Jornalismo

Síndrome de Pasquale

A internet é território farto para acéfalos e imbecis de toda natureza. E um dos principais hábitos destes trolls é a síndrome de tentar corrigir a escrita alheia. Reservam longo tempo para a tarefa de encontrar qualquer deslize gramatical que eles possam, pretensamente, corrigir. A internet libertou os trolls dos calabouços da irrelevância. Deu voz a todos que precisam, no auge da sua insegurança mental, tentar diminuir os outros.

Aprendi muito pouco de gramática na escola ou na faculdade. Não sou dos mais obcecados com ela. E com certeza devo cometer pequenos deslizes por aí. Aprendi a escrever lendo. Lendo muito. Sempre. Se souber de uma maneira melhor, me avise. Como jornalista, talvez devesse me preocupar até um pouco mais. Qualquer erro é potencializado pela profissão. Afinal, “jornalista não pode errar”, tem que saber tudo de gramática e também ter conhecimento sobre tudo que acontece no mundo, 24 horas por dia.

Pior que correr para tentar corrigir os outros é “corrigir” errado. Uma das palavrinhas mais traiçoeiras que conheço e que sempre causou “tumulto” é o plural de “refrão”. Grafo “refrães” há alguns anos. E já que escrevo bastante sobre música, ela sempre aparece. Não raro surge algum bastião da intelectualidade para bradar a alteração do termo para “refrões”, o mais usado, largamente difundido. Infelizmente, “refrões” não existe. As únicas formas aceitas são “refrães” ou “refrãos”. Há várias fontes por aí – incluindo os dicionários – que dizem isso. E acho a primeira grafia mais bela. Só.

Li uma vez Luís Fernando Veríssimo (o rei da assinatura de textos falsos e débeis que circulam pela internet, para horror do mesmo, imagino) dizer que, em certas ocasiões, se a “sabedoria popular” afirma algo e a gramática está errada, azar da gramática. Em alguns casos, faz sentido. Raríssimos casos.

Se a internet é alimento constante e imensurável para os trolls, azar da internet. Sigamos.

Padrão
Política & Economia

Feira MDA, dinheiro público e os fantasmas da imprensa

Todo mundo gosta de pegar o “dinheiro público” como calcanhar de Aquiles e exemplo máximo do abuso, descaso e corrupção. Com certa razão. Afinal, é dinheiro nosso. Que sai do nosso bolso todos os dias em cada mínima coisa que compramos e nos impostos que pagamos. E a farra feita com ele acontece continuamente, em inúmeros exemplos.

A Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária, descrita aí acima, foi tratada com curiosa “atenção” pela Folha. A manchete: governo banca festa de 15 milhões para assentados. Alguém sentiu o cheiro de “tendenciosidade” no ar? O primeiro “erro” flagrante: festa para assentados? Quer dizer que todos os expositores, de todos as regiões do país, que estão vendendo seus produtos na Feira são assentados, ex-integrantes do MST? Pelo próprio conhecimento, pela simples observação e pela conversa com alguns deles dá pra saber que não. E o público, as dezenas de milhares de pessoas que passaram pela festa nos 5 dias de evento, também são todos assentados?

Como público e espectador, estou acompanhando a Feira desde o primeiro dia, 16 de junho. Realmente nunca vi uma feira do tipo com estrutura tão boa, tão profissional e tão organizada: os stands são divididos por regiões, com milhares de produtos da agricultura familiar, de excelente qualidade, vendidos e expostos a preços honestos. Itens que são impossíveis de encontrar em condições normais seja nos mercados de Brasília seja em outros lugares. Eu, que sou capixaba, só consegui comprar um café arábica da região de Castelo (sul do estado), de uma pequena propriedade familiar, nesta feira. Nunca, em nenhum lugar do ES, achei o mesmo produto para vender. Este e vários outros. Percebe o que quero dizer?

Se 70% do que comemos vem da agricultura familiar, travestidos em rótulos de grandes e médias companhias, nada mais justo, pra começar, que estes produtores tenham uma feira para expor diretamente os seus produtos. Cara a cara e olho no olho do seu consumidor. 3 mil produtos de 650 expositores diferentes.

É nítido que tudo aquilo não dá pra sair barato: a estrutura monstruosa, o transporte e hospedagem de milhares de participantes, os artistas contratados para shows na Concha Acústica (espaço abandonado há anos e que ganhou nova vida com a Feira), os palcos, os telões de LED de alta definição, etc, etc. Espaço para as crianças, espaço para discussões, eventos e fechamento de novos negócios, intercâmbio entre gente de todo o país, tendo a chance de discutir questões importantíssimas para o sua propriedade e por consequencia para a economia do Brasil. Sem falar nos banheiros dignos (quase como os de shopping) e as dezenas de bebedouros com água mineral espalhados por todo o lugar, dentre outras pequenas coisas e o capricho que fazem a diferença.

