Ativismo

#reiOpixo

rei-94x

 

Dafne Sampaio é jornalista e um bocado de outras coisas. Antes de partir para esse #reiOpixo, Dafne fez barulho por aí com o “Você Praça”, que ele explica aqui:

“desde que assisti o documentário exit through the gift shop (banksy, 2010) me bateu uma vontade danada de fazer algo na rua. de falar algo pra cidade e pras pessoas. mas como não desenho um boneco palito sequer, o lance tinha que ser em texto mesmo. e nada surgia, nada, até que em algum momento do ano passado, como numa brincadeira, eu e ana lima cecílio criamos a quadrinha “você praça / eu acho graça / você prédio / eu acho um tédio”. e a quadrinha ficou lá, maturando na cabeça, esperando o impulso técnico de ação.”

Roberto Carlos é figura central da cultura popular da América Latina nos últimos 60 anos. Sua obra, especialmente para a molecada que o trata como mero contratado da Globo que faz especiais de fim de ano duvidosos no natal, merece ser ouvida, respeitada e descoberta sempre. É consenso reconhecer que a fase setentista de Roberto é o seu ápice e realmente é, tanto em termos líricos – as letras escorrem em pungência, beleza, angústia, honestidade, etc – quanto musical. Ali Roberto está em seu melhor, tanto no sofisticado com suas incursões orquestrais, quanto no rock.

Portanto, espalhar frases das músicas de Roberto pelas ruas desse país parece não só uma homenagem justíssima, como o casamento perfeito entre um dos maiores artistas que esse país já teve e o povo. No tumblr, Dafne compila as incursões que faz na cidade, deixando a paisagem menos cinza, menos modorrenta, menos óbvia. Algo sempre necessário.

 tumblr_mscqlr9pIL1sgrmxto1_500

Padrão
Esportes

O número 1 que detestava o tênis

ANDRE AGASSI

Andre Agassi é honesto em sua autobiografia. Um dos tenistas mais vencedores – e controversos e midiáticos – da sua geração, Agassi não esconde quase nada nas 500 páginas do livro. Rica em detalhes – e, por vezes, repetitiva – Agassi inicia pelo fim, com um relato impressionante da sua penúltima partida, aos 36 anos, contra Marcos Baghdatis, no US Open de 2006. Ali, velho, se contorcendo de dor e mal conseguindo ficar em pé, precisando de injeções de cortisona, Agassi encerrava uma trajetória de mais de 20 anos de carreira, de um tenista em que, por inúmeras vezes durante o livro, ressalta o quanto sempre detestou o tênis.

O ódio de Agassi tem explicação: a figura draconiana do pai, Emmanuel Agassi, engenheiro iraniano, ex-lutador de boxe, que levou a família para Las Vegas, fanático por tênis, que obrigou o pequeno Agassi a rebater bolas desde os primeiros anos de vida. Construindo um lançador de bolas mais alto e mais veloz que o habitual, que Andre apelidou de “o dragão”, Emmanuel leva o filho a rebater continuamente bolas até a exaustão, apostando em Andre o que não conseguiu com os filhos mais velhos: transformá-los em campeões do tênis.

Agassi conta detalhadamente seu sofrimento e o quanto gostaria de jogar um esporte coletivo, para dividir a responsabilidade, ou simplesmente fazer outra coisa da vida. Adolescente, Agassi é enviado para a Bollettieri Academy, onde se amontoa com outros meninos aspirantes a grandes tenistas, como Jim Courier, outro que se tornaria número 1. Ali, Agassi desenvolve a sua “rebeldia” – cabelos compridos e pintados de rosa, brincos, shorts jeans no início da carreira profissional – tudo uma maneira que o ainda menino encontrava para simbolizar sua insatisfação em ser escravo do esporte. No fim, é o que continuou fazendo porque era a única coisa que sabia fazer, afirma Agassi.

