa física, no entanto, é a menor da série histórica iniciada em 1994. (O Globo, 26.10.2010).
    • Sem falar em Copa do Mundo, Olimpíadas, o recorde menções positivas na imprensa internacional.
    • Corrupção? Nunca a Polícia Federal fez tantas operações, desmantelou tantos esquemas e prendeu tanta gente importante, independente de ligações.
    • Alcançou o maior ganho real do salário mínimo em todos os tempos.
    • Programa de habitação “Minha Casa, Minha Vida” gerando oportunidades de aquisição de casas próprias para pessoas de baixa renda e classe média, aquecendo enormemente o setor da indústria civil.
    • Mais dados? Recomendo a série de infográficos do BOB (aqui, aqui e aqui), além deste vídeo.
    • E sobre a falácia barata de que “boa parte disso” se deve a “herança” de FHC recomendo enormemente este artigo, que destrói com essa ladainha enganosa repetida exaustivamente por quem não tem argumentos.

    Entendeu, cara pálida, porque Lula tem mais de 90% de aprovação? Porque Dilma foi eleita? Porque o país se encontra na melhor situação que jamais esteve? Porque a perseguição da mídia soa como bravatas desesperadas de puro ódio social? De perda do seu poder e influência?

    Nunca encontrei nenhum – disse, nenhum – partidário da direita que fosse capaz de discutir saudável e habilmente os feitos do governo Lula, bem como refutar a maioria dos argumentos (já que, os números, desculpa, não dá pra refutar). Deve ser triste para quem sofre de cegueira, raiva e onanismo crônico simplesmente não ter o que falar.

    Mas este quadro pode dar a impressão que estamos no paraíso. Que os principais desafios já foram superados, que o Brasil é um país maravilhoso para se viver e podemos navegar em mares tranquilos de desenvolvimento e igualdade social. Não, não é. Não podemos. O fato de Lula ter feito um ótimo governo, resumido em parte aí acima, obviamente é só o início do caminho para o Brasil se transformar num país verdadeiramente decente. Repito: não se cura 502 anos de abuso em 8.

    Temos problemas sérios de segurança pública, educação básica, saúde, infra-estrutura como saneamento, estradas e a pobreza, claro, longe de ser extirpada. Avançamos pouco em alguns desses pontos. O inchaço dos aeroportos, diga-se, só acontece justamente pela entrada de milhões de pessoas na classe média. Um exemplo que simboliza alguns dos novos problemas que precisamos enfrentar. É a administração pública e o capitalismo brasileiro numa nova fase.

    Este é o maior desafio de Dilma Rousseff. Que tem competência técnica, teórica e administrativa para tanto. Que representa a legítima continuidade do governo Lula. Que poderá escolher os melhores quadros possíveis e tem a maioria na câmara e no senado. Precisamos de equilíbrio para manter o ótimo ciclo mas ambição para avançar ainda mais. De coragem para implantar reformas essenciais que foram postergadas, como a tributária, a política, jurídica e a da previdência. De continuar erradicando a pobreza, trabalhando para levar a indústria e os negócios do país para um novo patamar de evolução, inovação. Manter a economia forte, saudável e firme em seus princípios básicos.

    Criar mais oportunidades ainda para os jovens, a classe média e pessoas de baixa renda. Melhorar os entraves burocráticos, simplificar a cobrança de tributos, tornar o ambiente para se tocar uma empresa mais amigável e rápido (o que já começou a ser feito). Fazer uma reforma legítima e profunda da educação de base, repensando todo o sistema de ensino, a preparação e remuneração dos professores, a infra-estrutura das escolas. Incentivar como nunca a inovação. Equilibrar a prosperidade com a preservação. Intensificar a reforma agrária. Levar as obras e projetos da Copa 2014 e Olimpíadas da melhor, mais eficaz e transparente maneira possível. Legalizar o lobby. Aprovar mecanismos que intensifique a clareza da prestação de contas de ONG’s e todo o dinheiro público em seus diferentes níveis. Discutir temas importantes e polêmicos com a sociedade através de referendos.

    É um universo de coisas. Gargalos e desafios centrais, complicadíssimos, muitos que batem de frente com interesses escusos (como na segurança, a bancada ruralista, etc), que precisam de esforço descomunal de todo o organismo político, da iniciativa privada, da sociedade e do terceiro-setor. Não só para o governo Dilma, mas o que virá além dela. Para todos os próximos presidentes a ocuparem o cargo. É um projeto de país, não de governo.

    Lula fez muito. Construiu as bases que precisamos para atingir mais, muito mais. Ficará marcado eternamente na história do país como um presidente único, de administração decisiva para este novo Brasil. Isto é impossível de tirar. Mas precisamos seguir no que fizemos de bom, aprofundar reformas estruturais, ir muito além e inovar. Vivo num país incomparavelmente melhor hoje do que era há 8 anos atrás. Quero bem mais.

    Hoje temos consciência da nossa capacidade, potencial, poder e todas as bases sólidas para fazer o que precisamos. Ninguém disse que seria fácil. Obrigado ao Lula pelo o que fez. Está na hora de quebrarmos todos os paradigmas, entraves, a herança nefasta da fundação deste país, os anos de chumbo, o discurso retrógrado e baixo da direita, de seguir governando para o povo e para todas as classes sociais, interdependentes, afinal.

    O caminho é longo.

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