Além de medalhões como Lenine, Paulinho da Viola e Alceu Valença, necessários para atrair milhares e milhares de pessoas para o evento em si, a Feira trouxe também artistas do independente nacional como Otto, Cidadão Instigado, BaianaSystem, Cabruera, Frank Jorge, Wander Wildner. E, principalmente, artistas regionais que não tem a oportunidade de se apresentar normalmente por aí. Gente como Mestre Vieira das Guitarradas e Pio Lobato (PA), Babilak Bah (MG). De atrações regionais, foram escalados para a feira: Boi Bumbá de Maracanã (MA), Descascadeiras de Mandioca (PB), Bule Bule e Caboquinho com Chico Assis e João Santana (BA/RN/PE), Zambiapunga (BA), Coco Raízes de Arco Verde (PE), Maracatu Estrela de Ouro (PE), Cacai Nunes (DF), Quentes da Madrugada – Carimbó (PA), Caludio Rabeca e Siba (PE), Gilberto Monteiro (RS), Zabé da Loca (PB) e Patubatê (DF). Com ônibus gratuito para o evento saindo de 15 em 15 minutos da Rodoviária, diminuindo o apartheid social reinante na capital federal, onde é simplesmente impossível ir a certos locais com o transporte público normal (dada a inexistência de linhas até lá, caso da Concha Acústica).

Além do dinheiro público, empresas privadas como a Itambé e associações como a ANFAVEA também patrocinaram o evento. Diante de toda a estrutura, da importância econômica, social e artística da feira, é razoável que 15 milhões sejam gastos? Pode ser muito ou pouco, dependendo pra qual lado você olha. Para o quê você leva em conta. Ou apenas na média. Quanto custa alugar equipamentos de som, luz, imagem, banheiros, estruturas físicas, gastos básicos de alimentação de toda a equipe por 5 dias? Contratação das empresas responsáveis pela montagem e desmontagem do material? Transporte e hospedagem de quase mil pessoas? Transporte de toda a carga de estados de norte a sul do Brasil para a capital? O cachê dos artistas? Etc etc. Repito: 15 milhões é muito, pouco ou na média? Quantos milhões essa feira gera em retorno de negócios e oportunidades? Como estimar o valor social e cultural de todas as atrações artísticas presentes? Qual o impacto disso? Questões que a mídia – deliberadamente – quer ignorar.

Se houve abuso, superfaturamento e qualquer irregularidade nada mais óbvio que se investigue e os culpados sejam condenados. Estranhamente, a matéria da Folha não aponta qualquer coisa nesse sentido. O tom pejorativo, desde o título, “festa para assentados”, é fruto do preconceito e sabotagem gritante que a mídia tem com o MST e/ou qualquer coisa que lembre reforma agrária, distribuição de terra, movimentos sociais legítimos e ameaças à oligarquia e o latifúndio. Porque será? Tire suas próprias conclusões.

Quando o dinheiro público é “mal aplicado” (um eufemismo), como os cachês milionários da BrasíliaTur para artistas como Claudia Leitte, Rebelde (grupo mexicano adolescente de alta relevância para a cultura brasileira, não?) e o desconhecido Edu Casanova, ou  9 milhões de reais para empresa fantasma de grupo ligado a Daniel Dantas, usados para financiar a partida entre Brasil x Portugal em Brasília em 2008, não costuma dar em nada ou, pelo menos, a mídia pega mais leve.

Curioso. Sempre curioso…

Foto: Marcelo Curia/MDA. Palco Multicultural, Lenine.

Com o fim do evento, respostas começam a chegar: Brasil Rural Contemporâneo recebe 150 mil pessoas e movimenta 19 milhões + vídeo

Padrão
Política & Economia

A ressaca do mundo no vermelho

Protestos na Grécia durante a terceira greve geral dos últimos meses. Noriel Roubini "é só a ponta o iceberg"

Protestos na Grécia durante a terceira greve geral dos últimos meses. Nouriel Roubini "é só a ponta do iceberg"

No auge da crise econômica mundial de 2008, escrevi este artigo. O nome, sugestivo: “Requiem Para Um Pesadelo”. Nele, me debruçava sobre os recentes acontecimentos, os precedentes, o que significava e quais seriam as possíveis implicações a partir dali. Cito porque este texto anterior é fundamental para a compreensão deste. Afinal, a crise atual da qual a Grécia é o primeiro sintoma visível, é fruto direto das trapalhadas pós setembro de 2008.