Seus primeiros torneios maiores e suas partidas contra lendas que estavam no fim da carreira, como Jimmy Connors e Bjorn Borg, são ótimas, assim como ele descreve a sensação depois de cada derrota ou vitória, de cada mudança no seu preparo físico – em especial a entrada em cena do treinador Gil – e sua rivalidade crescente contra Pete Sampras (que se tornaria um dos maiores de todos os tempos, com 14 Slams e contra quem Agassi sempre foi, majoritariamente, freguês), Jim Courier, Michael Chang (que ele parece detestar sempre que o cita, inclusive afirmando “de todos os tenistas, o único que não poderia vencer um grand slam antes de mim era Chang”, o que acabou acontecendo, em 89, aos 17 anos em Roland Garros, o mais novo da história), Boris Becker, Ivan Lendl, Stefan Edberg, Patrick Rafter, Kafelnikov e outros.

Durante o casamento com Brooke Shields, o ponto mais baixo da sua carreira (em que chegou a usar metanfetamina e cair para o número 141º do ranking, voltando a disputar torneios de challenger, a categoria mais baixa do tênis), Agassi mostra o quanto seu foco estava em todas as outras coisas menos no tênis, o quanto o estilo de vida da companheira não casava com o dele e como as coisas degringolaram rápido.

Logo após o término do casamento, Agassi foi correndo dar um jeito de se aproximar de Steffi Grafi – a maior tenista de todos os tempos, com 22 Slams – com quem acabaria se casando depois e com quem está junto até hoje, pai de 2 de filhos, voltando a se dedicar ao tênis, o que culminaria nos títulos do Aberto da França e do US Open em 1999, o melhor ano de Agassi, quando retornou ao posto de número 1 do mundo. Agassi conquistaria outros três Slam, em 2000, 2001 e 2003, todos na Austrália, chegando a ser o mais velho com o posto de número 1 da Era Aberta.

Os detalhes do jogo, do aspecto mental – Agassi admite inúmeras vezes suas fraquezas, o quanto se perdia mentalmente nos jogos, entregando partidas fáceis e complicando outras tantas – a escola que fundou com Grafi, suas conturbadas relações familiares e a importância dos amigos próximos. Agassi escreve bem, para além da história fantástica que sua própria vida representa.

É uma autobiografia reveladora, impactante, de um cara que foi um dos principais jogadores do que ele definiu, com justiça, o esporte mais solitário do mundo.

TENNIS-AUS-OPEN-FINAL-AGASSI

Padrão
Política & Economia

Alan Greenspan: risco, natureza humana e o futuro das previsões

alan_greenspan_01

 

“Quando o Lehman entrou em default em 15 de setembro de 2008, as perdas globais das ações de empresas negociadas em bolsa atingiam 16 trilhões de dólares. Semanas depois, já somavam 35 trilhões. Ao fim, as perdas na economia como um todo chegaram a cerca de 50 TRILHÕES DE DÓLARES, o equivalente a quatro quintos do PIB global de 2008. (…) Não vejo nenhuma maneira de eliminar exuberâncias irracionais periódicas sem reduzir significativamente a taxa média de crescimento da economia“.

Alan Greenspan, ex-presidente do FED e guru global, lambendo as feridas no seu novo livro, “O Mapa e o Território – Risco, Natureza Humana e o Futuro das Previsões” (Cia das Letras) te lembrando porquê não vai ficar tudo bem e defendendo o fim da obsessão com o crescimento econômico. Algo impensável há pouquíssimo tempo atrás. De reputação quase indestrutível, Greenspan se viu no centro da maior crise da história do capitalismo (segundo ele mesmo) e agora tenta fazer o “mea culpa”. Compreensível.

Em 2010, escrevi isso aqui: a ressaca do mundo no vermelho. Vida que segue, pataquadas que se acumulam, aquele clima geral de anestesia desconfortável. Um rombo desse tamanho – 50 trilhões – não desaparece. É uma hecatombe que repercute de maneira brutal nestes 5 anos de maneira evidente ou não. Não por acaso, o governo americano foi obrigado a entrar numa encarniçada batalha política para elevar o teto da dívida, para impedir um calote. O primeiro calote profundo da história do governo dos Estados Unidos só foi evitado porque resolveram esticar um pouco mais a corda. Tido como os títulos públicos mais “seguros” do mundo, praticamente com “risco zero”, um novo tombo representaria um grande baque na economia global.

A gravidade da situação, claro, também é fruto da quantidade absurda de dinheiro usada para salvar empresas e bancos completamente falidos e resgatar “títulos podres”. É a famosa história do cobertor curto demais, que cobre a cabeça e deixa os pés expostos. Da solução paliativa. Do buraco negro que não dá pra sair com meia dúzia de conluios e assinatura.