A explosão do endividamento do setor privado, menos de 2 anos atrás, foi “remediado” com toneladas de dinheiro público, despejados por quase todos os governos, comprando as empresas falidas e apostando numa solução “simples” para salvar a economia. Diz o clichê que reconhecer a doença é o primeiro passo para se recuperar dela. Não foi exatamente o que aconteceu.

Chegou a hora, novamente, da incompetência cobrar seu preço. Literalmente. Quem avisa não são “comunistas lunáticos” ou profetas do apocalipse loucos para ver o mundo implodir. É menos ideologia e mais realidade. A atual edição da revista Exame (número 969, 02/06/2010, ano 44), traz na capa a matéria “O mundo no vermelho”, de Tiago Lethbridge. Fundamental para entender o que está acontecendo e de uma fonte longe de suspeitas de “inclinações esquerdistas”. O argumento mais fácil dos acéfalos para descartar alguma análise.

Ironia das ironias e nova tragédia anunciada: ao garantir a sobrevida dos preciosos bancos, seguradoras e demais instituições financeiras privadas com a farra irrestrita do dinheiro público, os governos – advinhe! – colocaram seus países em dívidas astronômicas. Pequeno exemplo de como o desespero é capaz de destruir a inteligência.

A relação entre a dívida pública dos países ricos e seu produto interno bruto, na média, subiu de 73% em 2007 para 103% na previsão para 2011. São recordes históricos e indesejáveis: no Japão bate nos 214,3 %, 147,6% no Líbano, 125,6% na Grécia, 117,7% na Itália, 116,3% na Irlanda, 111,3% na Islândia, 100,9% na Bélgica, 87,5% nos Estados Unidos. Nos emergentes, a situação é menos pior mas não confortável: 81,2% na Índia, 70,2% no Brasil e 66% na Argentina.

O que isto significa? Que o alto endividamento coloca estes países em situação crítica para tentar qualquer ação de recuperação econômica nos próximos anos, dificultando brutalmente o crescimento interno e espalhando terror no mercado financeiro. Terror este antes restrito apenas aos países médios que, curiosamente, agora são considerados mais seguros para se investir.

Segundo estudo do Citigroup, que analisou a história das finanças mundiais da Revolução Industrial até os dias de hoje, citado na reportagem da Exame, nunca, excetuando-se períodos de Guerras Mundiais, deveu-se tanto. E nunca a dívida global cresceu de forma tão descontrolada. O medo de um calote soberano – dado por um país que simplesmente resolve não pagar sua dívida – é imenso. Só que desta vez esta ameaça parte das nações ricas. A situação fiscal dos EUA é a pior desde a Segunda Guerra Mundial.

A zona do euro arde em conflitos e numa crise profunda e endêmica. A moeda já se desvalorizou 15% em relação ao dólar em 2010. A relação truncada entre seus participantes, que sempre foi tensa, piora a cada dia e o euro já não é mais visto como uma moeda sólida capaz de representar um porto seguro para o capitalismo financeiro.

Na tentativa de evitar os calotes soberanos generalizados, o FMI e a União Europeia anunciaram o maior plano de resgate da história, com 1 trilhão de dólares para os países mais problemáticos da zona do Euro. Parece que nunca aprendem a lição. A instabilidade no mercado é gritante: ninguém sabe o que virá. Ninguém tem uma solução simples. O que foi tentado antes fracassou, a situação piorou e restam poucas alternativas para um último suspiro.

Como isto impacta no Brasil? Somente em maio as empresas brasileiras perderam 200 milhões de reais na bolsa. Para além disso, tudo indica que o “crescimento chinês” visto no primeiro semestre desse ano não seguirá. A alta dependência das commodities (em 2000 os produtos industrializados representavam 59% das exportações, caindo para 44% atualmente, níveis de 1980) é um ponto frágil para o Brasil, mal que o governo não conseguiu melhorar. Numa economia altamente interligada, parece óbvio que a falência de outros países, especialmente os ricos, tem impacto direto nos planos de crescimento dos emergentes. Nas exportações, nos indíces diversos que regem a economia e, por extensão, no mercado interno. A Europa representa 22% das exportações brasileiras.

Ninguém sai ileso. A incompetência contínua respinga em todos. Para a Europa não resta solução: reajustes fiscais, arrocho salarial, corte de benefícios, renegociação da dívida (como se fosse possível). Cortar parte dos direitos trabalhistas historicamente acumulados à custa de muita coisa. Medidas naturalmente impopulares que causam reações extremas como as vistas na Grécia e já vistas largamente na França (ou alguém se esqueceu dos inúmeros conflitos advindos disso ocorridos no país nos últimos 5 anos?). Mobilização de milhões de pessoas, greves gerais. Vários países europeus já anunciaram corte de custos nos últimos tempos, o que configura o maior reajuste fiscal da história.

Novamente se afundando em suas próprias engrenagens, fica cada vez mais difícil para o capitalismo superar o que seria “apenas uma de suas crises cíclicas”. O rombo nos Estados Unidos supera 1 trilhão de dólares de 2008 pra cá. Só na Espanha, a taxa de desemprego supera os 20%. As “soluções” cada vez mais raras forçam medidas como o aumento do tempo de serviço para aposentadoria. Crise generalizada, endividamento recorde, envelhecimento significativo da população, déficit brutal das contas públicas. Grécia, Reino Unido e Espanha já anunciaram a elevação da idade mínima para aposentadoria. Parece não haver outro caminho para França (que já tentou isto e o resultado foi uma das maiores mobilizações sociais da sua história), Espanha e cia.

Nos próximos dez anos, a previsão é de que os juros responderão por 20% do orçamento dos EUA e o déficit fiscal alcance os 9 trilhões de dólares. A China (e boa parte da Ásia), tida como a “nova fronteira”, terra onde o crescimento é “geral e irrestrito”, para onde dezenas de empresas dos EUA e Europa migraram em busca de mão de obra barata (escrava), incentivos mil e custo reduzido, gera aberrações como o caso da Foxconn. Apenas um exemplo de uma realidade pouco discutida. É esta a salvação do capitalismo? É disso que o mundo depende para continuar com seu padrão de vida atual? Tentar igualar o “estilo de vida” dos ricos, origem direta de muito do nosso mal, e não transformar o padrão é um erro crasso dos emergentes.

“Crescimento” a todo custo e como sinônimo de “evolução” e melhora não parece mais ser uma alternativa (e uma mentalidade) aceitável. Nouriel Roubini, economista que atingiu “auge de popularidade” em 2008, por ter previsto a crise, dá um panorama concreto: “dinheiro não é o bastante para resolver o problema europeu. Os países estão endividados demais. A solução proposta no pacote é levá-los a um longo período de cortes draconianos e recessão. A Grécia sairá dessa temporada com uma dívida muito maior. Os problemas são muito sérios e resolvê-los da maneira proposta pela União Européia me parece ser uma missão impossível, além de politicamente inviável.”

Com a repetição dos erros anteriores e a multiplicação dos governos insolventes, pergunta ele: quem vai resgatar a União Européia e o FMI? Roubini resume o cenário: “os países encrencados tem três opções: dar um calote, ligar suas gráficas e imprimir dinheiro e/ou cortar gastos, aumentando os impostos e colocar a casa em ordem. Mas os políticos – principalmente os estadunidenses – parecem não reconhecer o problema. É preciso ir muito além disso”.

No jogo de empurra-empurra, cabra-cega e soluções paliativas todos saem perdendo. Por fim, Roubini não é tão pessimista sobre países emergentes como o Brasil, mas sinaliza que a crise terá efeito inevitável e que os próximos anos precisarão vir acompanhados de reformas estruturais e tributárias sérias.

Como se vê, a Grécia soa realmente como apenas o primeiro sintoma crítico. A série de incríveis trapalhadas dos últimos anos não têm fim. Insistindo em propostas caducas, evasivas e natimortas, que apenas pioram a situação a longo prazo, os governos criam uma bolha dentro da bolha, explodindo numa infecção grave de cura extremamente complicada.

Para quem achou que as coisas já estavam superadas, vale a mesma frase de Peer Streinbueck, ministro das finanças da Alemanha, em 2008: “todos os que enxergavam uma luz no fim do túnel agora se dão conta de que essa luz é uma locomotiva que está indo em sua direção”.

O resultado da socialização da desgraça e dos prejuízos do setor privado estão claros. Continuam a fazer as mesmas coisas inócuas de antes. O “crescimento” de alguns se dá em meio ao caos completo de outros e da instabilidade generalizada. Qual será o próximo passo?