Conceitualmente, Greenspan, um ícone do capitalismo, afirma que a única saída para tentar – tentar – diminuir o rombo e buscar alternativas realmente eficazes no longo prazo é diminuir o fetiche do crescimento a qualquer custo. Algo que soaria como exorcismo dos brabos de comunistas barbudos do interior da Sibéria em qualquer tempo. O diagnóstico de Greenspan é tão simples quanto categórico: do jeito que está, não dá mais. E isto vale para o mundo todo.

Quais caminhos vamos escolher trilhar para sair desse buraco que cavamos com gosto é que definirá a possibilidade real de sair dos escombros.

Padrão
Arte

Inhotim: o coice e o engodo da arte contemporânea

1376435_10151993927439756_598520371_n

 

É difícil escapar do superlativo para falar de Inhotim. “O maior museu a céu aberto do mundo” exala grandiosidade por cada metro quadrado. De cara, parece a Xanadu de Charles Foster Kane, a fortaleza do personagem vivido por Orson Welles no clássico “Cidadão Kane”, de 1941. Esta foi a primeira impressão que tive ao pisar lá, em 2011. No caso, o nosso Charles Foster Kane é o empresário Bernardo Paz, 63 anos, bilionário da siderurgia. Especulações afirmam que Inhotim tenha consumido mais de R$ 500 milhões, num espaço de mais de 2.000 hectares, com a maior coleção de palmeiras e uma das maiores coleções botânicas do Brasil, espaço que abriga obras de 500 artistas brasileiros e estrangeiros, recebeu mais de 250 mil visitantes em 2011, tem mais de 1.000 funcionários e deve receber um complexo que envolve 10 hotéis, anfiteatro para 15 mil pessoas, um aeroporto e até “lofts” para quem quiser viver lá.

935981_10151986143264756_584332198_n

Em pouco tempo, Inhotim se tornou um dos destinos turísticos mais visitados do Brasil, transformando a economia de Brumadinho, que fica a 60 km de Belo Horizonte. Bernardo, o estereótipo do que podemos chamar de “excêntico”, tem opiniões fortes sobre a arte moderna em contraposição à arte contemporânea. Segundo ele, nesta entrevista:

A arte passou por cem anos em que não se transformou em processo educativo nem cultural. Quem era Picasso? Um devasso que gostava de mercado, gostava de comércio, ia à galeria e perguntava qual quadro estava vendendo mais. Aí, fazia mais dez. Assim foi a arte moderna. Não ensinou nada a ninguém.”

bars

Já a contemporânea seria uma arte crítica:

Aí, entrou Duchamp, primeiro exemplar da arte contemporânea. Entrou com uma curiosidade, a arte passou a ser uma curiosidade. E, da curiosidade, ela passou à crítica. Hoje, toda a arte contemporânea é crítica. Em todos os sentidos: crítica na ecologia, na religião, na situação política, nas questões sociais. Ela exalta os benefícios criados, critica e destrói a sociedade atual, tentando criar uma sociedade melhor. Você passa por Inhotim e entra no Através. O que é o Através? Uma simplificação das dificuldades da vida. Você pisa em cacos de vidro, vai atravessando um monte de obstáculos para chegar ao outro lado. O que significa isso? Você enxerga o outro lado, mas não vai reto.”

Há boas matérias com Paz aqui, aqui e aqui.

De fato, a arte contemporânea busca o choque, o confronto, quer criticar, refletir, induzir a uma experiência legítima, um happening, quer que você se envolva com ela, experimente o que ela consegue provocar. Neste sentido, para uma arte que demanda tanto espaço e se relaciona diretamente com o ambiente em que está inserida, Inhotim é perfeito. Já que várias instalações e obras foram pensadas exatamente para aquele lugar.

chris

Na ânsia desesperada em provocar, no entanto, a arte contemporânea também é frívola, rasteira, extremamente pretensiosa e vazia. “Restore Now”, do suiço Thomas Hirschhorn, recentemente incorporada numa nova galeria de Inhotim, reúne ferramentas de oficinas em tamanho família, reproduções de livros de filósofos como Derrida, Deleuze, Foucault e outros, imagens de corpos mutilados e uma crítica infantil na imagem do próprio artista dançando atrás de um manequim com um livro gigante de Foucault do lado. A “paródia”, a “provocação”, mesmo a “zombaria”, neste caso, serve para um tipo de “arte” que se perde exatamente no que tenta abordar.