Padrão
Jornalismo

Super Notícia e os paradoxos do jornalismo

O Super Notícia nasceu como o “filhote popular” do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, na esteira do que já acontecia em anos anteriores em outros lugares do Brasil. O início dos anos 2000 marcou a avalanche dos tais jornais populares pelo país, a deterioração – em certa medida – dos jornais mais “acessíveis” sempre presentes em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. As capitais que não tinham o seu representante foram recebendo: Notícia Agora no Espírito Santo (cria do A Gazeta) e o próprio Super em BH, que originou o “contra-ataque” do Diários Associados, lançando o “Aqui” em Belo Horizonte e Brasília.

De 2002, quando surgiu, até o estouro em 2007, quando se tornou o jornal mais vendido do Brasil, com mais de 300 mil exemplares por dia, o Super soube rapidamente estudar o mercado e chegar até o público. Em toda esquina movimentada de Belo Horizonte foi colocado um vendedor do Super. Literalmente. Nos sinais, mesma coisa. Extremamente vendido nos ônibus e coletivos em geral. O preço de apenas 0,25 centavos tornava acessível a qualquer um e garantia a agilidade no ato de “receber e entregar”. Bom lembrar que o preço que foi fundamental na sua virada: inicialmente, nos primeiros anos, custava R$ 50. Quando reduziu pela metade é que o boom aconteceu. Tanto que, naturalmente, este valor não foi aumentado até hoje.

O “fenômeno”, então, gerou estudos diversos que se perpetuam: quais as implicações mercadológicas, sociais, econômicas, jornalísticas, ideológicas, etc, que a proliferação destes periódicos representa? Como vejo, há muito menos glamour e mistério nisso tudo, ao contrário do que muitos gostariam.

A fórmula é simples e velha, levada às últimas consequencias: chamadas “impactantes” de capa, geralmente policiais, sem “meio-termo”, futebol, mulheres semi-nuas, televisão, promoções “junte x selos e ganhe y”  e um tantinho de “serviço”, o “grita geral” e coisas do gênero. Redações dedicadas a produzir material exclusivo? Repórteres na rua para cobrir as editorias? Minoria. A maioria desses jornais, quase todos, são meras reduções de matérias já feitas pelo jornal principal da casa somada a notícias “curiosas” e/ou “bizarras” que não tiveram espaço por lá e o “tratamento” específico dado. Correio Braziliense>Aqui DF. Estado de Minas>Aqui MG. O Tempo>Super Notícia. A Gazeta> Notícia Agora. Além da fórmula, claro, não ser nossa: mas importada de outros ventos, como as dezenas de jornais populares do Peru, como lembrou a colega Lanna Morais.

Ou seja, os jornais populares foram uma maneira simples que as empresas encontraram de ganhar dinheiro fácil, sem esforço. Fazer com que as redações trabalhem por 2 jornais (e ainda atualizem os sites). É a “sinergia”. Todos os profissionais da casa trabalham para todas as publicações e veículos existentes. Quanto menos jornalistas e mais conteúdo, mais “ramificações”, mais sobrecarga e mais dinheiro, melhor. Já se disse por aí que o jornalismo foi uma das poucas profissões em que o advento massivo da tecnologia não fez melhorar o seu trabalho mas, ao contrário, gerou um acúmulo de atribuições e incremento na carga horária. Sintoma que os jornais populares representam apenas uma parte da história. Assunto para ser desenvolvido melhor em outro texto.

Acho até natural que colegas se empolguem com o Super. Muitas vezes, os “populares” são vistos como uma espécie de “resposta” aos jornalões. Não são. Por mais contaminados e/ou comprometidos que cada grande jornal pode estar com quem paga sua estrutura, tendenciosos ou não e de ideologia “subliminar”, perto da fórmula dos populares os tubarões soam como reduto exemplar de inteligência. Dada a quantidade de ótimos jornalistas que, enfim, trabalham para eles. Um clichê cabe bem aqui: “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.

Uma das principais virtudes de jornais como o Super seria conquistar leitores que não leriam nenhum jornal, em condições “normais”. Formar leitores, disseminar a leitura, chegar onde nenhum outro veículo impresso chega. Classes D e E, principalmente. Não dá para negar que isto realmente acontece. Mas não é possível, também, esquecer que este trabalho é muito mal-feito. Qual o sentido, afinal, em entregar aos seus leitores a deterioração de algo e de todos os temas que a TV já trata tão bem? A TV que, ao lado do rádio, são os únicos veículos realmente populares do Brasil. Quando digo “trata tão bem” quero sinalizar que melhor que os populares. O que já não é lá grande coisa.

Ao entregar um pastiche diário de coisas que o público já está saturado de ver e saber, o argumento de “formar leitores” e sua “importância” é no mínimo questionável. Aqui entra o preconceito central: a crença de que o povo gosta mesmo daquilo que lhe é empurrado. E só disso. O que acho um dos pensamentos históricos mais nefastos e perigosos que tenho notícia. O “interesse” do público passa necessariamente pelo custo. Por quanto quem mal tem dinheiro para pagar as contas pode desembolsar por informação e entretenimento.

“O povão só gosta de tosqueira, apelações e material de baixa qualidade”. Imagem, escândalos, impacto. Será? Me parece que quando a “alta cultura” se permite chegar até ele, a coisa muda. Que quando programas que normalmente tem um custo elevadíssimo passam a custar o mesmo que atrações “populares”, a resposta é parecida. Ficando em Belo Horizonte: os concertos de música clássica organizados no Parque Municipal, gratuito, aos domingos, estavam sempre lotados. Cheios da mesma forma que uma atração musical “popular” geralmente fica. Todo ano, a “campanha de popularização do teatro”, com ingressos a R$ 10, em média, atrai milhares e milhares de pessoas. Com o fim da campanha e os ingressos voltando ao preço normal, o teatro fica novamente restrito aos apaixonados e pessoas do meio. Se a programação de todas as emissoras abertas fosse levemente modificada, para coisas com um pouco mais de substância, o público deixaria de ver TV?

Meu ponto é simples: quando o que é bom – independente de classificações ultrapassadas e discussões débeis sobre “alta” e “baixa” cultura, o que é válido e o que não é, que simplesmente não cabem mais num mundo minimamente aceitável – chega até o público, quando isto chega até o que ele pode pagar, a resposta é sempre ótima. Será que um jornalismo com um pouco mais de caldo e reflexão, vendido a preço popular, não teria sucesso também? Jornalismo de verdade custa caro, sim. Nada que impeça alternativas comerciais e de conteúdo no meio do caminho. Falta interesse das empresas, sobra ranço, preconceito de classe e má vontade.

Não é de espantar que as elites – quem determina, publica, veicula o conteúdo jornalístico e de entretenimento – trate o “povo” com desdém e tenha a “crença” – quase uma necessidade – de que pra ser “popular” não é preciso grande coisa. Como sabemos, é realmente muito perigoso que o povo desenvolva a crítica e o pensamento. É mais inofensivo e mais confortável manter as coisas como sempre foram.

Padrão
Política & Economia

Lula: o implacável

A cada vez que Lula é referendado por uma importante publicação estrangeira os estoques de diazepam vem abaixo em redutos da elite como Higienópolis, em São Paulo, e Lago Sul, em Brasília. O stress se dá não porque o governo Lula tenha necessariamente “atrapalhado” a vida da classe média alta – até o contrário – mas porque a ojeriza, o ódio e a revolta pelo reconhecimento internacional alcançado por ele e pela história (maiúscula) que fez no Brasil são notórios.

Quando veículos como a Time, um dos pilares da imprensa estadunidense, elege Lula como o líder político mais influente do mundo, há significado aí. O exato paradoxo por um veículo como a Time, repito, reconhecer Lula. Pro bem e pro mal. Em 2009 o mesmo Lula já havia sido celebrado “personagem do ano” por jornais como o espanhol El País e o francês Le Monde. Obama se derrama em elogios. Sarkozy não fica atrás. Lula é ouvido atentamente e com respeito em todos os fóruns mundiais que participa. É admirado e exaltado em todas as partes do globo.

A direita se rasga em incredulidade. Como pode? Como um “nordestino semi-analfabeto” conseguiu tanto? Porque FHC, nosso modelo de presidente e intelectual perfeito, sociólogo “respeitado”,  homem “culto”, não chegou nem perto? Sinto informar: é uma guerra perdida.

Deve ser realmente assustador “acordar” e perceber que as regras do jogo não são mais impostas com tanta facilidade como eram antes. Que a manipulação do povo não é tão fácil e simples como se acostumaram em mais de 500 anos de história.

Precisamos entender que a eleição de Lula e o subsequente governo com muito mais acertos que deslizes é uma legítima tortura psicológica contínua para a direita desse país. Precisamos compreender que a eleição de alguém como Lula, com o perfil de Lula, de onde e como ele veio, o que ele é, não pode em nenhuma circunstância ser aceita pela oligarquia brasileira. É a antítese de tudo que eles conhecem e tudo que eles vivem. É o inimigo ideológico, físico, social e político da velha elite.

Nunca antes na história desse país (há) um presidente foi tão massacrado, enxovalhado, caluniado e perseguido pela mídia. A Veja, órgão oficial da direita, abandonou qualquer vislumbre de jornalismo político sério desde que a vitória de Lula se anunciava. De lá pra cá são quase 10 anos em que o maior veículo impresso do país (mais de 1 milhão de exemplares por edição se você considerar válidos os números publicados) tenta, sempre, derrubar o governo. É muita incompetência.