Há diálogos incessantes com a morte, a grandiosidade, o megalomaníaco, as barreiras – Tunga, Cildo Meireles – os medos e anseios, a nossa relação conturbada com a natureza – Giuseppe Penone, Chris Burden – a carne, as vísceras e o mítico – Adriana Varejão – o abstrato, a potência e o poder do som – Cardiff & Miller – a cosmococa de Hélio Oiticica e seu convite a mergulhar – literalmente – na cultura pop do século XX, seja na piscina amarela com John Cage de fundo, seja nas redes, colchões e espumas com Jimi Hendrix e Luiz Gonzaga. E muito mais.

 1385951_10151986153814756_370496551_n

Como reflexo da arte contemporânea, as galerias, os morros, as instalações e a natureza exuberante de Inhotim são um coice e um engodo. Um mimo para a classe A que se converteu em inevitáveis projetos para a comunidade. A megalomania de um bilionário excêntrico que gosta de arrotar pobreza (vide entrevistas). Você não sai ileso de Inhotim, claro. É o reino do paradoxo em que estamos metidos no século XXI. Te atrai e te suga para uma experiência sem volta. É belo, caótico, profano e reverente. Distorce símbolos tradicionais apenas para explorá-los. Te pega pela jugular e te faz sentir num jardim irreal, numa experiência que, em última instância, você é a própria cobaia da arte. 

Padrão
Literatura

Jonathan Franzen: internet, o fim do jornalismo e do romance

franzen7

Jonathan Franzen é reconhecido como um dos maiores escritores da contemporaneidade. Chegou lá através de obras como “As Correções” e “Liberdade”. Para Nicholas Dames, Franzen é expoente do que ele chama de “Geração Teoria”. Afirma:

No final dos anos 1990, a equação simples oferecida pela Teoria – o realismo é uma ferramenta da racionalidade capitalista, uma ferramenta do status quo; um produto, e não um artefato imaginativo – soava como um truísmo. Mas, quando um argumento torna-se truísmo, é bem provável que uma resposta a ele já se encontre a caminho. As correções forneceu uma versão incipiente dessa resposta. Não é difícil detectar o afeto subjacente pela Teoria no trecho em que Franzen descreve a liquidação radical, promovida por Chip. A Teoria ainda é uma presença constitutiva nesses romances; é evidente que são histórias sobre reificação, alienação e, particularmente, sobre o capitalismo tardio – um termo explorado de forma obsessiva, ainda que cuidadosa. Mas, ao menos para os estudantes, ex-estudantes e acadêmicos, em 2001 a Teoria já havia se tornado parte inseparável de suas vidas – algo que eles não precisavam justificar para ninguém, mas que ao mesmo tempo era vagamente revolucionário. Ela já não era mais uma chave para todas as coisas do mundo, mas meramente uma das coisas do mundo. É precisamente sobre essa banalização que Franzen reflete: ao virar rotina, a Teoria se transformou de objeto de medo, sátira ou veneração em um elemento ficcional. E o romance, especialmente o do tipo que se baseia no detalhamento social e nos destinos individuais (e, no caso de Franzen, no núcleo familiar burguês), estava louco para arrumar briga e tentar reconquistar seu prestígio obscurecido.

Lembrei desse ótimo artigo já no início que serve para contextualizar o trabalho de Jonathan. Recomendo também essa entrevista na Paris Review, sempre com seu nível altíssimo de qualidade. Em seu novo livro, Franzen explora algo que já tinha ficado muito claro: ele não gosta muito da internet. Em especial, das redes sociais. Algo que tem sido criticado por aí (aqui e aqui).

Em The Kraus Project: Essays by Karl Kraus, Franzen aborda um obscuro crítico austríaco que, segundo ele, pode ser considerado “pioneiro” na crítica sobre como a tecnologia pode impactar de modo negativo na produção artística em geral. A “máquina infernal” da citação que ilustra esse post seria, em última instância, a internet, representada pela tecnologia e o consumismo.

O que nos leva para esse longo artigo publicado na The Atlantic. Reunindo as suas observações e referências com o trabalho de Kraus, Franzen oferece um panorama da mídia e da web em nossos tempos de um jeito, digamos, “peculiar”. Kraus, afirma ele, oferece comentários ácidos sobre a imprensa em Vienna na virada do século 19 para o 20.

He particularly attacked a corrupt coupling of two things: that a small number of media magnates were getting extremely rich, and that the newspapers they owned kept reassuring their readers that society was becoming ever more democratic and advanced. More empowered, more enlightened, more communal. And it drove Kraus crazy, because he saw these naked profit-making enterprises masquerading as great equalizers—and succeeding, because people were addicted to them.

Quão familiar isto soa? O consumismo e a tecnologia, afirma Franzen, enquanto nos torna cada vez mais viciados e anestesiados, poderia quase que obliterar nossa capacidade de construir um pensamento relativamente crítico e, sua maior preocupação, acabar de vez com o romance. “Infinite Jest”, o clássico precoce de David Foster Wallace, seria um grande monumento na abordagem desse problema, proclama Franzen. “when I look at social media, it seems like a world that once had adults in it is being changed into the 8th grade junior-high cafeteria. When I look at Facebook, I see a video-poker room in Vegas”, provoca.

Por vezes, Franzen soa como aquele velho rabugento que, bem, gosta de algumas comodidades da internet (o email, por exemplo), mas abomina essa fixação dos jovens em, “só porque tem a possibilidade de fazer algo, acabam fazendo”. A “máquina infernal” de Kraus nada mais é que o capitalismo em sua manifestação mais recente, poderosa e veloz. Na ânsia de processar tudo e todos, nas ferramentas que oferece, de como nos escraviza e como acaba, inevitavelmente, sendo usado também de forma burra e/ou limitadora.

Duas citações são fundamentais aqui. Delimita Franzen:

Kraus was very suspicious of the notion of progress, the idea that things are just getting better and better. In 1912, when he was writing the essays that are in my new book, people were very optimistic about what science was going to do for the world. Everyone was becoming enlightened in a straightforward scientific sense, politics was liberalizing, and the world was going to be a much, much better place—the story went. Well, two years later the most horrible war in the history of humankind broke out, and was followed by an even worse war 25 years after that. Kraus was right about something: He was right to distrust the people who were telling us that technology was going to serve humanity and make things better and better. In the context of the crazy techno-utopianism and crazy techno-boosterism we’re now living through, it seems worth taking a look at a writer who was there at the birth of modern media and tech, being suspicious of the language of the people who were talking about how everything is getting better.

Não poderia concordar mais. Já se foi exaustivamente tratado do quanto a ideia de “desenvolvimento” e “evolução” da humanidade, no seu fetiche pelo “crescimento” constante é algo perigoso, perseguido à todo custo pelos países, não importa como e porquê. Ideia sempre alimentada pela mídia, que abraça a ideia de “crescimento” como uma fórmula mágica, como dados que automaticamente nos dizem que, se crescemos (o PIB, por exemplo), estamos melhorando, estamos “avançando” para um país melhor.

De todas as coisas boas que a internet oferece, lembra Franzen, como ferramenta para pesquisa, na facilidade para fazer compras, no trabalho em conjunto, no compartilhamento de paixões ou de situações difíceis com outras pessoas que passam pelo mesmo, o problema está em compartilhar tudo e na noção de que tudo é relevante, tudo é sensacional. O refúgio e a solidão, lembra ele, é um dos pilares da boa literatura:

Good novels aren’t written by committee. Good novels aren’t collaborated on. Good novels are produced by people who voluntarily isolate themselves, and go deep, and report from the depths on what they find. They do put what they find in a form that’s communally accessible, communally shareable, but not at the production end. What makes a good novel, apart from the skill of the writer, is how true it is to the individual subjectivity. People talk about “finding your voice”: Well, that’s what it is. You’re finding your own individual voice, not a group voice.