A reeleição foi um golpe duríssimo: no auge da crise e dos “escandâlos” via-se a oportunidade ideal para derrubar de vez o barbudo incômodo. O linchamento constante não deu resultado. O ódio cresceu. A sensação de impotência. A simples incredulidade. O pesadelo. Comportamento reproduzido em menor grau e com mais sutileza por todos os maiores jornalões do país.

Mas a mídia impressa é brincadeira de criança perto do poder e alcance da televisão. Aí que Lula nunca foi exatamente massacrado pelas grandes redes de TV. A mensagem vem sempre sutil, subliminar, insinuante. Sutil para quem não consegue reconhecer, claro. E com muito menos efeito do que antes. Mensagem neutralizada porque a vida da população de classes C, D e E “simplesmente” melhorou muito nos anos de governo Lula.

Não há o que negar: nunca tantos empregos com carteira assinada foram criados (milhões e milhões), tantas pessoas saíram da pobreza, tanta gente voltou a ter o que comer, onde estudar – desde o ensino básico, médio, técnico e superior – tantas oportunidades foram criadas em todas as esferas possíveis. Além da óbvia empatia e do discurso feito de um autêntico representante do povo – coisa que jamais tivemos – para o povo.  O que faz toda diferença.

O parágrafo acima pode sugerir que vivemos num paraíso. Essa é a imbecilidade mais óbvia que deve ocorrer à cabeça de alguém. Claro que estamos infinitamente distantes de alcançar um nível de educação aceitável, uma distribuição de renda justa, de melhorar consideravelmente a segurança pública, o sistema de saúde precário, etc, etc. Não se resolvem 502 anos de exploração e bandalheira em 8. Ainda assim avançamos muito.

Isto posto, é preciso ressaltar também que Lula migrou para um governo de centro para conseguir se eleger. Abandonou o discurso radical, a aparência desleixada, fez acordos com o FMI, se comprometeu com banqueiros e grandes empresários, fez toda a cartilha neoliberal. Pasmem, com mais competência. Pasmem, conseguindo ao mesmo tempo introduzir programas, mudanças e transformações benéficas também para o povo. Com preocupação e projetos “populares”, projetos estes fundamentais e de impacto imediato na vida de milhões de pessoas, que simplesmente não aconteciam antes. Talvez esteja aí a grande sabedoria de Lula: entrar no sistema para agir dentro dele.

Por mais que um governo a princípio “de esquerda” cometa ações e se incline para práticas “de direita”, neoliberais, etc, ele sempre (repito: sempre), terá um trabalho social, de distribuição de renda e de criar meios para que quem não tem condições de alcançar as coisas, comece a ter. Essa é a diferença principal entre governos de mentalidades diferentes num tempo em que “ideologias” são coisas ultrapassadas e que mudam de acordo com o interesse.

As transformações centrais de consciência, acesso e qualidade da informação – ainda que tímidas – já serviram para que manipulações simplórias e “verdades absolutas” espalhadas pela mídia sofressem questionamentos imediatos e ferrenhos. O suficiente para mudar algo no jogo. O bastante para já ter alterado as eleições de 2006. E mais ainda em 2010.

Lula não é herói – talvez o mais perto disso que chegaremos – e, claro, não é santo. Nem nunca fez questão de tentar ser. “Detalhe” importante sempre esquecido propositadamente. O que explica o sucesso de Lula é que ele conseguiu fazer um governo moderno – na melhor sentido da palavra – sem cair em desgraça, conquistando coisas importantes para todos os setores da sociedade. Empresários, banqueiros e especuladores não têm do que reclamar, assim como o campo social nunca foi tratado com tanta atenção e eficiência. Lula conseguiu construir uma equipe que administrou o capitalismo como nenhuma outra. Atravessou com danos bem menores que os possíveis a maior crise desde 1929. Fez muito em 8 anos para quem recebeu toda uma herança nefasta nas mãos.

A comparação – inevitável – entre ele e FHC é cruel: Lula humilhou o tucano em todos os campos possíveis. Ex “companheiros”, ironia. Quem acompanha a mídia lembra bem o tratamento que as derrapadas e desmandos da trupe tucana, as mudanças de constituição, a corrupção, tinham: sempre atenuadas, escondidas. Os “feitos”, exaltados à última potência. Ao mesmo tempo que as besteiras do PT tomam proporção imediata de escândalo mundial e impeachment. E as conquistas e transformações positivas sempre tratadas com desdém. Qualquer criança de 3 anos é capaz de perceber essa diferença brutal de tratamento entre os governos nos últimos 20 anos.