É preciso colocar fronteiras bem delimitadas, Franzen afirma, na medida em que “o progresso tecnológico” pode realmente fazer mal para o espírito. E não é difícil compartilharmos desse sentimento de Franzen, por vezes. Não é difícil nos sentirmos sugados por uma certa máquina, palpável ou não. Por uma necessidade besta que somos quase incapazes de identificar de onde vem. Chegamos em um tempo em que precisamos dizer “não” para as coisas. Dizer não para muitas das ofertas que a vida tecnológica nos traz. Para Franzen, a internet está acabando com o jornalismo:

I mean, the Internet has almost destroyed journalism! How can you have a functioning, complicated democracy of 300 million people without professional journalists? The boosters are always saying, well you can crowdsource it, you can leak it, you can take pictures with your iPhone. Bullshit. You can’t crowdsource working the Capitol beat for 20 years. We need to think critically about the consequences of our machines. We need to learn how to say no, and how to support the vital social services, like professional journalism, that we’re destroying.

Faz sentido, até certo ponto, já que todos tentam, exaustivamente, achar um modelo viável, sustentável, rentável. Ou vários deles. Tentar se tornar uma pessoa e não apenas um mero membro da multidão, em suma, desenvolver o seu ego ao máximo – já diria Hermann Hesse que aí está o verdadeiro caminho para o desenvolvimento. Como escritor, Franzen afirma, preservar a privacidade e a consciência interior é fundamental, o que fica bastante comprometido se gastamos boa parte do tempo sendo um alto-falante para os outros. É preciso prestar atenção em coisas que as pessoas não estão prestando.

No mundo de hoje, isso fica cada vez mais difícil. E cada vez mais fácil o escritor, o jornalista, o produtor de conteúdo e, por fim, a própria personalidade, nossa própria ideia do “ser” ficar extremamente abalada. Eis um problema que se manifesta nas mais diversas formas em todos os cantos possíveis. Novamente, eu não poderia concordar mais.

Padrão
Política & Economia

Marshall Berman (1940-2013)

13255717

Marshall Berman morreu na última quarta-feira, 11 de setembro (realmente uma data maldita), aos 72, por ataque cardíaco. Berman, que descobri aos 17, exerceu grande influência na minha formação. Pela primeira vez eu encontrava um filósofo (e educador, cientista político) que conseguia analisar Marx sob uma ótima completamente nova, fresca, lúcida, sem os ranços de linguagem, sem vícios ideológicos, autêntico, “moderno”.

“Tudo Que é Sólido Desmanchar no Ar”, o livro chave de Berman, lançado em 1982, afirma que Marx foi o primeiro dos modernistas. E traça paralelos soberbos que vão desde ícones da cultura ocidental clássica, como Goethe, passando pelo Velho Testamento (e sua origem judaica) até a urbanização de Nova York, sua casa, cidade tão cara para Berman, que influenciou tanto sua visão de mundo e que deu origem a seus dois últimos livros. Berman também abraça e retorce a cultura de rua e a cultura pop da sua época, abordando desde o grafitti até o hip-hop dos Beastie Boys, grupo que ele coloca no seu panteão.

É o tipo do cara que dialoga de forma absurdamente culta, porém fluída, que mergulha no próprio tempo em que vive e consegue olhar para teorias estabelecidas e traçar novas e vigorosas ideias. O urbanismo, a arquitetura – vale a pena pesquisar sua relação “curiosa” com Oscar Niemeyer – o “caos” organizado das cidades, os conflitos e paradoxos da vida moderna numa prosa fluída, acessível e encantadora.

É o sujeito que você teria enorme prazer em sentar na mesa do bar, pedir uma cerveja e dialogar durante horas sobre temas que fazem parte da sua vida, quer você perceba ou não, de maneira pra lá de agradável, ainda que incomode. É um dos melhores e mais importantes pensadores do nosso tempo. Obrigado por tudo, Bermão.

Leia:

Marshall Berman, Marxist Humanis Mensch

Marx, Berman, capitalismo, democracia e modernidade

Padrão
Ativismo, Jornalismo

Independente precisa ser sinônimo de tosco?

Captura de tela de 2013-08-06 12:11:27

Um erro pra lá de comum quando falamos de iniciativas de “comunicação de guerrilha”, que se pretendem independentes, capazes de veicular relatos e matérias que encontram pouco ou nenhum espaço nos grandes é a tosquice extrema na maneira como o conteúdo é apresentado. Parecem que se contentam em migrar o conceito dos velhos zines para a web e que “qualquer coisa tá bom, o importante é a polpa”.

Engano. A tela acima é do Indymedia, um dos mais antigos veículos do gênero, fundado em 1999. Seu braço brasileiro, apesar de ter passado por uma mudança de layout, não fica muito atrás.

E o site parece mesmo do século XX. É praticamente ilegível, de doer os olhos, sem nenhum cuidado com a organização, clareza e hierarquia das informações. Atualmente, com os vários, excelentes e gratuitos CMS que existem para construção de sites – WordPress, Joomla, Drupal, Plone, etc – sem a necessidade de ser nenhum expert em programação, bastando um bocado de vontade, pesquisa e dedicação, é praticamente inadmissível manter um site no ar como o do Indymedia.

E aí acontece o que estamos cansados de ver em iniciativas do tipo: falar sempre para o mesmo nicho, os mesmos grupos, a galera mais radical e hardcore, caindo na vala comum não só de forma como do próprio conteúdo, com abordagens, temas, textos e premissas ultrapassadas, que não encontram eco da maneira adequada na sociedade ou, no mínimo, ficam extremamente limitados. É aquela história da própria agonia da extrema-esquerda brasileira, por exemplo. Tema que destrinchei aqui, depois das últimas eleições presidenciais.

Naquele texto, afirmei:

A extrema-esquerda se mostra totalmente incapaz de apresentar suas ideias de maneira razoável, equilibrada, atualizada, palatável para a maioria da população e num projeto minimamente possível de ser aplicado no século XXI. Assim, fica restrita ao mesmo nicho que sempre esteve, jamais avançando: estudantes universitários, adultos convictos, militantes radicais e grupos de inclinações “revolucionárias” diversas. O eterno curral. Com a diferença que as urnas mostram o achatamento cada vez maior da penetração desse discurso. E com razão.

Infelizmente, esse “problema” não parece restrito à “extrema-esquerda”. E nem acho que valha a pena entrar numa tentativa de definir o que é “extrema-esquerda” ou não. O discurso fala muito mais que a sigla do partido. E aí que é bom evitar essas armadilhas. Caso da Mídia Ninja, que está nos holofotes. Não importa que as cabeças da NINJA sejam ligados ao PT. De verdade. Ter afinidades ideológicas com um partido – ou mesmo fazer parte direta ou indiretamente das atividades dele, caso de alguns – importa pouco se você é capaz de tratar com um mínimo de honestidade intelectual o conteúdo que você produz.

Essa “afinidade” não é desculpa para uma cobertura ruim ou para a ausência de críticas. O dinheiro público, bom que se lembre, é público, não é do PT. Deve ser uma política estatal permanente, não de governo X ou Y. Não há como esconder suas preferências políticas no mundo de hoje. A “grande mídia”, quando tenta, é tremendamente infeliz nisso. Quando é transparente, é muito melhor.

Quem está no governo tem muito mais motivo para levar porrada. Por razões óbvias. O movimento “Amor Sim, Russomano Não” buscou apoiar a candidatura de Haddad? Sem nenhuma dúvida. Seus líderes tem ligação direta com ele? Sim. O objetivo de atacar Russomano, que liderava as pesquisas, era contribuir para que Haddad fosse para o segundo turno? Óbvio. Daí que não faz sentido que Bruno Torturra negue esse óbvio, como fez na entrevista para o André Forastieri.

Comecei falando de forma e enveredei para o caminho da transparência e das conexões políticas, ideológicas, jornalísticas e sociais (porque não?) que tudo isso implica. Ofertar – e o termo é este mesmo – o que você produz de maneira atraente para o público é fundamental se você almeja ultrapassar as fronteiras costumeiras. A Agência Pública é ótimo exemplo disso. Disparada a melhor referência em jornalismo investigativo feito no Brasil hoje.

Lá fora, o Adbusters é um que merece atenção, ainda que peque bastante pela fragilidade e superficialidade de muito do que divulga. Há uma série de erros, de problemas e de lacunas que são compreensíveis que a mídia alternativa tenha. Ser tosca não é um deles.

Padrão