Para quem passou fome, enfrentou pobreza extrema, morte da esposa e filho prematuramente, ditadura, cadeia, morte da mãe, desabamento da casa, pai distante e toda uma infância/adolescência/início da vida adulta tão conturbada, sempre tendo que, literalmente, lutar muito para viver, lidar com a mídia provou ser tarefa menor para Lula.

Matéria após matéria, capa após capa, chamada após chamada tentam, desesperadamente, desqualificar e atacar Luiz Inácio desde sempre. Ao mesmo tempo em que passou por cima disso tudo e se tornou o melhor governo da história do país. E que conquistou – sempre incompreensível para a oligarquia – o respeito e admiração da mídia estrangeira, não contaminada, de outros ares e outra cabeça. Lula é implacável. Fez história. E não há nada, absolutamente nada, que qualquer um possa fazer para apagar isso. Haja remédio e tranquilizante para fazer a direita (e companhia) dormir com um barulho desses.

Recomendado:

Lula, as elites e o vira-latas

Não verás Lula nenhum

Padrão
Artigos/Matérias/Opinião

Mulheres, SUV’s e a modernidade

O SUV – veículo “utilitário” – sempre foi símbolo do “sonho americano” e, também, do ‘fetiche’ masculino. Veículos que carregam ‘status’, ilusão de ‘poder’ e ‘superioridade’. Para os homens, sempre funcionou como extensão do falo. Sinônimo de “virilidade”, “força” e todas as características típicas do inseguro, acéfalo e estereotipado macho moderno. Bom frisar: tome isto, naturalmente, em termos gerais. Nem todo dono de SUV é  “x” ou “y”. Os apontamentos acima são fruto de um comportamento (e até estatísticas, estudos, etc) largamente conhecidos.

Além disso, os SUV’s tem alto índice de envolvimento em acidentes e são considerados um dos vilões do aquecimento global pelo imenso consumo de combustível. Isto dito, percebi uma mudança notável nas ruas de Brasília: o número incrivelmente crescente de mulheres dirigindo SUV’s, pick-ups e derivados. O que isto indica, afinal? Talvez nada. Ou, talvez, indo fundo numa pretensa observação de mudança de comportamento da sociedade, a apropriação dos piores hábitos masculinos.

A destruição da família nuclear burguesa, cristã e “tradicional” – homem como “provedor”, mulher como dona de casa, etc – e do papel da mulher na sociedade em geral vem sofrendo profundas mudanças desde os anos 60. Todas as conquistas, mais do que justas e necessárias, às vezes, no entanto, caem numa busca interminável por se “igualar” ou “superar” os homens: seja em que esfera e de que maneira for. Erro crasso visto as brutais diferenças inerentes entre os dois.

E pior ainda porque o homem em si, não custa lembrar, é a principal causa do escremento fumegante em que estamos agora. O comportamento masculino – agressivo, autoritário, inescrupoloso, extremamente competitivo – novamente de modo geral e sem esquecer que mulheres podem ser tanto quanto, é um dos responsáveis por colocar o mundo nesse caos crescente. Mulheres, grosso modo, dirigem melhor, governam melhor, administram melhor, etc, etc. De modo que a sadia participação feminina em todas as questões da humanidade – no política, no trabalho, no trânsito,… – sem dúvida contribui para melhorarmos um pouco.

Problema é quando começam a absorver as piores facetas do homem. Quando se preocupam em demasia, como dito, em tentar se igualar. Primeiro porque somos diferentes e segundo porque, de modo geral, não temos boas coisas a passar. O SUV, afinal, é um símbolo de quase tudo de errado no mundo hoje. A obsessão pelo tamanho, pela potência, pela agressividade, pela rapidez, pela força. Sem falar na questão ambiental.


Para uma indústria automobilística que caminha cada vez mais para os carros mini e nano – quanto menor e mais eficiente melhor – as mulheres, me parece, seriam eixo fundamental para essa mudança. Já que o “bicho macho” é naturalmente mais resistente a descer do pedestal e ver seu “falo” diminuído.

Triste, portanto, que a contaminação do lado masculino mais nefasto seja tão crescente entre as mulheres. Claro que isto são apontamentos preliminares sobre um caso específico. O importante é que, independente do sexo, saibamos enxergar os veículos como meios de transporte e não como “extensões” de anseios, personalidades, ambições e fraquezas. Lucidez é o remédio. Chegaremos lá.

Padrão